Estado tem apenas cinco mil fornos legalizados; há 30 mil irregulares
BRASÍLIA – A ação de carvoarias que transformam em matéria-prima de siderúrgicas do Pará cerca de 3,5 milhões de árvores por ano repercute na Amazônia. “Árvore não vota, nem ganha voto. Quero que saibam que, mesmo que eu morra hoje, pelo menos cheguei a tempo de falar com alguém lúcido”, escreveu nesta quinta-feira à Agência Amazônia a paraense Branca Rosa, daquele estado, que se diz uma “cidadã frustrada quanto à capacidade do ser humano de reagir ao deparar com o óbvio”.
Ela enviou carta ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, na qual defende o rigor da fiscalização “em cada porta das siderúrgicas”, para que apresentem documento de origem do carvão. “Afinal, não são tantas assim”, assinala.
O cálculo do número de árvores abatidas feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em declarações ao “Jornal Hoje”, da TV Globo, o presidente do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Pará (Sindiferpa), Afonso Albuquerque, nega que as indústrias utilizem carvão irregular. "As origens são várias, mas todas elas com amparo legal", defende-se.
As cargas de carvão são transportadas livremente no Estado do Pará. A reportagem televisiva revelou que na área rural de Goianésia, os fornos queimam dia e noite as sobras de árvores derrubadas na Amazônia. A Secretaria de Meio Ambiente do Pará informou que existem atualmente cinco mil fornos legalizados e outros 30 mil irregulares em todo o estado. Em Marabá, 11 siderúrgicas recebem diariamente toneladas de minério de Carajás, a maior mina de ferro do mundo. Todas elas dependem do carvão para produzir ferro gusa, a matéria-prima do aço.
No final de 2007 o governo estadual determinou que as indústrias de produção de ferro-gusa que possuem licença de operação concedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente comprovassem com um mês de antecedência que dispõem de carvão vegetal ou mineral, legal, proporcional ao volume previsto de sua produção. A conversão é de 2,2 m3 de carvão para uma tonelada de gusa.
Com essa medida, a licença de operação de cada empresa seria adequada aos novos parâmetros estabelecidos pela instrução normativa. O resultado prático deixa a desejar. Segundo o governo paraense, o carvão legal tem origem nos planos de manejo florestal, autorização de desmatamento ou aquisição em outros estados. Todo o movimento de madeira é controlado via Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora). Boa parte do carvão utilizado pela indústria do gusa vem de resíduos de serraria e de plano de manejo florestal.
Multas no Piauí
Recente operação de cruzamento de dados do Sistema-DOF (Documento de Origem Florestal) identificou um consumo de 800 mil m3 de carvão ilegal por 55 siderúrgicas de Minas Gerais, quatro de Mato Grosso do Sul e uma do Espírito Santo, somente no ano passado. Entre as 55 siderúrgicas multadas, três que atuam no Piauí com a produção de carvão vegetal foram multadas em R$ 35,419 milhões.
Totaliza dez mil caminhões carregados o volume de carvão vegetal explorado ilegalmente nas regiões do Cerrado e do Pantanal mato-grossense. Enfileirados, eles alcançariam 200 quilômetros de extensão, equivalentes à distância entre Brasília e Goiânia. O Ibama aplicou R$ 70 milhões em multas em diversos fornecedores de carvão do Mato Grosso do Sul. No total, as multas chegaram a R$ 484,7 milhões. Foi quando o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, declarou: “Tremei carvoeiros ilegais”.
Entre os artifícios usados pelas siderúrgicas autuadas na tentativa de burlar a fiscalização estão volume de carvão maior do que o declarado no DOF, falsa importação de carvão do Paraguai para cobrir exploração no Pantanal e Cerrado e uso do mesmo DOF para transportar diversas cargas.
“Última entrevista de uma árvore”
BRASÍLIA – “É obvio que não sou contra a expansão da produção de aço; sou contra o enorme equívoco de planejamento estratégico, administrativo e econômico do enorme custo ambiental, social e sustentável que está invisível. Nunca vi este custo lançado em nenhuma planilha séria, onde se colocam os custo de matéria-prima para produção e nem mesmo no cálculo para estabelecer o preço final real do nosso aço para o mercado interno e externo”, iniciou Branca Rosa.
“Alimentar esta indústria ao custo de nossas reservas florestais nativas e ficarmos apenas sentados à frente de um microcomputador, via da internet, acompanhando os pregões da bolsa, o sobe-e-desce do dólar e dando pulinhos quando ouvimos nas redes televisivas que a balança comercial deu superávit, me desculpe: é se comportar como um avestruz, que de cabeça enfiada na terra, sem enxergar nada ao seu redor, apenas procura a própria minhoca para se alimentar, enquanto oferece a linda plumage, para virar espanador", ela prossegue.
Exportações de aço em bobina
“Desculpe a ironia. Parece que apesar de estarmos no século XXI, com tanto conhecimento e tecnologia à disposição, vamos ter de usar boa parte dessa nossa floresta nativa, queimar muita lenha boa, contribuindo com o aquecimento global e com a falta de expectativa de vida de tantos brasileiros que por falta de educação e abandono trabalham praticamente como escravos e sem perspectiva de empregos dignos. Vamos continuar alimentando as enormes bocas de fornos para produzir bastante desse aço e, ao invés de exportarmos produtos prontos com alto valor agregado, gerador de renda e multiplicador de atividades econômicas primárias e secundárias, continuamos exportando o aço em bobinas, chapas e outros produtos primários para países que não têm mais florestas, não querem qualquer tipo de indústria extrativista ou poluente em seu terreno e se recobrem de leis protecionistas, embargos comerciais e outras cositas mais”, comenta.
Branca Rosa se insurge contra o "jeitinho brasileiro de ser e à incapacidade que temos de deixar para amanhã o que temos de enfrentar hoje”. Pergunta: “Quantas são as pessoas ou organizações envolvidas diretamente neste ciclo de produção e compra de madeira ilegal ? Será que são tantas e estão tão acima dos interesses de todos?”.
E responde: “Quero acreditar que não, que podemos e devemos nos mobilizar para mudar o rumo dos acontecimentos, pelo menos se indignando com isso e tentando chegar à consciência das pessoas, pela ‘voz’ de uma árvore, que estranhamente se comunica por e-mail. Então, talvez até por curiosidade ou extravagância, alguém noticie que esta linda árvore possa aparecer em cadeia de rádio e TV e ter seus segundos de fama, segundos antes de virar carvão e dar sua entrevista máxima, contando a sua reconstituição de vida”.
Ela enviou carta ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, na qual defende o rigor da fiscalização “em cada porta das siderúrgicas”, para que apresentem documento de origem do carvão. “Afinal, não são tantas assim”, assinala.
O cálculo do número de árvores abatidas feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em declarações ao “Jornal Hoje”, da TV Globo, o presidente do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Pará (Sindiferpa), Afonso Albuquerque, nega que as indústrias utilizem carvão irregular. "As origens são várias, mas todas elas com amparo legal", defende-se.
As cargas de carvão são transportadas livremente no Estado do Pará. A reportagem televisiva revelou que na área rural de Goianésia, os fornos queimam dia e noite as sobras de árvores derrubadas na Amazônia. A Secretaria de Meio Ambiente do Pará informou que existem atualmente cinco mil fornos legalizados e outros 30 mil irregulares em todo o estado. Em Marabá, 11 siderúrgicas recebem diariamente toneladas de minério de Carajás, a maior mina de ferro do mundo. Todas elas dependem do carvão para produzir ferro gusa, a matéria-prima do aço.
No final de 2007 o governo estadual determinou que as indústrias de produção de ferro-gusa que possuem licença de operação concedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente comprovassem com um mês de antecedência que dispõem de carvão vegetal ou mineral, legal, proporcional ao volume previsto de sua produção. A conversão é de 2,2 m3 de carvão para uma tonelada de gusa.
Com essa medida, a licença de operação de cada empresa seria adequada aos novos parâmetros estabelecidos pela instrução normativa. O resultado prático deixa a desejar. Segundo o governo paraense, o carvão legal tem origem nos planos de manejo florestal, autorização de desmatamento ou aquisição em outros estados. Todo o movimento de madeira é controlado via Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora). Boa parte do carvão utilizado pela indústria do gusa vem de resíduos de serraria e de plano de manejo florestal.
Multas no Piauí
Recente operação de cruzamento de dados do Sistema-DOF (Documento de Origem Florestal) identificou um consumo de 800 mil m3 de carvão ilegal por 55 siderúrgicas de Minas Gerais, quatro de Mato Grosso do Sul e uma do Espírito Santo, somente no ano passado. Entre as 55 siderúrgicas multadas, três que atuam no Piauí com a produção de carvão vegetal foram multadas em R$ 35,419 milhões.
Totaliza dez mil caminhões carregados o volume de carvão vegetal explorado ilegalmente nas regiões do Cerrado e do Pantanal mato-grossense. Enfileirados, eles alcançariam 200 quilômetros de extensão, equivalentes à distância entre Brasília e Goiânia. O Ibama aplicou R$ 70 milhões em multas em diversos fornecedores de carvão do Mato Grosso do Sul. No total, as multas chegaram a R$ 484,7 milhões. Foi quando o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, declarou: “Tremei carvoeiros ilegais”.
Entre os artifícios usados pelas siderúrgicas autuadas na tentativa de burlar a fiscalização estão volume de carvão maior do que o declarado no DOF, falsa importação de carvão do Paraguai para cobrir exploração no Pantanal e Cerrado e uso do mesmo DOF para transportar diversas cargas.
“Última entrevista de uma árvore”
BRASÍLIA – “É obvio que não sou contra a expansão da produção de aço; sou contra o enorme equívoco de planejamento estratégico, administrativo e econômico do enorme custo ambiental, social e sustentável que está invisível. Nunca vi este custo lançado em nenhuma planilha séria, onde se colocam os custo de matéria-prima para produção e nem mesmo no cálculo para estabelecer o preço final real do nosso aço para o mercado interno e externo”, iniciou Branca Rosa.
“Alimentar esta indústria ao custo de nossas reservas florestais nativas e ficarmos apenas sentados à frente de um microcomputador, via da internet, acompanhando os pregões da bolsa, o sobe-e-desce do dólar e dando pulinhos quando ouvimos nas redes televisivas que a balança comercial deu superávit, me desculpe: é se comportar como um avestruz, que de cabeça enfiada na terra, sem enxergar nada ao seu redor, apenas procura a própria minhoca para se alimentar, enquanto oferece a linda plumage, para virar espanador", ela prossegue.
Exportações de aço em bobina
“Desculpe a ironia. Parece que apesar de estarmos no século XXI, com tanto conhecimento e tecnologia à disposição, vamos ter de usar boa parte dessa nossa floresta nativa, queimar muita lenha boa, contribuindo com o aquecimento global e com a falta de expectativa de vida de tantos brasileiros que por falta de educação e abandono trabalham praticamente como escravos e sem perspectiva de empregos dignos. Vamos continuar alimentando as enormes bocas de fornos para produzir bastante desse aço e, ao invés de exportarmos produtos prontos com alto valor agregado, gerador de renda e multiplicador de atividades econômicas primárias e secundárias, continuamos exportando o aço em bobinas, chapas e outros produtos primários para países que não têm mais florestas, não querem qualquer tipo de indústria extrativista ou poluente em seu terreno e se recobrem de leis protecionistas, embargos comerciais e outras cositas mais”, comenta.
Branca Rosa se insurge contra o "jeitinho brasileiro de ser e à incapacidade que temos de deixar para amanhã o que temos de enfrentar hoje”. Pergunta: “Quantas são as pessoas ou organizações envolvidas diretamente neste ciclo de produção e compra de madeira ilegal ? Será que são tantas e estão tão acima dos interesses de todos?”.
E responde: “Quero acreditar que não, que podemos e devemos nos mobilizar para mudar o rumo dos acontecimentos, pelo menos se indignando com isso e tentando chegar à consciência das pessoas, pela ‘voz’ de uma árvore, que estranhamente se comunica por e-mail. Então, talvez até por curiosidade ou extravagância, alguém noticie que esta linda árvore possa aparecer em cadeia de rádio e TV e ter seus segundos de fama, segundos antes de virar carvão e dar sua entrevista máxima, contando a sua reconstituição de vida”.
FOTO- Arquivo do CEPASP-MarabáPA
Por: Montezuma Cruz e Chico Araújo
http://www.agenciaamazonia.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2884&Itemid=259
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