Delza,
9.0. Tal bambu, verga, mas não quebra. No embornal da trajetória traz algumas
tempestades, amores, desatinos, uma montanha de teimosias. Nove décadas nas costas,
guarda na memória prodigiosas histórias de perseguição aos comunistas Maria
Aragão e William Moreira Lima, ambos médicos. Alertava: “não te mete com
política. Olha o que fazem com Maria e Willliam....”
Na
provinciana São Luís, ironicamente tratada por Ferreira Gullar como Macondo,
cursou Filosofia no Palácio Cristo Rei. Prédio cravado na Praça Gonçalves Dias.
Foi da primeira turma no tempo em que se estudava latim e francês. Relembra de
recitais de poesia, da bandinha do coreto...da Igreja dos Remédios....é
religiosa do seu jeito....vai à igreja fora do horário de missa...devota
Conceição...e ia à festa do terreiro de dona Ana, na época, localizado à Rua Venceslau Brás, no bairro da Camboa.
Muitos
dos colegas do curso de Filosofia garantiram assento na UFMA como docentes. Ela rememora que
por conta do cônego Ribamar Carvalho foi preterida em detrimento da amante do religioso.
Tantas vezes ouvi essa história que ainda hoje guardo na memória. “Aquele maldito cônego......”
Nos
anos de 1970 foi mãe solo, - como se diz nos dias atuais - de dois
barrigudinhos. Um casal. Imagina ser mãe solteira numa província do Nordeste do
século passado, ter curso superior, ser professora que ajuda a pensar?
Na
Viração, onde passamos boa parte da infância e adolescência, quando do aperreio
de grana, os pregoeiros socorriam no fiado. Seu Benedito, negociador de carne
de porco era o mais frequente. Era um senhor negro proveniente da Maioba Pedação de colchão e costela aviava.
Vem
daí minha preferência pela carne suína, creio.
Havia também um cabra que negociava jaçanã. Uma ave que é pura
cartilagem. Comum na região da Baixada Maranhense. Quase nenhuma carne.
A
receita consistia em fazer a mesma com arroz, uns pedações de abóbora, arrocha
na farinha e segue o fluxo da vida de aperreios. Carências acudidas pela irmã, primas e
amigas. Comunal.
O
fiado também existia no caderno das quitandas. Lembro do comércio do Zé
Escangalhado e dona Joana. Lá sempre rolava uma roda de samba e choro. Camboa,
Liberdade, Diamante. Bairros sonoros. Macumbas, blocos de carnaval, escola de
samba, brincadeiras de bumba meu boi. Todo ano, no São João, o Boi de Rosário
brincava na porta de uns parentes do bairro, dona do Carmo.
Meninas
traquinas. Creio que de forma inconsciente havia uma consciência de classe. As carências,
a condição de mãe solo, a emancipação as aproximava na solidariedade. Uma aquilombação
de mulheres numa ilha em que tudo tardava para chegar. Gullar lembra que as informações sobre a
Semana de Arte Moderna só aportaram na Ilha após duas décadas da sua realização.
Delza
é franzina. Não sei de onde tirou tanta força para criar dois barrigudinhos,
dois netos, e hoje convive com o bisneto Franklin, que a tira para dançar nas
aulas de educação física, e dispara” bisa, você é dura”....
Sempre
cantarola canções antigas. E critica: “olha, isso tem letra...não são essas
coisas de hoje”. A professora do tempo
do mimeografo hoje usa rede social para falar comigo pelo menos umas duas vezes
por semana. Passa raio, carão, sermão....indaga do pulmão, doszoio, do
coração...
Delza é Bolívia e Corinthians de coração. Ao falar com Docinho (Thulla), minha companheira, sempre puxa o assunto futebol. O Timão... sabe dos nomes dos jogadores, lembra o placar do derradeiro jogo... reclama da ruindade dos caras...oh time ruim, e ri.....diz que vai mandar email para o presidente do clube e reclamar da escalação.
Delza
ri, toma uma breja....sofre com a chuva...e dança com o bisneto....o
carinhoso...Saravá Delza, como milhares de nordestinas, uma mulher arretada!!!!
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