sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Carajás - Expansão da Vale desapropria camponeses e cria tensões em Canaã

Perto de 100 famílias foram expulsas da terra e perderam a produção, denunciam ativistas


Apesar da ausência e de assistência técnica e de financiamento, os agricultores conseguiam produzir
 
As populações tradicionais e que vem insistentemente se formando ao longo do tempo no sudeste paraense vem constantemente passando por dizimação e opressões, sem que as mesmas consigam o mínimo de estruturação sustentável diante dos interesses do Estado e dos grupos dominantes dos territórios (empresários urbanos, latifundiários e empresários do ramo da mineração).

Por muito tempo um milhão e meio de hectares de castanhais foram concentrados em poder de meia dúzia de famílias que a partir da década de sessenta do século XX foram sendo repassados para grupos agropecuários. Por força da luta pela terra durante o período que vai do inicio da década de 80 ao final da década de 90 trabalhadores e trabalhadoras rurais conquistaram parte desta área, contrariando a força hegemônica.

Na década de 80 o governo através do GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins para tentar proteger o Projeto Ferro Carajás assentou no seu entorno um contingente de mais ou menos 3.000 famílias, que a duras penas conseguiram desenvolver iniciativas produtivas de bons rendimentos  de produtos agropecuários.

A partir do ano 2000 os interesses da Vale em apropriar-se e fazer a extração dos bens minerais começa atuar para além do perímetro da Floresta Nacional de Carajás e da Floresta Nacional do Tapirapé Aquiri. Inicia a implantação do Projeto Sossêgo, para extração do minério de cobre, em Canaã dos Carajás.

No mesmo período em que a Vale desenvolve as atividades para implantação do Projeto Sossêgo, outro projeto também consta na prioridade da empresa, o Projeto Níquel do Vermelho para extração do minério de níquel, também no município de Canãa dos Carajás e próximo ao Projeto Sossêgo. Como a empresa, em 2007, fez aquisição do Projeto Onça Puma, em Ourilândia do Norte, para extração de níquel, o Projeto Níquel do Vermelho nunca foi implantado.

Acobertada pelo Código de Mineração, Art. 59 ficam sujeitas a servidões do solo e subsolo para os fins de pesquisa ou lavra, não só a propriedade onde se localiza jazida, como as limítrofes, a empresa através de  compra de áreas de pequenos, médios e grandes possíveis proprietários se apropria de uma enorme área no município de Canaã dos Carajás.

Acontece que a maioria das áreas abocanhadas pela empresa pertence à União porque até então as áreas não foram tituladas em nome dos ocupantes, sendo parte significativa das terras do Projeto de Assentamento Carajás II, criado pelo GETAT, na década de 80, como já tratado acima.

As áreas que até a chegada da Vale eram ocupadas por famílias de agricultoras que produziam em abundância entre outros produtos, arroz, feijão, milho, mandioca, carne e leite, a empresa após efetuar a compra das mesmas as concedeu para pecuaristas usá-las para criação de gado. O que mostra uma enorme distancia entre o discurso e a prática da empresa no que se refere à defesa do meio ambiente e respeito aos direitos sociais das populações.

Em 14 e 15 de julho do ano de 2015 trabalhadores, trabalhadoras, filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras rurais, sufocados pelas dificuldades de sobrevivência no município que ajudaram a construir e agora sendo apropriado por um único e dominante interesse, o da mineração,  resolveram por ocupar parte das áreas concentradas pela Vale, como alternativa para geração de renda e superação, em parte, de suas dificuldades.

Dois acampamentos foram formados, o Planalto Serra Dourada (na VS 40) e o Grotão do Mutum (VP 12), com várias ocupações dentro do perímetro das áreas pretendidas para serem retomadas pelas famílias. Hoje são em torno de 600 famílias acampadas e mobilizadas pelos dois acampamentos.

Imediatamente, logo após as ocupações, a Vale ingressou com 26 pedidos de reintegração de posse, a partir de informações prestadas pela sua milícia disfarçada de guardas florestais, que consideraram como ocupação para qualquer pessoa que fosse encontrada em algum lugar da área considerada como de propriedade da empresa. A juíza, substituta da Comarca de Canaã dos Carajás, sem se preocupar em entender a realidade sobre a questão agrária do município, concedeu, para todos os pedidos, liminar de reintegração de posse.

As famílias continuaram nas áreas dos acampamentos. A partir do inicio de outubro a maioria das famílias se dedicaram em preparar áreas para implantar roças, para que em 2016 não viessem a enfrentar dificuldades por falta de alimentos. Hoje são em torno de 400 hectares de terra ocupadas com o plantio de arroz, feijão, milho, mandioca, maracujá, mamão, abóbora e hortaliças. Com uma produção de milho que poderá chegar a um montante de 320 toneladas.

No dia 14 de janeiro o juiz Lauro Fontes Junior da Comarca de Canaã decidiu por suspender a reintegração de posse da área do acampamento Grotão do Mutum que estava prevista para aqueles dias, por entender que no pedido da empresa não constavam elementos que comprovassem seu direito de propriedade sobre as áreas. Isto faria com que a Tropa de Choque que se encontrava em Marabá, vinda da capital do Estado, para cumprir outras reintegrações não chegasse até Canaã.

Para surpresa de todos que vem acompanhando a luta das famílias acampadas, no dia 1º de fevereiro(ontem), por volta das 17 horas, chegaram no acampamento para mais de 50 homens da Tropa de Choque do Comando de Missões Especiais e umas dezenas da milícia da Vale, para executar o despejo das famílias acampadas no Grotão do Mutum. O comandante da Policia chegou ao acampamento com o restabelecimento de uma Liminar de Reintegração de Posse expedida no mês de julho. Este restabelecimento foi assinado pelo juiz Lauro Fontes Junior em 29 de janeiro, voltando atrás de sua decisão de 14 de janeiro.

O que surpreende também é que o juiz expediu a ordem de despejo e saiu de férias, sem ao menos publicar tal decisão, travando a informação para os defensores das famílias. O oficial de justiça foi literalmente afastado das funções assumindo o seu papel o comandante da tropa, que levou em mãos para conhecimento das famílias acampadas a decisão do juiz. O que demonstra arbitrariedade.

Depois de muitas discussões provocadas pelas advogadas da Comissão Pastoral da Terra, do presidente do STTR de Canaã e dos(as) acampados(as), diante da intransigência e truculência de representantes da Vale, durante a manhã de hoje(02), foi dado um prazo de 24 horas para desocupação da área.

Com mais esta arbitrariedade cometida pelo Estado do Pará, mais de cem famílias perdem suas moradias e plantações, e a população do município perde a produção que poderia chegar até suas mesas. Famílias que até poucos dias sonhavam com fartura em suas mesas para este ano voltam para a amargura provocada pela Vale na região sudeste do Pará, com a apropriação das terras agricultáveis tornando-as improdutivas. Fica a certeza de que o poder econômico destrói as vidas dos despossuídos de forma impiedosa e brutal.

Em Carajás a mineração é tragédia!

Mariana também é aqui!
Marabá, 02 de fevereiro de 2015.
CEPASP- Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular

STTRC – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Canaã dos Carajás

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