Centro. Alenquer. Faz calor. Todavia, chove. Ainda é inverno. Terça
feira de abril. A porca espocou do nada. Ligeira. Porruda. Parida. Mais de 100 kg ao olho míope.
Desembestou-se pela rua sem calçamento. Caçava comida. Metia o focinho em tudo:
lixo mato e lama.
Tudo sucedeu nas proximidades da feira do peixe. Mercado cercado
por favelas. Esgoto a céu aberto. Na vala
do esgoto, por entre sobras de peixes e lixo doméstico, felinos e urubus
disputam rebotalhos dos pescados. Tambaqui, bodó, tucunaré. Tempo lento. Lentinho.
Sem agonia. Um jovem cruza o caminho com
duas fieiras de peixes. Cumprimenta: “dia senhor”...respondo: diassss”
O rio faz parte da casa das pessoas das cidades ribeirinhas. É quintal.
É par. É dispensa, que quando tudo falta, pesca-se o peixe. A depender do
lugar, outras iguarias, a exemplo de camarão. O rio é a vida do lugar. Homem peixe.
Homem rio. Homem floresta. Homem várzea. Homem quintal. Homem ribeirinho. Milenar.
O rio é a vida. O rio é a morte do lugar.
Árvores frutíferas garantem alguma sombra. O rio, a floresta, a várzea,
o quintal, as plantas, o peixe, alguns pequenos animais, entre outros, galinhas integram
o espaço. Ah, o homem. O homem e a natureza em par. Açaí na veia.
Nas casas espiadas por mim, havia embarcações pequenas. Em algumas,
motos. O cavalo ferro. Uma cadeira de balanço feita em macarrão antigo aguarda o/a
dono/a. Assim como uma bicicleta suspensa em uma parte externa.
Em outras residências mais bem ajambradas estranhei a ausência de
grades de proteção. Reinará a paz nestas paragens? Em meu caminhar matutino, recebi
de todos que por mim passaram nas ruas acanhadas e sem calçamento um bom dia. Ainda
que desconheçam a minha triste figura. “dias moço”, “dias senhor”....cumprimento
que faço questão em retribuir: “dias!”....
À beira do rio, embarcações. Tudo que é tamanho e estrutura:
madeira, ferro. A primeira integra a cadeia do tempo agoniado, a segunda do
tempo lento. O posto de gasolina socorre os grandes e os miúdos. Os agoniados e os
lentos. É recorrente pessoas comprarem o
combustível em garrafas de plástico/pet. Combustível para as canoas.
Mototáxis, táxis espreitam passageiros. À beira do rio, existe pelo
menos quatro hotéis: o Detinha, Hotel da Gaúcha, Pepita e o Vale do Paraíso. Entre outros
povos, a região contou a presença de libaneses.
A professora Marília Emmi assina uma publicação sobre migração no
Pará. Benchimol a precede, em Eretz, obra
que foi metamorfoseada em documentário. Benchimol trata especificamente da migração de judeus. Em Alenquer, por uma temporada a família Gantuss chefiou
a cidade. O sobrenome nomeia alguns espaços da urbe. família de origem libanesa.
Bodó e Mocotó formam uma dupla do lugar. Bodó é uma espécie de
peixe. Mocotó uma iguaria. A dupla não canta. Bodó e Mocotó são motoristas de
táxi. Conhecem todas as quebradas do lugar e vizinhança.
Bodó é claro, enquanto Mocotó é escuro. Faz um ano que Bodó levou
uma garrafada na cabeça. Uma garrafa de cachaça 51. Iniciativa de um desocupado
em porta de festa. Passado mais de 12
meses, os zoio de Bodó tiveram um probleminha. Agora padecem de lagrimação. Chora
por tudo....
“Sou filho de muitas mães. Mamava as mães da vizinhança. A minha
não tinha leite”, rememora. Mocotó é trecheiro. Já correu Manaus por longa
temporada. Um dia resolveu mudar para Alenquer. A parceira não topou. Juntou os
quase nada, e pegou o Ita sozinho. Fichou na mineração do Trombetas. Ficou 20
anos por lá. Não bebe, nem fuma. Traja uma camiseta camuflada do Exército
Brasileiro.
Bodó e Mocotó orgulham-se dos bens que possuem: moto, carro de
passeio e camionete. Assim defendem os dias. E, afinam amizades com ximangos e
não ximangos. Ximango é o termo usado para denominar o nascido em Alenquer, assim
como “espoca bode” é em Oriximiná.
Outro dia, na comunidade de Campina do Pilar, por conta das chuvas intensas, relíquias de civilizações antigas vieram à superfície. A região é um grande sítio. Cogita-se que ainda em abril, técnicos do Iphan visitem o lugar. Trata-se de resquícios do povo Baré da região do Trombetas, como consta da história da origem da cidade.
O museu antigo aguarda uma nova sede. Tá quase tudo pronto. É uma teimosia de alguns
moradores sensíveis à cultura. E, por falar nela, a secretaria estadual, nunca
respondeu a um ofício que solicitava que uma exposição sobre o centenário do
escritor e político ximango Benedicto Monteiro passasse uma jornada por aqui. Ficou restrita à Belém.
Abril. As águas estão grandes. O retorno para Santarém será ligeiro,
por entre rebojos de um passado que não passa.
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