segunda-feira, 5 de julho de 2021

As águas altas do Tapajós

 

                                    O rio Tapajós toma a rua - Santarém/PA. Foto |Thulla Esteves

As águas do Tapajós tomaram o asfalto. Havia tempo não subiam tanto. Desde 2009.  Tudo anda muito estranho no planeta. Sempre que as águas sobem neste patamar implica em aperreio para comerciantes que operam na orla na cidade.

Sempre que as águas sobem é aperreio para os menos abastados. Onde é possível, marombas (pontes improvisadas) socorrem em alguns trechos. Fato que não ocorre nas quebradas, a exemplo de logradouros como Juá e o Salvação (Minha Casa, Minha Vida), entre outros. No Salvação o socorro é a oração.  Na quebrada, desprovida de asfalto e do serviço do saneamento, tudo vira um rio de lama. Um rio de merda. 

Águas altas. As embarcações de madeira ficam rente ao asfalto.  São elas que carregam o povo de várias comunidades da cidade, a exemplo de Arapiuns, Boim, Lago Grande; e de outros municípios, como Juruti, Monte Alegre, Manaus, Macapá, Oriximiná, Óbidos...o povo viaja em rede. Longas horas.

           Um bomba movida a motor a diesel passa o dia operando, a devolver a água ao rio. Santarém/PA. Foto - Thulla Esteves

As embarcações de madeira é que socorrem as comunidades locais. Num fluxo trazem as pessoas e as suas produções; noutro, levam gêneros necessários ao cotidiano dos moradores ribeirinhos. Não raro, apesar do risco, carregam botijões de gás. Apesar do elevado preço. Carregam ainda produtos que alimentam os comércios das localidades ribeirinhas. E, ainda eletrônicos, cachaça, cervejas e refrigerantes.

Na intenção em minimizar a tensão das águas sobre o asfalto e o comércio, as autoridades implantam bombas para devolver as águas ao rio.  Uma estranha engenharia. Inúmeras bombas passam a integrar o desenho na orla da cidade.

                    Orla de Santarém-PA.  Contradição dos circuitos económicos: o global e o local. Foto: R. Almeida 

Nesta época do ano, comentam os antigos, o normal seria ás aguas já terem recuado. O normal seria não ocorrer tanta chuva. Todavia, como tem chovido esses dias. Nas águas altas os antigos recomendam passeio na Floresta Encantada, bandas de Alter.  Réu confesso, anuncio, ainda não o fiz.

As aguas altas fazem as letras que nomeiam as embarcações flutuarem. Como se um balé fosse. Alaranjado horizonte, rosa, multicor de fim de tarde remete a uma explosão de luz. A fumaça dos churrasquinhos inebria os locais de embarque.  

Tudo anda muito estranho ultimamente. Estruturas de metal afrontam o rio. O afã da administração pública reside em organizar o espaço da orla a partir do tamanho das embarcações, onde conforme o tamanho de cada uma, é estipulado um local.  O que não existia antes.

Sejam as águas baixas ou altas, sempre que ocorre a lua cheia, o rio fica uma beleza. E, sempre que a lua alumeia o rio, é o melhor momento para pescar, o cultivar a terra, o universo de  encantados a zelar tudo ao redor. É sabença.   

As águas altas do rio enchem o meu peito de melancolia. Lavam, levam o teu retrato.  Enquanto o punhal da luz do sol  vaza oszoio. 

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