Mulheres são a linha de frente da narrativa sobre o Brasil rural
Caetano
já advogava: “Terra para o pé, firmeza. Terra para a mão, carícia”. O apego à
terra, os laços de solidariedade em meio a aridez do clima, da vida e das
diferentes formas de violências, a fé no que virá, a labuta extenuante sob o sol
inclemente, - quase em condição de escravidão -, o patriarcado, o poder do
coronel, a grilagem de terra, a luta sindical e o mundo dos encantados são
alguns dos elementos que integram a rotina da fazenda Água Negra, no sertão da
Bahia, onde é ambientado o romance de verve sociológica Torto Arado, obra com
as digitais do geógrafo baiano de traços afro indígena, Itamar Vieira Jr. Lançado pela Editora Todavia em 2018, celebrado
no exterior e no Brasil, encontra-se em sua 5ª reimpressão e coleciona algumas
comendas, entre elas, o Jabuti.
O
livro é um rio caudaloso de mulheres fortes. Bebiana, Belonisia, Miúda, Maria
Cabocla, Donana, Salu, Firmina, Domingas, Zezé, Lourdes e Maria Pesqueira estão
entre elas. A romaria de bravas mulheres
está na linha de frente da condução das famílias com rebentos a perder de
vista.
A
fieira de barrigudinhos desponta como mão de obra necessária para a geração de
riqueza para o patrão. Muita gente para pouco chão, numa relação contraditória
entre resignação e indignação, entrecortada por elementos religiosos e místicos
da cosmologia de matriz africana. A própria terra ressoa como mulher. Aquela
que amamenta os famintos com o que é possível dela colher.
Em
Água Negra, a gente é preta, em sua maioria, desprovida de letra. É gente filho
dos filhos de África, gente colocada em situação de subordinação, mas, que se
aquilomba em oposição à ética do patrão, à terra grilada, à humilhação.
Mas,
que tomba, de pobreza, de fome, de febre e de bala, como o personagem Severo,
executado a mando do ‘dono” da terra por pregar a insurreição na comunidade. O
direito à casa digna, o direito à terra do povo preto, o direito ao salário.
A
obra desnuda as raízes mais profundas sobre os elementos que conformaram/conformam
as estruturas de poder do país, este centrado na concentração da terra, está
cultivado a partir do braço escravo de negros e outros seres não negros, o
poder de oligarquias, a abusar de toda ordem de violências, onde consta o veto
à edificação de uma casa de alvenaria, a produção de meia (metade para a família
camponesa, metade para o patrão), o trabalhar até definhar.....
Ao
mesmo tempo o livro alumeia sobre a sabença popular, sobre o mundo dos encantados,
das lições dos mais velhos, a exemplo que é na lua crescente o momento mais adequado
para o cultivar a terra. Zeca Chapéu Grande, dirigente religioso, sabedor da
cultura das ervas faz ecoar estes saberes. É o cavalo dos encantados. A narrativa
preza pelo vocabulário local na medida certa.
Às
margens do rio Utinga, onde a pobreza desfila com desenvoltura, os sabugos do
milhos servem de bonecas para as meninas. Terra árida. Quem é das andanças pelos
mundos rurais do país, chora.
Eu quero conhecer o livro. Manda pra mim.
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