segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A encruza desenvolvimentista: Santarém, Altamira e Marabá

Santarém, Altamira e Marabá uma triangulação de conflitos 

A depender do clima, a viagem entre Santarém, oeste do Pará, à Marabá, sudeste do estado, toma aproximadamente 24h, o corre em sua maior parte ocorre pela desafiadora Transamazônica. A rodovia é uma criação do estado de exceção (1964-1985). A estrada que remodelou o processo de colonização na Amazônia, naturalizou a grilagem de terras e outros crimes.

Dos 1.200km, menos da metade possui asfalto. A primeira cidade é irrigada pelos rios Tapajós e o Amazonas, enquanto a segunda pelos rios Tocantins e o Araguaia. O oeste paraense é considerado de colonização antiga, enquanto o sudeste é avaliado como de colonização recente.

Altamira, irrigada pelo rio Xingu, encontra-se no meio do caminho. Lula e Dilma ali ergueram a hidroelétrica de Belo Monte. Um dos maiores crimes contra a diversidade social da região, em particular os povos indígenas.  

Neste trecho Dorothy foi executada, no município de Anapu.  Ele abriga um importante polo de cacau, Medicilândia, em particular. O município é uma referência ao ditador considerado o mais sanguinário, Emílio Garrastazu Médici. Os nomes de algumas cidades representam signos desta época. Brasil Novo é vizinha, enquanto Novo Progresso encontra-se noutro extremo.

Sobre a barragem, não faltaram alertas das ciências sobre a inviabilidade da obra. Um painel independente de especialistas o realizou.  O governo petista fez ouvido de mouco. E, assim, a obra abençoou a fortuna de velhacos políticos, a exemplo de Edson Lobão, um borra botas da família Sarney. O economista Delfim Neto, veterano da ditadura, serviu de consultor. Emaranhadas tramas.

A encruza entre as três cidades polo, Santarém, Altamira e Marabá é complexa.  Grandes projetos desde os anos 1960 remodelam o espaço desta triangulação.

Pelo fato em ter concentrado boa parte dos investimentos das políticas de desenvolvimento baseadas em polos de madeira, de pecuária, de energia e de mineração, o sudeste paraense igualmente aglutina toda ordem de mazelas resultante dos programas.

Nos anos de 1980 a hidroelétrica de Tucuruí foi erguida no rio Tocantins.  Demorada obra e beneficiar poucos. Apesar do estado ser um dos maiores produtores de energia, a população em geral paga uma das taxas mais abusivas do país. Preço de arrancar o rim.

Destacam-se nesta triste aquarela de perdas e danos elevados índices de desmatamento, record em trabalho escravo e a liderança em indicadores de assassinatos e chacinas de camponeses. Por conta de polo de gusa, abatedores e demais atividades, os rios Tocantins e Araguaia encontram-se em situação de calamidade.

Não raro um odor insuportável, em combinação com fumaça de queimadas toma a cidade de Marabá todo fim de tarde.  Com relação à rotina da fumaça das queimadas para o tratamento de pasto das fazendas, ela ocorre, também, sempre ao amanhecer do dia.

Nesta época do ano a Transamazônica é pura poeira.  O que se costuma nomear por terminal rodoviário, neste perímetro, em sua maioria, não passa de mero improviso. Lanches e refeições representam o possível.

Na estrada há três dias, um senhor branco, aparentando uns 60 anos, tem como destino a cidade de Ourilândia do Norte, no sul do Pará. Partiu da região de Sinop, Mato Grosso. Reconhecido território de grilagens de terras. O próprio nome da cidade é uma referência à uma empresa de colonização.

O operador de máquinas  pesadas tem como missão trabalhar em fazenda recém adquirida pelo patrão,  que segundo o senhor, tem como objetivo o cultivo de soja. Ourilândia é território de mineração da Vale, assentamentos da reforma agrária, indígenas Xikrin e pecuária. E, pelo que consta, agora, soja.

O operador de máquinas a todo instante indagava se já estava perto. Como uma ladainha, repetia a todos os interessados que estava na estrada há dois dias. Correu a BR 163, Cuiabá-Santarém, a rodovia da soja. O setor almeja consolidar o oeste do Pará como um corredor de exportação. 

A pedra fundamental foi a construção ao arrepio da lei do porto da Cargil, em Santarém, no início dos anos 2000.  Recentemente um conjunto de portos tomou o espaço do distrito de Miritituba, no município de Itaituba. Tanto num, quanto noutro, expropriar é regra.

Peões e meninas do trecho são facilmente identificados no busão. Ambos costumam viajar em grupo. As meninas exageram nos trajes e maquiagem. Saindo de Santarém no sentido à Altamira, ou o sentido contrário, Rurópolis costuma ser o ponto de descida. Trata-se da quebrada para se tomar outro veículo em direção à Itaituba e Moraes de Almeida. Região de garimpo.

Como diz a canção: o bagulho é doido e a chapa é quente. Exemplo é a garimpagem em terras do povo Munduruku em Jacareacanga, onde a FAB carregou bandidos para audiência com a pessoa que ocupa a cadeira de Ministro do Meio Ambiente. O avesso, do avesso, do avesso....

A turma do trecho não economiza em falas. Rememoram as tretas no derradeiro local de labuta. As aventuras e desventuras no jogo e no amor. Outro segmento são os peões de fazenda, estão sempre munidos de chapéus, botas e exagerados cintos ornados por grandes  fivelas.

Para uma pessoa paciente no exercício da escuta, a prosa não rareia. Um experimentado andante da rodovia, morador de quase todos os cantos onde era possível uma ocupação remunerada, declara: “ Agora andar por aqui tá uma beleza. Tá tudo ajeitado. Já fiquei aqui por uns dez dias. Era esse o tempo para se chegar à Marabá. Aí, o comércio aproveitava e metia a faca em nós. Tudo caro. ”

 Antigos e novos peões e meninas prosseguem na encruza no trecho, às vezes, em busca de dias menos doridos. Um lugar ao sol, nestas paragens, sempre inclemente, untado por fumaça de queimadas e poeira. 

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