Santarém, Altamira e Marabá uma triangulação de conflitos
A depender do clima, a viagem entre Santarém, oeste do Pará, à Marabá,
sudeste do estado, toma aproximadamente 24h, o corre em sua maior parte ocorre pela
desafiadora Transamazônica. A rodovia é uma criação do estado de exceção
(1964-1985). A estrada que remodelou o processo de colonização na Amazônia,
naturalizou a grilagem de terras e outros crimes.
Dos 1.200km, menos da metade possui asfalto. A primeira cidade é
irrigada pelos rios Tapajós e o Amazonas, enquanto a segunda pelos rios
Tocantins e o Araguaia. O oeste paraense é considerado de colonização antiga, enquanto
o sudeste é avaliado como de colonização recente.
Altamira, irrigada pelo rio Xingu, encontra-se no meio do caminho. Lula
e Dilma ali ergueram a hidroelétrica de Belo Monte. Um dos maiores crimes
contra a diversidade social da região, em particular os povos indígenas.
Neste trecho Dorothy foi executada, no município de Anapu. Ele abriga um importante polo de cacau,
Medicilândia, em particular. O município é uma referência ao ditador
considerado o mais sanguinário, Emílio Garrastazu Médici. Os nomes de algumas
cidades representam signos desta época. Brasil Novo é vizinha, enquanto Novo
Progresso encontra-se noutro extremo.
Sobre a barragem, não faltaram alertas das ciências sobre a
inviabilidade da obra. Um painel independente de especialistas o realizou. O governo petista fez ouvido de mouco. E,
assim, a obra abençoou a fortuna de velhacos políticos, a exemplo de Edson
Lobão, um borra botas da família Sarney. O economista Delfim Neto, veterano da
ditadura, serviu de consultor. Emaranhadas tramas.
A encruza entre as três cidades polo, Santarém, Altamira e Marabá é
complexa. Grandes projetos desde os anos
1960 remodelam o espaço desta triangulação.
Pelo fato em ter concentrado boa parte dos investimentos das políticas
de desenvolvimento baseadas em polos de madeira, de pecuária, de energia e de mineração,
o sudeste paraense igualmente aglutina toda ordem de mazelas resultante dos
programas.
Nos anos de 1980 a hidroelétrica de Tucuruí foi erguida no rio Tocantins. Demorada obra e beneficiar poucos. Apesar do
estado ser um dos maiores produtores de energia, a população em geral paga uma
das taxas mais abusivas do país. Preço de arrancar o rim.
Destacam-se nesta triste aquarela de perdas e danos elevados índices de
desmatamento, record em trabalho escravo e a liderança em indicadores de
assassinatos e chacinas de camponeses. Por conta de polo de gusa, abatedores e
demais atividades, os rios Tocantins e Araguaia encontram-se em situação de
calamidade.
Não raro um odor insuportável, em combinação com fumaça de queimadas
toma a cidade de Marabá todo fim de tarde.
Com relação à rotina da fumaça das queimadas para o tratamento de pasto
das fazendas, ela ocorre, também, sempre ao amanhecer do dia.
Nesta época do ano a Transamazônica é pura poeira. O que se costuma nomear por terminal
rodoviário, neste perímetro, em sua maioria, não passa de mero improviso.
Lanches e refeições representam o possível.
Na estrada há três dias, um senhor branco, aparentando uns 60 anos, tem
como destino a cidade de Ourilândia do Norte, no sul do Pará. Partiu da região
de Sinop, Mato Grosso. Reconhecido território de grilagens de terras. O próprio
nome da cidade é uma referência à uma empresa de colonização.
O operador de máquinas pesadas
tem como missão trabalhar em fazenda recém adquirida pelo patrão, que segundo o senhor, tem como objetivo o
cultivo de soja. Ourilândia é território de mineração da Vale, assentamentos da
reforma agrária, indígenas Xikrin e pecuária. E, pelo que consta, agora, soja.
O operador de máquinas a todo instante indagava se já estava perto. Como
uma ladainha, repetia a todos os interessados que estava na estrada há dois
dias. Correu a BR 163, Cuiabá-Santarém, a rodovia da soja. O setor almeja consolidar
o oeste do Pará como um corredor de exportação.
A pedra fundamental foi a construção ao arrepio da lei do porto da
Cargil, em Santarém, no início dos anos 2000.
Recentemente um conjunto de portos tomou o espaço do distrito de Miritituba,
no município de Itaituba. Tanto num, quanto noutro, expropriar é regra.
Peões e meninas do trecho são facilmente identificados no busão. Ambos costumam
viajar em grupo. As meninas exageram nos trajes e maquiagem. Saindo de Santarém
no sentido à Altamira, ou o sentido contrário, Rurópolis costuma ser o ponto de
descida. Trata-se da quebrada para se tomar outro veículo em direção à Itaituba
e Moraes de Almeida. Região de garimpo.
Como diz a canção: o bagulho é doido e a chapa é quente. Exemplo é a
garimpagem em terras do povo Munduruku em Jacareacanga, onde a FAB carregou
bandidos para audiência com a pessoa que ocupa a cadeira de Ministro do Meio
Ambiente. O avesso, do avesso, do avesso....
A turma do trecho não economiza em falas. Rememoram as tretas no
derradeiro local de labuta. As aventuras e desventuras no jogo e no amor. Outro
segmento são os peões de fazenda, estão sempre munidos de chapéus, botas e
exagerados cintos ornados por grandes fivelas.
Para uma pessoa paciente no exercício da escuta, a prosa não rareia. Um experimentado
andante da rodovia, morador de quase todos os cantos onde era possível uma
ocupação remunerada, declara: “ Agora andar por aqui tá uma beleza. Tá tudo
ajeitado. Já fiquei aqui por uns dez dias. Era esse o tempo para se chegar à
Marabá. Aí, o comércio aproveitava e metia a faca em nós. Tudo caro. ”
Antigos e novos peões e meninas prosseguem na encruza no trecho, às vezes, em busca de dias menos doridos. Um lugar ao sol, nestas paragens, sempre inclemente, untado por fumaça de queimadas e poeira.
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