As tensões nas aldeias do Povo Munduruku em Jacareacanga por conta da atividade de garimpeiros é uma das muitas situações de conflitos no Baixo Amazonas e vizinhança
Porto da Cargil - Santarém/PA
A Amazônia é dos
capítulos mais expressivos no pacote de morte e desastre que representa o
governo federal para o país, a despeito de um discurso patriota inclassificável,
que prima em celebrar o 4 de julho em embaixada estadunidense. Parada de
família.
No rosário de bizarrices,
a reunião do dia 22 de abril merece destaque, onde o discurso da pessoa que
ocupa a cadeira do Ministério do Ambiente é uma espécie de síntese sobre o
ponto de vista do governo sobre a região: “precisamos passar a boiada e revisar
as normativas enquanto a mídia só fala de pandemia”. Tem expertise para a missão, fez isso em São Paulo
para favorecer incorporadoras.
Mesmo antes de ter
vencido a eleição, o sinistro da República já havia declarado em alto e bom som
que indígenas e quilombolas não teriam vez em seu governo. A promessa tem sido
cumprida com louvor, e a bandeira do racismo, que evidencia o padrão
estruturante de poder na sociedade nacional, é hasteada no ponto mais elevado em
local de destaque no detrito federal.
Corte de recursos,
desautorização de ações de equipes de instituições do cordão de proteção aos
povos indígenas, quilombolas e outras categorias que fazem parte da sociodiversidade
da Amazônia, nomeação de pessoas desprovidas de qualificação para cargos estratégicos
– quando não militares – constam no alguidar de maldades, nas ações de ódio
contra o diferente.
A nomeação de gente do
quilate de Sérgio Camargo para a coordenação da Fundação Palmares – uma pessoa
que nega o racismo no país – noutro extremo um representante da milícia
ruralista - ex diretor da União Democrática Ruralista (UDR) - para dirigir assuntos
fundiários, Nabhan Garcia, são atos que representam a abertura da porteira para
toda ordem de abusos e de licença para matar. As nomeações representam no mínimo,
um desvio de função, que o diga o titular da pasta da Saúde, uma verdadeira
hecatombe.
No conjunto de abusos
vale sublinhar o “Dia do Fogo” organizado por ruralistas em Novo Progresso, e a
prisão de jovens brigadistas em Santarém, além da apreensão de equipamentos e
documentos da ONG Saúde e Alegria. Fatos ocorridos no Baixo Amazonas, prestes a
somar o primeiro ano.
Em dias recentes registra-se
ainda a sinalização em defesa de garimpos ilegais em terras indígenas, e a
indignação do Planalto pelos setores de fiscalização cumprirem a sua missão e atearem
fogo no maquinário ilegal.
No rosário de desgraças
tem-se ainda o crescimento exponencial dos indicadores de desmatamento, o
congelamento de reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, um
pacote de medidas revisionistas que asseguram parcamente tais territórios na Cf
de 1988.
Soma-se ainda ao triste
quadro da conjuntura atual, a demissão de pesquisadores do INPA, a elevação de assassinatos
contra indígenas, bem como incremento das situações de conflitos que mobiliza
um complexo xadrez de sujeitos, são alguns dos desdobramentos da opção
governista. Soma-se ao quadro um cenário de total esvaziamento de debates dos
fóruns sobre a Amazônia e de qualquer política que respeite as populações
locais, historicamente violentadas pelo poder do capital sobre os seus
territórios.
Neste verdadeiro campo
minado de territórios em conflitos, na cidade de Jacarecanga, no Baixo Amazonas
do Pará, no microcosmo do povo Munduruku, temos um espelho da complexidade das
disputas intra indígenas e a sociedade envolvente, onde constam garimpeiros,
grileiros de terras, ambientalistas, missionários neopentecostais e o Estado,
representado tanto pelo poder municipal, como a Funai, numa refrega sobre
garimpo que já contabiliza algumas décadas nos territórios indígena (TIs)
Munduruku e Sai Cinza.
O território que o grande
capital alcança, nele germina o conflito, assim como a expropriação, a divisão
da comunidade, o rompimento de laços de amizade, solidariedade, o ocaso de
ações comunais. Assim como em Jacareacanga, a realidade similar ocorreu/e em
Altamira, por conta da hidroelétrica de Belo Monte, e na região em Carajás por
conta da expansão da cadeia de mineração.
A criação de novos
aldeamentos por conta de disputas entre os indígenas por parcas compensações do
processo de expansão do capital é um dos fenômenos verificado em Altamira e em
Carajás. Tem-se ainda o alcoolismo dentre tantas mazelas resultante do processo
das tensões territoriais. No caso de
Jacareacanga, por conta do garimpo ilegal, provocou um racha entre os
indígenas.
O grupo contrário a presença garimpeira em território Munduruku em nota sobre as situações de tensões argumenta que, “O povo Munduruku não aceita o desmatamento na Amazônia, rios sujos jamais, choramos muito por perdas que são recentes, dois líderes que nos deixaram, o garimpo invadiu as nossas casas, o nosso lar de sobrevivência, trouxe a desunião, drogas que viciaram os nossos futuros jovens Munduruku, é difícil pescar e caçar devido ao aumento do garimpo em nossa região”.
A nota assinada pelas representações indígenas Movimento Munduruku Iperegayu em Ação, Associação das Mulheres Wakoborûn, Coiab e Apib, entre outras, resulta de uma medida tomada por um grupo de indígenas que foi a Brasília defender o garimpo em seu território, e atropelando as representações do povo Munduruku. A ação teve a acolhida do general Mourão, vice presidente, que tal a facção de indígenas garimpeiros, não reconhece as instâncias de organização da aldeia em Jacareacanga.
“A narrativa que o
governo tenta criar é que são os indígenas os interessados na liberação da
mineração em suas terras” reflete a antropóloga Luísa Molina. No entanto, para
além das interesses, existe um poderoso lobby de grandes corporações.
O Ministério Público
Federal (MPF) tem tentado atuar contra a ação dos garimpos ilegais em unidades
de conservação e em territórios indígenas, no entanto esbarra na omissão do
governo federal. Estima-se que a operação ilegal dos garimpos mobilize por ano
entre 4,5 a 5 bilhões. Leia o documento
AQUI
Arco
Norte – E, nada é tão ruim que possa ficar pior. Um conjunto de umas 33 unidades de
conservação, inúmeros territórios indígenas, outro tanto de territórios quilombolas,
várias modalidades de projetos de assentamentos da reforma agrária, que
conformam a representação territorial da região estão em xeque por conta da
agenda de desenvolvimento pautada a partir do Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento (ENIDs) sistematizados no projeto Arco Norte, com âncora num
projeto em escala continental do projeto Iniciativa de Integração de
Infraestrutura da América do Sul (IIRSA).
Como ocorrido nos anos de
1980, quando o Programa Grande Carajás reconfigurou as feições territoriais no
estado e outros vizinhos, o Arco Norte, deve encarnar ao equivalente no século XXI
a partir de um pacote de obras de infraestrutura, onde são consideradas
prioridades a construção de um modal de transporte (rodovia, hidrovia e
ferrovia), grandes e pequenas centrais hidroelétricas, complexos portuários,
estações de transbordo com vistas a dinamizar corredores de circulações de
commodities, grãos e minério em particular.
O caso de Jacareacanga
não deve analisado de forma isolada. Ele faz parte de pacote que semeia
situações de conflitos em vários territórios da região. Em Santarém, na
comunidade de Lago Grande, a Alcoa almeja minerar, ainda no município o capital
corrompeu o legislativo e executivo no processo de revisão do Plano Diretor da
cidade, e ao contrário da decisão da assembleia do processo de revisão do plano,
os poderes votaram pela construção de um complexo portuário na área de várzea
do Lago do Maicá.
Ainda em Santarém é
sabido e conhecido de todos a exploração ilegal de madeira na região do rio
Arapiuns, a mesma “tradição” ocorre na rodovia Transuruará, que liga Uruará a
Santarém. A rodovia é uma verdadeira
Disneylândia da exploração ilegal de madeira.
A mesma ação do capital
em processo de revisão do plano diretor já havia ocorrido no município de Itaituba,
onde as grandes corporações revisaram o plano diretor a partir da angulação de
seus interesses, e assim, converteram espaços não mercantilizados ao sistema da
economia mundial.
No município vizinho a
Santarém, em Rurópolis, pretende-se a construção além de estações de transbordo
da cadeia do escoamento do grão produzido no Brasil Central, planeja-se a
edificação de um conjunto de Pequenas Centrais Hidroelétrica (PCHs). A opção
por PCHs representa uma estratégia em driblar o processo de licenciamento
ambiental.
Situação equivalente
marca os dias das populações tradicionais em Oriximiná, cidade fortemente
marcada pela presença de remanescentes de quilombos, e que desde os anos 1980
convive com as chagas da mineração, e nos dias atuais, vive sob a ameaça da
expansão da atividade e da construção de hidroelétricas.
O Baixo Amazonas,
acredito, por conta deste mal traçado cenário de tensões aqui esboçado, pode
materializar o que foi a região de Carajás anos de 1980, um campo minado de
situações de conflitos, pilhagem, execuções de dirigentes, assessores,
simpatizantes e pesquisadores.
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