quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Luta pela terra no Pará: mataram mais um, até quando?


No mês que soma mais um ano da execução da irmã Dorothy, execuções de dirigentes continuam a assombrar o Pará



“Mais um” é a expressão mais recorrente quando se anuncia a execução de pessoas envolvidas na luta pela terra ou pelejas semelhantes (meio ambiente, direitos humanos, moradia, etc).

O fato se repetiu quando do anuncio do assassinato do dirigente sindical Raimundo Paulino Silva, “Paulinho do PT”, morto com um tiro na cabeça na manhã de momo do dia 22, no município de Ourilândia do Norte, sudeste do Pará. 

Paulinho animava ocupações de terras griladas, era ligado à Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri), chegou a ser eleito vereador pelo PT. Ele liderou a ocupação da fazenda 1.200, que registra pelo menos três mortos.

No processo de luta pela terra na região, no início dos anos 2000, os movimentos sociais do campo conseguiram furar o cerco político e eleger inúmeros vereadores, vice-prefeitos e mesmo prefeitos na região.

Naquele momento, os movimentos sociais do campo da região conseguiam mobilizar até 20 mil pessoas em frente a sede do INCRA, com sede em Marabá.

Este fato ladeado pela ocupação de assentos em vários conselhos e a presença nos debates em universidades é avaliado como extremamente representativo no ambiente da frágil democracia nacional, onde o setor rural concentra amplos poderes, ainda mais na conjuntura atual, marcada pelo obscurantismo de toda ordem.

Sul e sudeste do Pará - A região é célebre em assassinatos de dirigentes, assessores e afins envolvidos na luta pela terra, meio ambiente e direitos humanos. Ela é considerada como a que mais mata pessoas no país nesta modalidade de conflito.

A coerção privada e pública é um dos elementos que integram o processo de violência estrutural que historicamente marca a expansão da fronteira do capital sobre as terras da Amazônia. O marco histórico é a instalação da ditadura civil-militar, que cimentou a integração subordinada da região a partir das rodovias, o acesso a terras e as riquezas da região.

O sul e sudeste do Pará representam uma fronteira agromineral.  O estado de exceção incentivou a pecuária extensiva, a geração de energia (hidroelétrica de Tucuruí) e a mineração. Em disputa temos tanto a terra, quanto o subsolo.  O que torna mais complexa as situações de conflito, que além de camponeses, envolve indígenas. 

Ourilãndia (autoexplicativo) materializa este contexto. A região abriga tanto empreendimentos do campo mineral, quanto grilagens de terras, expansão da soja e concentra o maior rebanho de gado país, no município de São Felix do Xingu. Concomitantemente, onde mais se desmata na Amazônia.  

Soma-se ao cenário a fragilidade no processo de investigação, quando o mesmo chega a ser instaurado, a morosidade/parcialidade na Justiça e a limitada cobertura midiática, para não falar de deturpada.

Os representantes dos movimentos sociais tendem a realçar nesses casos o caráter seletivo nas execuções, onde os/as dirigentes mais articulados passam a ser o alvo por excelência de grileiros e latifundiários.  

Para citar um caso, lembremos a execução de José Dutra da Costa (Dezinho), assassinado em Rondon do Pará, na porta da própria casa, em 2000.  

Isto tudo motivado pela máxima da impunidade que impera como regra nestes casos. Os indicadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) retratam bem o ambiente. Vale realçar os crimes contra o povo Guajajara, o povo Guarani kaiowa, bem como as ameaças contra quilombolas em todo o território nacional. 

A expressão “mais um” externaliza a naturalização/banalização dos crimes que amiúde se reeditam em terras do Pará. Às vezes, mesmo entre dirigentes e apoiadores das lutas populares no campo amazônico ela escapa de forma involuntária, acompanhada de um “até quando?”.  

Rogerio Almeida acabou de lançar o livro Amazônia (s): pequenas inflexões sobre grandes abacaxis. A obra pode ser baixa gratuitamente.

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