Dia e noite é possível
ouvir o apito do trem da Vale em qualquer um dos núcleos urbanos do município
de Marabá, sudeste do Pará. Os rios Itacaiúnas e Tocantins serpenteiam a cidade
que desejava ser a capital do estado de Carajás. É tempo de cheia. As baixadas sofrem
com a subida dos rios.
No bairro Coca Cola,
localizado no km07 da cidade, por ficar mais próximo da Estrada de Ferro de
Carajás (EFC) é um dos mais impactados. Paredes de casas estão rachadas, a
poeira e fuligem de minério não cessam, e o ruído provoca estresse entre os
moradores.
Até alcançar o porto do
Itaqui, em São Luís, Maranhão, o maior trem do mundo percorre perto 892 quilômetros
desde Parauapebas, no Pará. O trem que possui 330 vagões, mede perto de 3.500
metros, e tem a capacidade de transportar 40 mil toneladas. Faz três décadas
que os estados do Maranhão e Pará socializam todos os tipos de passivos
provocados pelo extrativismo de minérios das terras dos Carajás, em particular
o do ferro.
Trata-se de uma
economia baseado em enclave, explicam especialistas no assunto, onde cabe ao Pará
o papel de mero exportador de commodities. Em resumo, não gera riqueza onde
opera. Os péssimos indicadores sociais em todos os gêneros servem como um
espelho do processo de saque das riquezas locais.
Os números sobre
saneamento, educação, saúde, desmatamento, violência de todas as ordens- física
e simbólica – contra as populações locais, com ênfase aos camponeses e condição
de vulnerabilidade de crianças e adolescentes não dialogam com a riqueza gerada.
A cada balanço apresentado,
apesar da oscilação do mercado internacional há seis anos, a empresa registra
novo recorde. Em 2014 encerrou com 319,2 milhões de toneladas de produção de
minério de ferro.
O aumento foi da ordem de
6,5 por cento em relação ao ano de 2103.A meta era crescer 4 por cento,
conforme relatório da empresa. O mercado asiático tem sido o destino do minério
de ferro de excelente teor das terras dos Carajás, em particular a China e o
Japão. E tudo pode aumentar com o incremento que ocorre em Carajás.
Até
2016 a mina de ferro da Serra Sul, ou S11D, deve iniciar a produção em Canaã
dos Carajás fronteira com o município de Parauapebas. O mesmo equivale ou
possui proporção maior a exploração do minério de ferro iniciada na década de
1980, na Serra Norte. Com o projeto a mineradora irá aumentar a produção de
ferro em 90 milhões de toneladas por ano, mas com capacidade de dobrar a
produção.
A
iniciativa que inclui mina, duplicação da Estrada de Ferro de Carajás (EFC),
ramal ferroviário de 100km e porto está orçada em US$ 19,5 bilhões. Projetos desta
envergadura tendem a reorganizar todo o território em sua área de abrangência,
desde a mina até o porto, e provoca tensões em áreas de projetos de
assentamentos da reforma agrária, áreas de remanescentes de quilombos, reservas
indígenas, além de unidades de conservação ambiental.
Economia extrativa
Dados
compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá indicam que o extrativismo
mineral no Pará é o principal item da balança comercial do estado, e contribui
com 90% do Produto Interno Bruto (PIB). O mesmo minério que pesa no PIB é responsável
por uma renúncia fiscal de R$ 9 bilhões por ano por conta da Lei Kandir (lei
complementar federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996),
que desonera as empresas em recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e
Serviço (ICMS) dos produtos primários e semielaborados.
A
desoneração em R$9 bilhões se aproxima do orçamento total do estado para o ano
de 2013, estimado em R$ 13 bilhões, assim explica a dissertação de mestrado em
Direito de Victor Souza. Análises de Lúcio Flávio Pinto sinalizam que entre
1997 a 2001, a Vale contribuiu para o erário com menos de R$ 6 milhões em
impostos sobre minério de ferro exportado, o principal item da pauta de
exportação do Pará e do Brasil.
A
Lei Kandir começa a valer no mesmo ano em que a CVRD é privatizada, crava o
relatório da CPT. É neste cenário que ocorreu na tarde de hoje mais um capítulo
sobre a vulnerabilidade de crianças e adolescentes.
Menino do trem de Marabá
Fazia calor na tarde de
hoje,25, quando do início dos trabalhos da audiência pública na nova sede do
legislativo marabaense, localizado na rodovia federal Transamazônica. O emblema
da agenda da integração econômica foi fomentada pelo regime militar no século
passado. Trata-se de um marco da intervenção estatal na Amazônia, que ganhou musculatura
com a implantação do Programa Grande Carajás, na década de 1980.
A Promotoria de Justiça
da Infância e Juventude de Marabá, ligado ao Ministério Público do Pará (MPE)
promoveu a oitiva para se refletir sobre o fenômeno Meninos do trem. A ação pública contra a companhia é da responsabilidade
da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Luís. O assunto é
tema de um processo administrativo (PA 116/2005 – 1ª PIJ) em tramitação na
promotoria, cujo titular é o promotor de Justiça Márcio Thadeu Silva Marques.
O
assunto não é novo e não se constitui como problema isolado relacionado à
infância e à adolescência no empreendimento da mineradora. É comum nas estações
em que os trens de passageiros param encontrar crianças comercializando água,
comida, frutas e outros produtos para os passageiros da classe econômica. Tem-se
registro ainda de prostituição nos trechos de ampliação da EFC desde 2011.
Avaliação do plano de
segurança da Vale com relação ao tema foi a questão central da reunião que contou
com representantes dos MPEs dos estados do Maranhão e Pará, Defensoria Federal
do Maranhão e conselheiros tutelares dos dois estados dos municípios impactados
pela ferrovia, e edis de Marabá.
O engenheiro canadense
James Bertrand, perito contratado pelo Ministério Público do Maranhão
apresentou relatório sobre o assunto na EFC, sublinhando os pontos mais
delicados de vulnerabilidade, ou hotpoint, como reza o vocabulário técnico. Lilian
Freire, promotora de Marabá presidiu a audiência.
A Vale, que já foi
denunciada por manter serviço de espionagem contra defensores de direitos
humanos e ambientalistas tentou impedir a realização da oitiva a partir de liminar.
Apesar da estratégia jurídica
em abortar a audiência, parte do staff da mineradora relacionada com o assunto
compareceu, entre eles, representantes do setor de direitos humanos, da
Fundação Vale e consultores que apresentaram diagnóstico e ações do plano de
segurança para evitar a viagem clandestina de crianças e adolescente nos trens.
A medida resulta de uma indicação da audiência ocorrida em São Luís, em 2012.
O doutor Antônio
Brasiliano, representante da consultoria que leva o seu sobrenome, contratado
pela Vale, em tom cheio de empáfia antes de apresentar dados, desfilou um
rosário sobre o próprio currículo. Em mais de um slide carregou em logomarcas
de empresas públicas e privadas para quem presta serviços. Pegou mal.
Em diagnostico sobre a
situação, socializou com a família, evasão escolar, a limitação das ações de políticas
públicas a responsabilidade do fenômeno. Ele alega que a partir de 2007 tem
ocorrido o declínio da presença clandestina de crianças, que equivocadamente
tratou como menor.
Conforme ele, a média
que chegava à casa de 200 crianças e adolescentes em 2007 despencou para 20. Aumentar
a vigilância eletrônica em pontos considerados críticos foi um dos indicativos
do técnico. A diretora da Fundação Vale apresentou algumas ações sociais desenvolvidas
na região. Medidas consideradas mera perfumaria pelo defensor público da União,
Yuri Pereira Costa.
Uma tradutora colaborou
para a apresentação do perito Bertrand, que ironizou a soberba de Brasiliano. O
canadense iniciou a apresentação ressaltando a má vontade da Vale em não
facilitar o acesso a documentos e relatórios que pudessem embasar a sua investigação.
A maioria dos textos em português foi outro limitador.
Sobre o relatório da Vale,
Bertrand sublinha que existem mais pontos sobre os riscos que correm as
máquinas que passagens que ressaltem a dimensão humana do problema. Em alguns
trechos do documento da Vale ele não encontra indicadores sobre acidentes e atropelamentos
na EFC. Enfatiza ainda que a empresa não menciona que a mineradora se desobriga
em financiar o deslocamento das crianças e adolescentes para os locais de
origem.
Ao ressaltar elementos técnicos
da rotina de operação da EFC pontuou sobre a baixa velocidade dos trens e o
elevado números de pontos de paralisação\paradas, além de pontes de mão de
única. Melhorar a monitoração eletrônica e edificar torres de observação em
pontos críticos foram algumas medidas aventadas na tentativa de se equacionar o
fenômeno, que ele não acredita que terá solução por conta da agenda de expansão e da ausência de vontade
política do empreendedor.
Sobraram críticas
contra a Vale quando da abertura para a manifestação da plenária. De edis a
conselheiros tutelares ocorreu manifestação contra o autoritarismo e indiferença
da empresa com relação à região onde ela opera.
Os vereadores Toinha e
Ronaldo Iara sublinharam a qualidade do debate, e alfinetaram que a empresa
apenas engana a população local. Trocar informações
sobre a mesma situação nos estados de Minas Gerais e Espirito Santo, onde a Vale
opera foi uma das medidas encaminhadas pela mesa da audiência.
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