Mamede de Oliveira foi assassinado no dia 23, na região metropolitana de Belém
Raimundo Gomes da Cruz Neto
Hoje, às 10 horas, nos despedimos de mais um grande
companheiro das nossas fileiras de lutas pela verdadeira reforma agrária e pela
transformação da sociedade. Foi enterrado o corpo de Mamede Gomes de Oliveira, assassinado
brutalmente na manhã do dia 23 de dezembro. O assassinato ocorreu no seu lote,
a 200 metros de sua casa, no Projeto de Assentamento Mártires de Abril,
município de Mosqueiro, Estado do Pará.
O assassino é casado com a filha de um também
assentado, que não residia no Projeto de Assentamento, já foi identificado e
preso mas, até o momento não revelou qual a sua motivação ou interesse para
tirar a vida de Mamede, com o disparo de dois tiros fatais sem que a vitima
pudesse se defender.
Para nós foi uma perda imensurável, por se tratar
não apenas de um assentado, como deverá ser divulgado pela imprensa medíocre
deste país, mas por tratar de um exemplar de homem que viveu para construção de
uma humanidade, que ainda está por ser construída por todos (as) aqueles(as)
que não se cansam e nem se entregam diante das barreiras impostas.
Mamede tinha 57 anos muito bem vividos como fazem
todos (as) que desde cedo encaram o desafio de construir o próprio destino.
Nasceu no Estado do Piauí, viveu sua juventude até adulto no Estado do
Maranhão, no município de Pedreiras, no final da década de 1980 veio para o
Pará, trajetória de muitos nordestinos, em busca da terra prometida.
Foi no ano de 1999 que militantes do MST e Mamede
tiveram o grande prazer de se encontrarem, nas mobilizações realizadas na
cidade de Ananindeua, área metropolitana de Belém do Pará, para ocupação dos
latifúndios naquela região. Nesta época Mamede militava na Comunidade Eclesial
de Base (CEB), com a experiência trazida do Maranhão. Experiência desenvolvida
para enfrentar a opressão imposta pelas famílias latifundiárias, corruptas e
assassinas daquele Estado, dentre elas a de José Sarney.
Com a luta organizada as famílias de trabalhadores conquistaram
uma área de terra no município de Mosqueiro, que depois as famílias e o
movimento fizeram ser criado um projeto de assentamento, pelo INCRA, o Projeto
de Assentamento Mártires de Abril, em memória ao massacre de 17 de abril de
1996, na Curva do S, no município de Eldorado de Carajás, contra militantes do
MST, realizado pela policia do Estado, quando governador Almir Gabriel.
Ali no assentamento Mamede se realizava e construía
experiências e ensinamentos para companheiros (as) e para o mundo. Junto com sua
esposa D.Téo passaram a se dedicar em um
grande projeto que viesse apontar para a transformação da sociedade. Homem
culto, não abonava suas leituras dos
revolucionários, de Marx, os marxistas, ao poeta Maiakóvski.
Pelo seu afinado conhecimento e forma de lhe dar
com as pessoas desempenhou importante papel como comunicador, educador e
dirigente do movimento, sem nunca se propor a abandonar a luta e deixar de
enfrentar as grandes dificuldades que se apresentavam no dia a dia.
A sua dedicação maior, sem desprezar a militância,
a educação e acultura, mas fazendo destas uma interação necessária e
produtiva, foi com a agroecologia. Seu
lote era um exemplo de diversificação de cultivos de plantas para fins
medicinais, ornamentais e para produção de alimentos, e a criação de pequenos
animais. Dedicação na transformação de plantas em produtos de uso medicinal e
alimentício.
Mas como para a crueldade não há defesa e precaução
suficiente par evitá-la quando ela nos ronda permanentemente,em um momento de
vivência e dedicação com seu a fazer, Mamede foi covardemente assassinado quando
reparava a situação de umas colméias.
Portanto, não foi só o MST, mas sim o mundo que
perdeu, na flor da idade, um grande exemplar de homem educador, comunicador,
dirigente, defensor e praticante da agroecologia, que acreditava na
transformação da sociedade, com a destruição do capitalismo a partir de acúmulos de fundamentações teóricas pelos
indivíduos mas também necessariamente com a prática.
Lamentamos profundamente que a barbárie se alastra
pelo mundo sem que nossas forças sejam suficientes para barrá-la. Lamentamos
profundamente que diante da situação muitos(as) valiosos(as) lutadores(as) do
povo se deixem levar pelos imbróglios da conjuntura política retrógrada e
alienante que impera no país. Lamentamos profundamente pela perda de mais um comunista.
Como foi na casa de Mamede, quando da participação
de um encontro estadual do MST, que tomei conhecimento do poeta russo
Maiakóvski, em memória vou citar um dos poemas que de imediato me chamou a
atenção:
E então que
quereis?...
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também porque razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
haveremos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.
Mamede.
Presente!
Até a vitória sempre!
Marabá, 25 de dezembro de 2012.
Raimundo Gomes da Cruz Neto
Educador Popular CEPASP-Marabá