quarta-feira, 13 de julho de 2022

Ao pôr do sol no Baixo Amazonas

 


Fim de tarde. Tempo de sol. Calor inclemente. O rio resiste em não recuar. O céu lembra delírios de Van Gogh. Uma explosão de cores.  Tons sobre tons. Uma garça aqui. Outra ali. Urubu abunda por todos os flancos.  O urubu é o cão vira lata da cidade. Em todo canto assalta lixos e lixeiras. 

O Legislativo local deveria conceder ao bicho alguma honraria ou comenda, tão onipresente ele é na urbe. Santarém, cidade carniça. Cidade esgoto. É a pior em saneamento básico do país. Santarém, te quero bem.

Beira de riomar.  Dias estivais. Braçais fazem grana. Brisa para pés inchados. Vez em quando um pato selvagem faz a colheita nos rios. E mesmo botos dão o ar da graça. Nesta época do ano morcegos brincam em vertiginosos rasantes sobre os rios Tapajós e Amazonas, tão bem versejados na obra de Benedicto Monteiro. Morcego topgun.  

À primeira vista os morcegos soam andorinhas. Ledo engano. Morcegos vampirizam orçamento público. Nada de engano. Barra de ouro. Orações sem educação.  Frações de classe. Frações de gente de quinta.  Pátria. Patrimonialismo. Lima Barreto cravou logo cedo. Os Bruzundangas que o diga. Tá uma barra a vida por aqui. Arriscoso. Belicoso.

A orla é a joia da cidade. Fluxos e refluxos de circuitos equidistantes concorrem. Balsas de sojas. Barcos com gentes de todos os cantos. Em todo canto aqui tem gente. Indígena região.  A pilhagem insiste. Aos nativos, resta r-existir. Faz mais de 500 anos que os povos indígenas o fazem. Cabanagem. Eles indicam a contramão da destruição.

A orla é magnética. Famílias afrontam a cidadela com as suas cadeiras de praia. Cadeiras de beira de rio. Cadeiras leves. Alguns carregam tralhas de pesca. Bebidas, comidas e cães. Faça chuva ou faça sol, há sempre alguém a pescar. Uns por esporte. Outros por necessidade de proteína. A fome tomou a cidade. A fome tomou o país. Milícias. Digitais em mortes. Planalto Central.

Uma frondosa palafita abriga espaço para o vasto e diversificado artesanato. Parada para gente de além riomar. Palafita é tecnologia da arquitetura local. Sabença ancestral em selecionar a madeira mais apropriada e durável. Um luxo na encruza.

É milenar o saber. Tão significativo quanto o asiático. Parada de beira de rio. Civilização da várzea. Vanguarda.  Santarém, buracos a consomem tal um câncer. Santarém, coroa, te quero bem.

À frente da palafita, que também é restaurante, uma tela de led jorra anúncios sobre transeuntes. Estranhos tempos selvagens.

A fauna da orla não é exótica. Exceto as pessoas dedicadas ao culto ao corpo. Raro ver alguém armado com um livro na mão. Ambulantes defendem um troco com negócios da China. Venda de brinquedos e diferentes balões. Badulaques. Dia desses ainda pego um para Docinho. Um desses cheios de luizinhas. Como se fossem vagalumes em cela.

Um imigrante negro vende raspa-raspa. Uma mistura de suco com gelo. Os herdeiros de Woodstock também estão por ali. Principais alvos dos “puliça”. Selvagem mundo. Estranho mundo. Se o meu nome não fosse Rogerio, seria Raimundo. Moribundo. Mulambo de gente.

 

Labirintos. Becos, furos, igapós e vicinais. Encantada floresta. Reentrâncias em mim. Léguas e léguas. Mata, água, rio e medo.  Perdido. Aqui, ali e acolá. Desprovido de óculos e lamparina. Visagem. Reles mote de estórias de cantoria de cego em festa de cangaceiro. 


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