Prosa de feira não requer pressa. Exige paciência no ouvir as sabenças dos mais velhos. Os desaperreados em mundo marcado pela agonia do tempo ligeiro. Papo de feira é samba miudinho. Riscado com os pés no chão. Rosto coladinho. É o perder das horas. É o achar do riso do causo contado com a mais profunda convicção de fato testemunhado.
Ainda que inventado, vale
a versão derradeira. Remodelado pelo passar de boca em boca em outras feiras,
mastigado em puteiros de currutelas, assobiado em bares desprovidos de
estrelas, botequins sem tramelas.
Sob um calor de uns 40º,
na feira da 28, em Marabá, um conviva mandou a letra sobre macacos com malária.
Tudo sucedeu nos anos de 1980. O pai do cabra operava na frente de desmatamento,
técnica batizada por especialistas como supressão vegetal. Um mimo.
“No some home os macacos
tremiam de tanta febre que não conseguiam trepar nas árvores”, conta ele, que
estufava o peito coberto pela camisa do Paysandu, que acabara de levar uma
peia do Remo, 3x2, placar final.
Tempo de floresta. Tempo
de onça. Some home era uma denominação dada ao local onde era comum a presença
delas. Mas, também, local de execução de castanheiros que operaram na floresta
para oligarquias locais na coleta de frutos.
O trecho nos anos de 1980
era bem agitado. Garimpo de Serra de Pelada, edificação da barragem de Tucuruí,
ferrovia de Carajás, siderúrgicas, carvoarias. O comum era o peão correr em
várias frentes. Obras, fazendas, garimpos, pistolagem, alguns filiados na luta
pela terra.
Um dos proseadores é
natural das Gerais. Fez boa parte deste percurso labiríntico de sobrevivência na
fronteira distante. Correu Tucuruí. Sabe das tramas da Rua do Escorre Água, das
malárias e cloroquina, do DDT, de nuvens de carapanã, dos servidores da Sucam.
Ainda hoje um causo é
rememorado. Segundo a lenda, nestes dias, quando alguém com camisa com botões
aportava na cidade, os macacos acometidos por malária pulavam sobre o visitante
à caça dos botões calculando que era comprimido de cloroquina.
Áridos anos de1980. O desmatamento
fazia festa. A ordem residia nesta prática. O civilizar assim era entendido. E,
a partir de tal angulação, a floresta cedeu lugar aos bois, às rodovias, às
hidroelétricas, à ferrovia, às fazendas, às siderúrgicas e às mineradoras. Coisa capital.
Perdi o pai de malária no
trecho de Ourilândia, Tucumã, conta um dos senhores. Naqueles tempos a
viagem durava dias. Tudo era mato. Bagulhos puxados pelas tropas de burros. A malária arrebenta o fígado. O peão é
obrigado a ficar sem tomar álcool. Desprovido de álcool na fronteira é provação divina.
O pai do rapaz foi desmatar
para projeto de mineração. Onça Puma.
Hoje, sob controle da Vale. Parada de níquel a expropriar camponeses e
indígenas. A treta tá na justiça.
O estranho se fez
presente em terra de ancestrais indígenas. Gavião, Xikrin, Kayapó, Parakanã e
Suruí cantavam aos deuses pela terra que um dia abrigou mognos e castanheiras.
A mata sucumbiu devorada
pela gula do grande capital com endosso federal. Com as matas, vão-se as
lendas, os encantados, a sabença ancestral. Os meninos de hoje desconhecem as
mandingas do curupira, do boi tatá, da cobra Norato e da mãe d’água. Menos ainda
sabem de causos.
Patentes, coturnos e
gandolas era a “ordem’ do dia. Ao espiar os diários eletrônicos atuais, tudo
soa como uma grande ironia.
Domingo. Dia de feira.
Pamonha. Milho verde. Prosa. Cerveja. Bunda de mulata. Muque de peão.
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