A solidariedade e o
companheirismo serviram como guia. Riram e choraram juntas. Festejaram, tomaram
umas, cozinharam e compartilharam a comida juntas. Às crianças não era
permitido ficar perto da cozinha no momento do preparo do rango.
Aos domingos o porco era
sagrado. Quando faziam vatapás e carurus, ou outras iguarias de macumba,
aquelas que demandavam quiabo, lembro que ficava à espreita para comer as
sementes. Hábito que perdurou por longo tempo. Quiabo é iguaria de Xangô. Somente agora compreendo a relação. sempre considerei aquela semente saborosa.
Elas sempre se irmanaram.
Delza e Maria são irmãs de sangue. As demais são primas. No entanto, era como se irmãs fossem desde
sempre. Mulheres unidas pela condição de independência. Rebarbadas, diriam os machistas. Todas com filhos, ocupando
postos de trabalho, a enfrentarem toda ordem de barreiras e preconceitos. Obstáculos de todos as formas, em todos os
cantos. Na rua, no local de trabalho, na Igreja, etc.
Socorro era professora de
Português. Militou nas redes públicas do município, do estado e no Colégio
Universitário da UFMA. Trabalhava em
todos os horários para criar três rebentos. Dois meninos e uma menina:
Leopoldo, Janilson e Neta. Morava no Planalto Pingão. Depois vieram os
netos, em seguida bisnetos.
A gente se virava na fronteira da Camboa/Centro, rua da Viração, no perímetro da Silva Jardim e a Celso Magalhães. Pertinho da Caema. Visitar a tia/avó Edinete no Planalto representava uma aventura. Preparo de uma semana. O cheiro do combustível do busão provocava enjoo.
Edinete devotava uma
cerva. Era enfermeira de um hospital do Bairro de Fátima. Quebrada de festa.
Creio que era no Hospital de nome Riod.
Edinete era a mãe de Socorro.
A extensa jornada de
trabalho causou na tia problemas de audição. Horas a fio em sala de aula. O problema fazia com que ela sempre falasse como se em sala de aula estivesse. Educar é puxado. Uma educadora do tempo do giz de louça, nada recomendável para um pessoa afetada por asma.
A tia sempre dizia que eu não poderia contrair matrimônio sem antes ajudar mainha. Sempre mandava a letra: “a
sua mãe, assim como as outras, sempre trabalharam muito para criar vocês. Antes
de qualquer coisa tens de ajudar a sua mãe. ”
Decepciono. Nunca tive o
suficiente para retribuir como deveria todo o penar de uma mãe solo em plena
década de 70. Elas passaram pela ditadura, hiperinflação e recessões.
Não lembro do
envolvimento de nenhuma delas na política partidária. Mainha sempre contava as
histórias de Maria Aragão e de William Moreira Lima. Rememorava as perseguições
da “puliça”, as prisões. Ambos eram médicos e militantes do Partido Comunista. Vez em quando falava do poeta Ferreira Gullar e da família dele. O clássico Poema Sujo imortalizou a quebrada onde fui criado. Gullar nasceu na Viração.
O matriarcado definha.
Graça partiu de forma precoce. Creio que com menos de 50 anos. Já tem tempo. Eu não morava mais em São Luís. Em seguida partiu Roselys. Era
elegante. Uma negra esguia. Fala mansa. Era crente. A única da tropa. Mas, não
chata. Era desprovida da missão em converter os parentes. Sempre a rir dos impropérios de Maria, a mais desbocada, mãe de cinco filhos.
Do matriarcado original,
sem citar as outras tantas tias postiças, restavam Delza, Maria e Socorro. Era
comum elas comungarem um rango, uma cerva, risadas, dores de barriga,
descaminhos de filhos e netos, amores e desamores, lembranças de quando
jovens, aventuras do Centro da cidade, do Anjo da Guarda, do bairro Fátima e do Anil. .
Socorro
partiu hoje. Era a que mais frequentava o hospital. Inúmeras cirurgias no front de
batalha. A beirar os 90, restam Maria e Delza. A teimar. A enfrentar uma
pandemia presas em casa. Separadas, não
por bira, que nessa idade....ohhhh
Ah, Valter, o tio de sangue é o bendito fruto neste time da pesada de mulheres.
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