segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Maranhão - as vísceras do sertão


O Maranhão é o principal estado exportador de mão de obra escrava. No sul do estado grandes corporações como Bunge e Cargil hegemonizam o cultivo da monocultura da soja. A mesma região registra os maiores índices de desmatamento no estado e imensas fazendas controladas por sulistas em parceria com a família Sarney.

Açailândia e Balsas estão entre os municípios que mais desmatam no Maranhão, informam os dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Respectivamente os municípios estão no oeste e sul do estado, região de pré-Amazônia, onde incide o bioma Cerrado.

O primeiro município abriga um pólo de produção de ferro gusa; já o segundo um pólo de produção de soja. Ambos os empreendimentos gozaram de generosos incentivos fiscais do governo para a instalação.

No mundo erguido pelos grandes projetos, intensivos no uso dos recursos naturais, o rastro de passivos serpenteia na paisagem marcada do cerrado. A região que abroga várias nascentes de rios virou um solo onde germinam a degradação ambiental, a prática do trabalho escravo e a prostituição de crianças.

Antonio Gomes de Moraes, conhecido como “Criolo” é militante da Comissão Pastoral (CPT) de Balsas, sul do Maranhão e integra a frente de defesa do bioma Cerrado na região. Ele pinça um pouco do vasto mundo do sertão do Maranhão, o estado que exporta mais de 40% de toda mão de obra escrava liberta em do país.

Foto: R. Almeida- Antonio Gomes










FURO - Qual a área de atuação da diocese?

Antonio Gomes (AG)- Temos aqui na diocese de Balsas 18 municípios (Balsas, Mirador, Alto Parnaíba, Riachão, Feira Nova, Fortaleza dos Nogueiras, São Raimundo das Mangabeiras, Loreto, Benedito Leite, São Domingos do Azeitão, Nova Iorque, Sucupira do Norte, Fortaleza dos Nogueiras, São Félix de Balsas, Nova Colina, Tasso Fragoso, Sambaíba e Pastos Bons). Mas, o total abrange cerca de 28 cidades, limitando com os estados do Tocantins e Piauí, para onde se alastra a fronteira agrícola da soja.

FURO - Como se configura o cenário aqui na região sul do Maranhão?

AG - Os grandes projetos aqui na região, baseados na monocultura da soja, cana e as carvoarias configuram como os grandes desestabilizadores do mundo rural. A história começou aqui no fim de 1970, com a presença dos sulistas para o cultivo da soja. Depois vieram os paulistas e por último a turma do Mato Grosso. Isso se deu graças aos incentivos do governo.

FURO - Quais as empresas que estão aqui na região de Balsas?

AG - As maiores aqui são a Bunge e a Cargil.

FURO - Onde se concentra a monocultura de soja?

AG - Balsas, Tasso Fragoso e Alto Parnaíba são os municípios com maior incidência. Para se ter uma idéia somente a fazenda Agroserra, na fronteira dos municípios de São Raimundo das Mangabeiras e outra parte em Fortaleza dos Nogueiras, controla 230 mil hectares. A propriedade é da família Ticianeli, de origem paranaense. São três irmãos. Soubemos que a família Sarney possui ações no grupo. Creio que em 2005 cerca de 1.700 trabalhadores foram flagrados em condições degradantes de trabalho na produção da cana.
Foto:R.Almeida - paisagem do cerrado maranhense









FURO - Além da Agroserra, que outras fazendas possuem esse gigantismo?

AG - Carolina do Norte, Parnaíba, Nova Holanda, de propriedade da família Sarney. No momento são as que lembro, mas, tem mais.

FURO - Como fica o rio Balsas e a vegetação local?

AG - Outro dia fizemos umas imagens áreas. O rio Balsas se encontra totalmente degradado e a sua mata ciliar em destroços. O desmatamento aqui é o mais perverso possível. A prática é do correntão, que consiste em amarrar uma grande corrente em dois tratores para a derrubada da mata nativa, no caso aqui, o cerrado.

FURO - E como fica a madeira?

AG - A madeira é utilizada para a produção de carvão vegetal que alimenta as empresas de gusa.
Foto: R.Almeida - cair da tarde no cerrado do MA










FURO - A produção de carvão é indicada como fonte de trabalho escravo, aqui também é assim?

AG - Aqui temos trabalho escravo nas fazendas de grãos, cana e nas carvoarias. Em 2004 foram libertados 28 trabalhadores em São Raimundo das Mangabeiras na produção de carvão vegetal, em 2005 foram libertados mais 20 em Tasso Fragoso, em fazenda de soja. Em outubro foram soltos no município de Balsas em fazenda de soja mulheres e crianças.

FURO - Na questão além da destruição da mata ciliar e do cerrado, que outro passivo a monocultura da soja provoca?
Foto: R.Almeida - Criolo em reunião preparatória para o FSM, em Balsas/MA

AG - Temos a poluição. A monocultura de soja é tratada através de aviões. E na questão social registram-se a expropriação camponesa. O Maranhão é hoje o principal exportador de mão obra escrava. Muito se deve às monoculturas que expulsam as famílias camponesas. Para se ter uma idéia da tragédia do trabalho no estado, o Maranhão responde com 40% de toda mão de obra escrava libertada em todo o país. Isso se configura como um desastre social.

FURO - Qual o balanço que o senhor faz da soja na região?

AG - Venderam que Balsas ia ser o melhor lugar do mundo. Balsas é um bom lugar para poucas pessoas. Somente para os que possuem dinheiro. Para a gente fica o deserto, a terra e a água poluídos pelo veneno lançado pelos aviões.

FURO - Já ocorreu algum caso de óbito de animais ou pessoas por contaminação?

AG - Tivemos um caso num lugar chamdo de Vão da Salina, aqui em Balsas, houve o registro de óbito de animais. Em Loreto também tivemos registros de dois óbitos de crianças. O caso ocorreu na comunidade conhecida como Brejão, um projeto chamado Serra Vermelha, do ex-ministro da agricultura, Roberto Rodrigues. Em uma semana todas as famílias da comunidade tiveram o mesmo problema de saúde: vômito e diarréia. No fim da semana as duas crianças vieram a óbito no mesmo dia.

FURO - O que dizia o laudo médico?

AG - Os médicos se recusaram a informar a causa mortis. Sabe-se ainda da morte de animais no mesmo perímetro.

FURO - O senhor faz idéia da quantidade de veneno usado?

AG - Em um hectare de soja são colocados 509 quilos de produtos químicos durante todo o cultivo.

FURO - Como tem sido a ação dos movimentos sociais da região com relação a esses passivos sociais e ambientais?

AG - Nos anos de 1980 era mais atuante. Já nos anos de 1990, quando Fernando Henrique assume o governo, a gente avalia que engessou o movimento. Hoje os sindicatos estão bitolados em encaminhar aposentadorias rurais. É a burocratização do movimento e a perda do espírito de luta.
Foto: R.Almeida: a paisagem no cerrado após a colheita de grãos lembra um deserto.
FURO - Como é a ação da CPT na região?

AG - A nossa equipe é muito pequena para a dimensão física e dos problemas da região. A gente se empenha em tentar formar a militância.

FURO – Tem havido ocupações de terras?

AG - Nos anos de 2000 tem-se registro de algumas ocupações que esperam pela efetivação de projetos de assentamentos rurais. Isso de 2002 para cá. São os casos da fazenda Taboão, no município de São Raimundo das Mangabeiras, fazenda Sucupira e na fazenda Ponteira, ambas no município de Riachão. São mais de 200 famílias que estão na terra. Ainda pressionamos o INCRA para a efetivação dos projetos de assentamento.

FURO – Falando em INCRA, como funciona aqui na região?

AG - Em assembléia dos movimentos sociais aqui foi pedido o afastamento de quatro funcionários que estavam em conluio com os fazendeiros. Aqui a instituição é muito lenta.

FURO - Queria voltar ao assunto sobre trabalho escravo. E quanto aos acordos coletivos em que os sindicatos de trabalhadores rurais (STR’s) integram o grupo que trata do assunto, como se desenvolve?

AG - Primeiro que esses acordos coletivos de trabalho em sua maioria tem sido mero faz de conta para mascarar o trabalho escravo. Às vezes os STR’s funcionam mais como um desagregador dos trabalhadores. Voltemos ao caso da Agroserra. Em duas ocasiões houve manifestações dos trabalhadores contra a empresa. A fazenda produz soja e cana.

FURO - Quando a monocultura da cana chegou?

AG – A Agroserra que trouxe, tem 21 mil hectares cultivados, onde 16 mil são irrigados. É a morte do rio Neri. A empresa do outro lado detona as cabeceiras do rio Itapecuru. O lugar fica ali na reserva estadual do Mirador, uma ilha cercada de soja e agora cana por todos os lados. Mais de 500 famílias estão sendo retiradas da reserva. Quando da criação do parque na década de 1980, o governo se manifestou pela garantia do reassentamento das famílias, que nunca ocorreu.

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