Traíra é peixe de escama. Comum em açudes, lagos e rios. É um bicho
territorialista. Tal Batman, devota a escuridão. É considerado inadequado para
piscicultura. Traíra ou trairagem nomeia modus operandi na cena política
nacional.
Neste horizonte – abundante fauna -, entre outros, Eduardo Cunha, Arthur
Lira e Michel Temer encarnam a excelência da espécie. Contudo, Trairão é uma
pequena cidade na BR 163, no oeste do Pará. Longe de palácios, catedrais e carnavais.
Mas, no caminho do Mato Grosso.
O município é um desdobramento da colonização espontânea nos anos de 1970.
Apogeu da ditadura civil-militar. A cruzada fez a fortuna de poucos. Atividades
no setor madeireiro, da agricultura, da pecuária e em garimpos conformam a
história da cidade. O nome resulta de uma pesca no rio Itapacurá, quando um
morador pescou um traíra de 40 quilos. Praticamente, um senador em terceiro
mandato. Assim explica o site oficial da
prefeitura.
A cidade é entrecortada por inúmeras unidades de conservação. Como
boa parte do estado, a fronteira encarna um quadrante de conflitos. Comenta-se
que impera por estas lonjuras a tendência obscurantista e negacionista. Ainda
hoje há gente que não toma vacina acreditando que vai virar jacaré. E, por
falar no animal, ele nomeia um hotel e um balneário.
Quando da ação conjunta de ruralista em prol da destruição da
Amazônia, que ficou conhecida como Dia do Fogo, em agosto de 2019, Trairão
integrou o consórcio de devotos pela piromania, que teve como epicentro a
cidade de Novo Progreso, ainda no estado do Pará, na fronteira com o Mato
Grosso.
Ombrearam o transloucado gesto ruralistas das cidades de Itaituba,
Altamira, Jacareacanga e São Félix do Xingu, este reconhecida pelo retumbante
rebanho bovino. Há mais boi na cidade que gente. Nestas paragens, onde o
quadrúpede abunda, ponteia desmatamento, violência e grilagem. A bandidagem é a
ordem. Marcada a ferro e fogo.
O governo federal daquele contexto chancelava tais despautérios
(Bozooesfera). O próprio ministro do meio ambiente declarou desconhecer Chico
Mendes e que era chegada a hora de passar a boiada de baciada. Ele advogava a
desregulamentação do setor ambiental em massa. Uma franco e generoso favorecimento
ao capital. Pilares neoliberais ao estilo Haeyk, Tatcher e Reagan. Uma guerra
contra o estado de bem estar social, a democracia e à sociedade.
Trairão é minado chão. Trata-se de um delicado espaço, agora mesmo
acabaram de assassinar um dirigente camponês em Anapu. Um dia após a passagem
do Massacre de Eldorado. Foi justo em Anapu que grileiros executaram a agente
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a missionária Dorothy Stang em 2005. Um senhora
de mais de 70 anos, que media metro e meio.
Nestas distâncias tudo é puxado. A intercorrência do serviço de
internet impediu a atualização do transcurso entre Santarém/Trairão a todo
instante. No entanto, conseguimos alcançar o ermo lugar. O corre durou umas 7h.
Rango em Rurópolis. Comida na BR é sempre um desafio. É onde os fracos não têm
vez.
Buracos dominam a estrada. E, mesmo um afundamento grave em
Santarém, ainda no perímetro da Floresta Nacional do Tapajós. Talvez provocado
pelos rios. Teria sido um erro de cálculo de engenharia? Teriam desprezado a
força das águas quando das chuvas? O Batalhão de Engenharia de Construção (BEC)
do Exército tem sido o responsável pelo abacaxi desde remotas eras.
A mesma situação se repetirá na entrada de Rurópolis. Este é quase
um patrimônio histórico. Um arremedo que reclama remendo a todo momento. Ainda chove. O fluxo de carretas bitrem é
intenso. O asfalto não resiste. Algum asfalto resiste ao intenso fluxo destes
monstrengos?
Em Trairão é comum os motoristas estacionarem os veículos na
própria BR. Ocupam as duas vias. Fora da lei? Ah, Caetano, quando o império da
lei triunfará em terras do Pará? Pelo andar da boiada, nem a COP ajudará. Barbada.
Barbalhadas.
Mata-se por muito. Mata-se por nada. Mata-se de fome, injustiças, miséria, faca, bala, desvios de verbas, malária e raiva. Até por derrota do Remo ou Paysandu. Melancolias ao tucupi com pitadas de areia.
O busão lotado possui como destino final Porto Alegre, Bah! É
feriado. Os espaços dos primeiros assentos são deveras acanhados. Viajamos bem
apertados. Assim como o trecho da Transamazônica entre Rurópolis e Uruará, o
que corresponde entre Rurópolis/Trairão, pela BR163, desconhece asfalto.
Parte da rodovia foi concedida para a Via Brasil. É o trecho menos
ruim. A parte desprovida de calçamento torna a viagem mais lenta e perigosa. Na
rodoviária de Rurópolis avistei uma sede de uma rádio comunitária. No século
passado havia um pulsante movimento na Transamazônica. Era recorrente a PF
lacrar as emissoras e tomar os equipamentos. Uma ação demandada pelas grandes
corporações do País. Anos do governo do professor FHC.
Em Trairão impera um deserto de notícias. Não há rádio, TV, jornal,
site ou blog. Assim reporta matéria da Agência Pública produzida por Rubens
Valente e José Cícero, no fim do ano passado. Nesta latitude grupos de aplicativos
de mensagens prosperam. Uma ação que gera um punhado de querelas pessoais, econômicas,
amorosas e políticas. Tem gente sequelada no hospital e o algoz a usar
tornozeleira. É poeira, é tiro, é porrada e carretas a perder de vista.
Somente uma operadora de celular funciona a contento. Já imaginou
se todas tivessem um bom desempenho? A depender da região do estado, sempre há
variações. Nestes dias a cidade tem padecido de constantes quedas de energia
elétrica. Uma rotina. Copiará os apagões de São Paulo?
Trairão é um traíra grande, o que contrasta com a miúda cidade, que
beira a casa de 15 mil habitantes distribuídos em 12 mil km ², carentes de
inúmeros serviços e os parcos que que possuem podem ser catalogados como
precários. Na segunda feira de feriado não havia nenhum espaço de refeição ou
lanche aberto. Oxalá o supermercado funcionava. Nele pegamos breja e água.
Nesta ordem. Um pastel de feira socorreu
a broca.
Não há serviço de aplicativo de transporte. Todavia, três taxistas
prestam o serviço. É fácil encontrar algum no local onde os ônibus param, assim
como mototaxistas. Não há rodoviária.
Em peregrinações em busca de um rango foi possível avistar casas em
morros. Impossível não lembrar favelas do Rio de Janeiro. As casas são grandes,
onde impera uma arquitetura de madeira. Nestas andanças por entre as lonjuras deste mundão amazônico emerge uma interrogação: é
plausível denominar/classificar tais aglomerados forjados a partir da força
bruta do capital como cidades?
Na rodovia motoqueiros/as ignoram o uso de capacete. Lá pelas
tantas, após mais uma queda de energia, uma carreta de festa cruzou o
horizonte. Dessas carretas cheias de luz de led a executar pancadões.
Em tardes modorrentas, cães latem ao longe, enquanto moradores
proseiam nas portas das casas.
Ah Gabriel Garcia Márquez, Ah Sérgio Leone e irmãos Coen.


Muito bom, grande mestre Rogério.
ResponderExcluirsalve!! já que a gente não ganha grana, a gente ajunta pequenas histórias do trecho...
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