sexta-feira, 1 de novembro de 2024

A campanha

2º turno. Nada de fila na zona. Nem santinhos nas ruas. Menos ainda na política.  Vale tudo no amor e na política? Em Santarém os dramas/tramas políticos promoveram a convergência de três oligarquias em um flanco. Noutro, um nem-nem com mais 40 anos,  ombreado por uma jovem oriunda da agricultura capitalista do MT. Arrearam grana no intento em levar no 1º round. Não rolou.  O embate mais parecia um cortejo de estupidez. 

O barulho imperou no Centro e nas periferias com motociatas e carreatas usadas como o principal instrumento de “comunicação”. Ganha quem mais ruído promove? Veículos de aplicativos, táxis convencionais e mototáxis dão corpo à ópera bufa. Fala-se em compensações com dinheiro e combustível. Na ruidosa marcha do grotesco passageiros sentam-se na janela de veículos, agitam bandeiras. Ora do candidato, ora do Brasil. 

Um desfile pelo engajamento ao recrudescimento do obscurantismo. Todos tocam as buzinas. Seja carro ou moto. O clímax  da marcha reside em tocar foguetes onde ocorre alguma concentração de gente.  Refletir sobre os males que afligem a população de forma séria e com algum estofo, mas, qual o quê....tudo rasteiro. Mais rasteiro que o cu da cobra, como versa o adágio popular. 

Independente de que vencer, perde a população de um município estratégico tanto como possibilidade em promover um horizonte para além das quatro linhas do grande capital, quanto para a agenda dos grandes projetos em pauta, que a tudo fagocita, até a alegria do guariba.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Cepasp, ONG de Marabá, soma 40 anos de pelejas

O Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp) nasce na década de 1980, no rebojo da chamada redemocratização do país.

A vida só é possível reinventada – Cecília Meirelles

Marcha de sem terra em Marabá/PA, anos de 1990, quando da realização de grandes acampamentos em frente ao INCRA. A ação reunia perto de 20 mil pessoas durante dias. Fonte: arquivo Cepasp. 

Havia uma pedra no meio do caminho. No trecho sempre há mais de uma pedra a obstruir o caminho para a construção de um mundo menos injusto. No caso brasileiro, uma burguesia tacanha e entreguista, ainda que publicize um falso discurso de pátrio amor. Mera potoca (mentira).

A potoca como método tem sido o potente instrumento usado pelos setores mais conservadores do Brasil. Lembremos, foi justo sob os pilares mais profundos do conservadorismo que a pátria foi erguida, tendo o privilégio como ordem. Raras são as rachaduras na estrutura.

Na frágil edificação da democracia liberal burguesa do país, ditaduras entrecortam períodos. A mais longeva durou mais de duas décadas (1964-1985). Um projeto de tirania contra a América Latina acionado pelos EUA. Imperialista cultura. Assim como hoje, vendia-se a ideia de ameaça comunista.

O blefe persiste. Nesta feita em um emaranhado de distorções onde predomina o medo. Este mobilizado a partir de vozes de vendilhões do templo.  Falsos profetas de todo quilate e tipo. Assim como prolifera uma ideia de abissal individualismo, onde possuem destaque coach (treinador/a), gurus de todo tipo de estampa. Um obscurantismo a projetar falsos messias de Norte a Sul a ocuparem o território da política.

As pedras nos caminhos são várias. Todavia, caminhar é necessário e urgente. Navegar em oposição ao estabelecido urge. Neste sentido, no ano de 1984, mesmo antes do “fim” formal da ditadura civil militar, nascia nos rincões da Amazônia, na cidade de Marabá, sudeste do Pará, o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp). 

Entrada da sede do Cepasp, Rua Sororó, bairro do Novo Horizonte, Marabá/PA, anos de 1980. 

O delicado período de transição consagrou a região como a mais violenta do Brasil no que diz respeito à luta pela terra. O setor ruralista levantou ao cume mais elevado o combate à reforma agrária. Nesta direção forjou a milicia União Democrática Ruralista (UDR).

Ronaldo Caiado, eterno dirigente das forças obscurantistas do estado do Goiás, novamente governador, era o ponta de lança da organização. Matou-se aos borbotões: posseiros, garimpeiros, advogados, religiosos. Chacinas eram recorrentes. Agências de pistolagem proliferaram no Bico do Papagaio (Maranhão, Goiás e Pará). 

Raimundo Ferreira Lima (Gringo), Agente Pastoral e sindicalista foi o primeiro líder camponês a ser executado nos anos de 1980. Fonte: arquivo da família

Polícias e pistoleiros a defenderem a terra grilada diante de um judiciário parcial. Assim como nos dias de hoje. O Judiciário notório na ligeireza a expedir reintegração de posse, manifesta-se modorrento na apuração de crimes contra os trabalhadores/as rurais. A Justiça tem classe, e enxerga, mesmo no escuro, onde a ordem tem sido criminalizar a pobreza e os que se opõem a ela.

Ainda assim navegar é preciso! O Cepasp emerge no riomar de instalação de grandes projetos na região de Carajás. Pecuária, madeira, mineração e geração de energia foram os principais polos de desenvolvimento impostos pelos governos. Ditatoriais ou não.

Uma opção de entrega do patrimônio, onde grandes empresas do capital internacional, a exemplo da Volkswagem, mineradoras, frações de classe dos estados do sudeste, bancos tais como Bamerindus, Bradesco, Econômico apossaram-se de vastas extensões de terras. A floresta foi amansada na pata do boi. A floresta e suas gentes eram compreendidas e enquadradas como um impedimento ao “desenvolvimento”.

Desmatamento, violências contra a sociodiversidade local, com ênfase a execuções de camponeses e seus apoiadores e o trabalho escravo são alguns dos passivos socializados. A barbárie instala-se como ordem. Em oposição, faz-se necessário formar parelhas. Barricadas em defesa da vida.

Assim, o Cepasp forma par com as populações expropriada pela barragem de Tucuruí, erguida no rio Tocantins, em cidade homônima. A hidroelétrica foi construída para atender as grandes empresas da cadeia da produção de alumínio no Pará (Albras e Alunorte e no Maranhão (Alcoa). Além de Tucuruí, municípios vizinhos também foram afetados, a exemplo de Novo Repartimento, Jacundá, Breu Branco e Goianésia.

Coube à sociedade nacional pagar os subsídios astronômicos concedidos pelo Estado às empresas por longos anos. O saque, a pilhagem e a degradação do humano assim se impõem como padrão de ocupação da região.  Neste combate a ONG fortaleceu a comissão dos atingidos pela barragem (Comissão dos Expropriados), no processo de elaboração de demandas com vistas a pleitear reparação em Brasília.

As pedras no caminho são várias. Junto à Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) ombreia a luta das populações espoliadas pela construção da Estrada de Ferro de Carajás (EFC). A ferrovia ligou o sertão do Pará ao litoral do Maranhão. Uma dorsal do saque. 21 municípios atravessados pelo projeto. O saque segue a plenos pulmões. A ferrovia foi duplicada, e os problemas junto às populações multiplicados. Entre o sertão e o mar, a pobreza possui pujança em combates marcados por assimetrias.

No campo e na cidade o Cepasp somou em inúmeros combates. No campo, nos anos de 1980, tomar os sindicatos das mãos dos pelegos era a bandeira. Nesta direção colaborou com a formação política de dirigentes em Marabá, São João do Araguaia, São Domingos do Araguaia, Rondon do Pará, Itupiranga, Tucuruí, Novo Repartimento, Goianésia e Jacundá. E mais recentemente com Eldorado dos Carajás, Parauapebas e Canaã dos Carajás.

No combate em Marabá fez fileira junto à chapa do camarada Arnaldo Ferreira que veio a ser assassinado em1992, pela tomada do da direção do sindicato em 1988. Nesta conjuntura, equivocadamente, agentes da ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) decidiram pelo apoio aos pelegos.  Nestes combates, cumpre realçar as valorosas contribuições do advogado Gabriel Pimenta.

Ao centro, Raimundo Gomes da Cruz Neto (Raimundinho), agrónomo, sociólogo, educador popular e migrante do PI, linha de frente do Cepasp. 

Um antigo e presente pensador já sinalizava para a necessidade da unificação da luta. No campo e na cidade. A foice e o martelo.  Assim o Cepasp fortaleceu os combates junto a sindicatos de trabalhadores rurais e urbanos (Professores, Metalúrgicos), associação de moradores, cooperativas e caixas agrícolas de pequenos produtos rurais, instituições estudantis, clubes de mães, povos indígenas, extrativistas, pescadores e tantas outras categorias.

Em barricadas políticas e técnicas a organização sempre esteve junto aos/às trabalhadores/as. No campo e na cidade.  No caso do campo técnico, coordenou inúmeras equipes de assessoria voltadas para os assentamentos de reforma agrária, a partir do Projeto Lumiar.

A educação libertadora é o horizonte da instituição. Na cidade de Marabá somou forças pelo direito à cidade nos bairros integrados do núcleo Cidade Nova. Formação política, educação popular e emancipatória, produção de instrumentos da comunicação popular (jornais, cartilhas, rádios comunitárias, organização de arquivo da luta popular e biblioteca), organização de feiras agroecológicas, participação e organização de espaços formativos dentro e fora de universidades o credenciaram a fazer parte de fóruns nacionais e internacionais.

Constam neste rol: Seminário Consulta, depois renomeado e reorganizado como Fórum Carajás, Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), FERA (Fórum pela Reforma Agrária), etc.

Navegar é preciso! Os combatem não findam. Em dias recentes junto à Comissão Pastoral da Terra (CPT) colaborou no enfrentamento da expropriação de famílias camponesas afetadas pela expansão da mineração da empresa Vale. Fez isso nos municípios de Canaã, São Felix do Xingu, Ourilândia do Norte e vizinhança.

No debate ambiental, hoje em moda, já nos anos de 1980 a pauta fazia parte da agenda de ações da instituição. O hoje celebre indígena Airton Krenak, já dialogava na região de Marabá sobre os danos provocados pela CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) em Minas Gerais, participando do IV Encontro Marabaense em Defesa do Meio Ambiente, organizado pelo CEPASP.

Airton Krenak, indígena e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), em participação no IV Encontro Marabaense de Meio Ambiente, nos anos de 1980, Marabá/PA. Fonte: arquivo do Cepasp. 

À época, a mineradora ainda era uma empresa estatal, que veio a ser entregue aos abutres do capital em 1997. Um ano após o Massacre de Eldorado e dois anos depois da Chacina de Corumbiara. Avanços neoliberais. Originária acumulação. A tudo maximiza, em particular a morte.

No mesmo campo ambiental colaborou na criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta/Piranheira, no município de Nova Ipixuna. Nele tombaram José Cláudio e Maria. Sanha de grileiros assassinou o casal.

Feira agroecológica realizada desde 2016 em frente à sede a instituição. Fonte: arquivo Cepasp

Meirelles já apontou: a vida só é possível reinventada. A partir desta invocação, a ONG metamorfoseou-se em Comuna Cepasp. A atuar sob a orientação de três círculos: Estudo e Formação, Cultura e Arte e Auto-sustentação. Com a participação de famílias camponesas do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Porto Seguro, desenvolve uma Feira Camponesa que funciona aos sábados no espaço da Comuna desde 2016.

Sobre a conjuntura da época da criação do Cepasp, Jean Pierre Leroy, francês naturalizado brasileiro, falecido em 2016, técnico da Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) analisa que tanto o Cepasp, quanto a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) emergiram a partir do PRC (Partido Revolucionário Comunista).

O artigo de Leroy consta na obra sobre os 10 anos do CAT (Centro Agro-Ambiental do Tocantins): etnografia de uma utopia/2000/UFPA. O CAT foi uma inciativa do pesquisador belga Jean Hébette, também já falecido em 2016. Hébette notabilizou-se com pesquisas sobre o campesinato amazônico.    

No texto Leroy realça divergências políticas e ideológicas na criação em particular da Comissão Pastoral da Terra (CPT), assim como na condução de algumas estratégias de luta sindical na região.

No percurso do texto Jean Pierre pondera que a Corrente Sindical, hegemônica na tomada do Sindical dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém da mão dos pelegos, no Baixo Amazonas, em determinado momento calculou em sentar praça na região de Carajás.

No ponto de vista de Leroy, foi por conta de divergências políticas e ideológicas, em particular com o bispo da época, Dom Alano, um religioso simpático à luta pela terra na região. Ainda na década de 1980, “O Cepasp passou a acompanhar e questionar o Projeto Carajás, a apoiar a luta pela terra, a se preocupar com a estabilização dos posseiros e com o meio ambiente”, palavras de Leroy.  

Por mais agitado que esteja o mar da História, está vivo quem sempre peleja, a reinventar a vida todos os dias em giras coletivas!!!

Entre os inúmeros/as colaboradores e militantes, registramos: em memória Ademir Martins, Beta, Deuzinho, Ednaldo, Loreto, Jamison e Evandro Torres. Ainda entre nós:   Alice Margarida, Marcos Leite, Deibsom, Adilson(Peba), Nilce, Wanderlei, Jorginho Neri, Raimundo Cabeludo, Ilan, Eliana, Gilberto Silva, Marlene, Ezerom, Genivaldo, Gicivaldo, Rogerio Almeida, Dvandro, Ivonete e Seu Osmar.  Grato a todxs!!! Aos nomes que a gente, traído pela memória não conseguiu lembrar, sintam-se inclusos na gira. 

Membros do CEPASP na ativa e afastados: Raimundinho, Angelina, Zequinha Ferreira, Fabinho, Pedro dos Santos, Bispo, Barbudinho, Moreira, Atanagildo Matos (Gatão), Jaide, Iara Ferraz,  Irmã Dijé, Emanuel Wambergue (Mano), Rafael, Kézia, Neide, Neirilene

A celebração pelos 40 anos ocorre entre os dias 04 a 09 de novembro.