O Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp) nasce na década de 1980, no rebojo da chamada redemocratização do país.
A vida só é
possível reinventada – Cecília Meirelles
Havia uma pedra
no meio do caminho. No trecho sempre há mais de uma pedra a obstruir o caminho
para a construção de um mundo menos injusto. No caso brasileiro, uma burguesia
tacanha e entreguista, ainda que publicize um falso discurso de pátrio amor.
Mera potoca (mentira).
A potoca como
método tem sido o potente instrumento usado pelos setores mais conservadores do
Brasil. Lembremos, foi justo sob os pilares mais profundos do conservadorismo
que a pátria foi erguida, tendo o privilégio como ordem. Raras são as
rachaduras na estrutura.
Na frágil
edificação da democracia liberal burguesa do país, ditaduras entrecortam
períodos. A mais longeva durou mais de duas décadas (1964-1985). Um projeto de
tirania contra a América Latina acionado pelos EUA. Imperialista cultura. Assim
como hoje, vendia-se a ideia de ameaça comunista.
O blefe
persiste. Nesta feita em um emaranhado de distorções onde predomina o medo.
Este mobilizado a partir de vozes de vendilhões do templo. Falsos profetas de todo quilate e tipo. Assim
como prolifera uma ideia de abissal individualismo, onde possuem destaque coach
(treinador/a), gurus de todo tipo de estampa. Um obscurantismo a projetar
falsos messias de Norte a Sul a ocuparem o território da política.
As pedras nos
caminhos são várias. Todavia, caminhar é necessário e urgente. Navegar em
oposição ao estabelecido urge. Neste sentido, no ano de 1984, mesmo antes do
“fim” formal da ditadura civil militar, nascia nos rincões da Amazônia, na
cidade de Marabá, sudeste do Pará, o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria
Sindical e Popular (Cepasp).
O delicado
período de transição consagrou a região como a mais violenta do Brasil no que
diz respeito à luta pela terra. O setor ruralista levantou ao cume mais elevado
o combate à reforma agrária. Nesta direção forjou a milicia União Democrática
Ruralista (UDR).
Ronaldo Caiado,
eterno dirigente das forças obscurantistas do estado do Goiás, novamente
governador, era o ponta de lança da organização. Matou-se aos borbotões:
posseiros, garimpeiros, advogados, religiosos. Chacinas eram recorrentes. Agências
de pistolagem proliferaram no Bico do Papagaio (Maranhão, Goiás e Pará).
Polícias e
pistoleiros a defenderem a terra grilada diante de um judiciário parcial. Assim
como nos dias de hoje. O Judiciário
notório na ligeireza a expedir reintegração de posse, manifesta-se modorrento
na apuração de crimes contra os trabalhadores/as rurais. A Justiça tem classe,
e enxerga, mesmo no escuro, onde a ordem tem sido criminalizar a pobreza e os
que se opõem a ela.
Ainda assim
navegar é preciso! O Cepasp emerge no riomar de instalação de grandes projetos
na região de Carajás. Pecuária, madeira, mineração e geração de energia foram
os principais polos de desenvolvimento impostos pelos governos. Ditatoriais ou
não.
Uma opção de
entrega do patrimônio, onde grandes empresas do capital internacional, a
exemplo da Volkswagem, mineradoras, frações de classe dos estados do sudeste,
bancos tais como Bamerindus, Bradesco, Econômico apossaram-se de vastas
extensões de terras. A floresta foi amansada na pata do boi. A floresta e suas
gentes eram compreendidas e enquadradas como um impedimento ao
“desenvolvimento”.
Desmatamento,
violências contra a sociodiversidade local, com ênfase a execuções de
camponeses e seus apoiadores e o trabalho escravo são alguns dos passivos
socializados. A barbárie instala-se como ordem. Em oposição, faz-se necessário
formar parelhas. Barricadas em defesa da vida.
Assim, o Cepasp
forma par com as populações expropriada pela barragem de Tucuruí, erguida no
rio Tocantins, em cidade homônima. A hidroelétrica foi construída para atender
as grandes empresas da cadeia da produção de alumínio no Pará (Albras e
Alunorte e no Maranhão (Alcoa). Além de Tucuruí, municípios vizinhos também
foram afetados, a exemplo de Novo Repartimento, Jacundá, Breu Branco e Goianésia.
Coube à
sociedade nacional pagar os subsídios astronômicos concedidos pelo Estado às
empresas por longos anos. O saque, a pilhagem e a degradação do humano assim se
impõem como padrão de ocupação da região.
Neste combate a ONG fortaleceu a comissão dos atingidos pela barragem (Comissão
dos Expropriados), no processo de elaboração de demandas com vistas a pleitear
reparação em Brasília.
As pedras no
caminho são várias. Junto à Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos
(SDDH) ombreia a luta das populações espoliadas pela construção da Estrada de
Ferro de Carajás (EFC). A ferrovia ligou o sertão do Pará ao litoral do
Maranhão. Uma dorsal do saque. 21 municípios atravessados pelo projeto. O saque
segue a plenos pulmões. A ferrovia foi duplicada, e os problemas junto às
populações multiplicados. Entre o sertão e o mar, a pobreza possui pujança em
combates marcados por assimetrias.
No campo e na
cidade o Cepasp somou em inúmeros combates. No campo, nos anos de 1980, tomar
os sindicatos das mãos dos pelegos era a bandeira. Nesta direção colaborou com
a formação política de dirigentes em Marabá, São João do Araguaia, São Domingos
do Araguaia, Rondon do Pará, Itupiranga, Tucuruí, Novo Repartimento, Goianésia
e Jacundá. E mais recentemente com Eldorado dos Carajás, Parauapebas e Canaã
dos Carajás.
No combate em
Marabá fez fileira junto à chapa do camarada Arnaldo Ferreira que veio a ser
assassinado em1992, pela tomada do da direção do sindicato em 1988. Nesta
conjuntura, equivocadamente, agentes da ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional) decidiram pelo apoio aos pelegos. Nestes combates, cumpre realçar as valorosas
contribuições do advogado Gabriel Pimenta.
Um antigo e
presente pensador já sinalizava para a necessidade da unificação da luta. No
campo e na cidade. A foice e o martelo.
Assim o Cepasp fortaleceu os combates junto a sindicatos de
trabalhadores rurais e urbanos (Professores, Metalúrgicos), associação de
moradores, cooperativas e caixas agrícolas de pequenos produtos rurais,
instituições estudantis, clubes de mães, povos indígenas, extrativistas,
pescadores e tantas outras categorias.
Em barricadas
políticas e técnicas a organização sempre esteve junto aos/às trabalhadores/as.
No campo e na cidade. No caso do campo
técnico, coordenou inúmeras equipes de assessoria voltadas para os
assentamentos de reforma agrária, a partir do Projeto Lumiar.
A educação
libertadora é o horizonte da instituição. Na cidade de Marabá somou forças pelo
direito à cidade nos bairros integrados do núcleo Cidade Nova. Formação
política, educação popular e emancipatória, produção de instrumentos da
comunicação popular (jornais, cartilhas, rádios comunitárias, organização de
arquivo da luta popular e biblioteca), organização de feiras agroecológicas,
participação e organização de espaços formativos dentro e fora de universidades
o credenciaram a fazer parte de fóruns nacionais e internacionais.
Constam neste
rol: Seminário Consulta, depois renomeado e reorganizado como Fórum Carajás,
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), FERA
(Fórum pela Reforma Agrária), etc.
Navegar é
preciso! Os combatem não findam. Em dias recentes junto à Comissão Pastoral da
Terra (CPT) colaborou no enfrentamento da expropriação de famílias camponesas
afetadas pela expansão da mineração da empresa Vale. Fez isso nos municípios de
Canaã, São Felix do Xingu, Ourilândia do Norte e vizinhança.
No debate
ambiental, hoje em moda, já nos anos de 1980 a pauta fazia parte da agenda de
ações da instituição. O hoje celebre indígena Airton Krenak, já dialogava na
região de Marabá sobre os danos provocados pela CVRD (Companhia Vale do Rio
Doce) em Minas Gerais, participando do IV Encontro Marabaense em Defesa do Meio
Ambiente, organizado pelo CEPASP.
À época, a
mineradora ainda era uma empresa estatal, que veio a ser entregue aos abutres
do capital em 1997. Um ano após o Massacre de Eldorado e dois anos depois da
Chacina de Corumbiara. Avanços neoliberais. Originária acumulação. A tudo maximiza,
em particular a morte.
No mesmo campo
ambiental colaborou na criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta/Piranheira,
no município de Nova Ipixuna. Nele tombaram José Cláudio e Maria. Sanha de
grileiros assassinou o casal.
Meirelles já
apontou: a vida só é possível reinventada. A partir desta invocação, a ONG
metamorfoseou-se em Comuna Cepasp. A atuar sob a orientação de três círculos:
Estudo e Formação, Cultura e Arte e Auto-sustentação. Com a participação de
famílias camponesas do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Porto Seguro,
desenvolve uma Feira Camponesa que funciona aos sábados no espaço da Comuna
desde 2016.
Sobre a conjuntura da época da criação do Cepasp, Jean Pierre Leroy, francês naturalizado brasileiro, falecido em 2016, técnico da Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) analisa que tanto o Cepasp, quanto a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) emergiram a partir do PRC (Partido Revolucionário Comunista).
O artigo de Leroy consta na obra sobre os 10 anos do CAT (Centro
Agro-Ambiental do Tocantins): etnografia de uma utopia/2000/UFPA. O CAT foi uma
inciativa do pesquisador belga Jean Hébette, também já falecido em 2016. Hébette notabilizou-se com pesquisas sobre o campesinato amazônico.
No texto Leroy realça divergências políticas e ideológicas na criação
em particular da Comissão Pastoral da Terra (CPT), assim como na condução de
algumas estratégias de luta sindical na região.
No percurso do texto Jean Pierre pondera que a Corrente Sindical,
hegemônica na tomada do Sindical dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais
(STTR) de Santarém da mão dos pelegos, no Baixo Amazonas, em determinado momento
calculou em sentar praça na região de Carajás.
No ponto de vista de Leroy, foi por conta de divergências políticas e ideológicas, em particular com o bispo da época, Dom Alano, um religioso simpático à luta pela terra na região. Ainda na década de 1980, “O Cepasp passou a acompanhar e questionar o Projeto Carajás, a apoiar a luta pela terra, a se preocupar com a estabilização dos posseiros e com o meio ambiente”, palavras de Leroy.
Por mais
agitado que esteja o mar da História, está vivo quem sempre peleja, a
reinventar a vida todos os dias em giras coletivas!!!
Entre os inúmeros/as colaboradores e militantes, registramos: em memória Ademir Martins, Beta, Deuzinho, Ednaldo, Loreto, Jamison e Evandro Torres. Ainda entre nós: Alice Margarida, Marcos Leite, Deibsom, Adilson(Peba), Nilce, Wanderlei, Jorginho Neri, Raimundo Cabeludo, Ilan, Eliana, Gilberto Silva, Marlene, Ezerom, Genivaldo, Gicivaldo, Rogerio Almeida, Dvandro, Ivonete e Seu Osmar. Grato a todxs!!! Aos nomes que a gente, traído pela memória não conseguiu lembrar, sintam-se inclusos na gira.
Membros do CEPASP na ativa e afastados: Raimundinho, Angelina, Zequinha Ferreira, Fabinho, Pedro dos Santos, Bispo, Barbudinho, Moreira, Atanagildo Matos (Gatão), Jaide, Iara Ferraz, Irmã Dijé, Emanuel Wambergue (Mano), Rafael, Kézia, Neide, Neirilene
A celebração pelos
40 anos ocorre entre os dias 04 a 09 de novembro.
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