Fim de tarde. Tempo de sol. Calor inclemente. O rio resiste em não
recuar. O céu lembra delírios de Van Gogh. Uma explosão de cores. Tons sobre tons. Uma garça aqui. Outra ali. Urubu
abunda por todos os flancos. O urubu é o
cão vira lata da cidade. Em todo canto assalta lixos e lixeiras.
O Legislativo local deveria conceder ao bicho alguma honraria ou
comenda, tão onipresente ele é na urbe. Santarém, cidade carniça. Cidade
esgoto. É a pior em saneamento básico do país. Santarém, te quero bem.
Beira de riomar. Dias
estivais. Braçais fazem grana. Brisa para pés inchados. Vez em quando um pato
selvagem faz a colheita nos rios. E mesmo botos dão o ar da graça. Nesta época
do ano morcegos brincam em vertiginosos rasantes sobre os rios Tapajós e
Amazonas, tão bem versejados na obra de Benedicto Monteiro. Morcego topgun.
À primeira vista os morcegos soam andorinhas. Ledo engano. Morcegos
vampirizam orçamento público. Nada de engano. Barra de ouro. Orações sem
educação. Frações de classe. Frações de
gente de quinta. Pátria. Patrimonialismo.
Lima Barreto cravou logo cedo. Os Bruzundangas que o diga. Tá uma barra a vida
por aqui. Arriscoso. Belicoso.
A orla é a joia da cidade. Fluxos e refluxos de circuitos
equidistantes concorrem. Balsas de sojas. Barcos com gentes de todos os cantos.
Em todo canto aqui tem gente. Indígena região. A pilhagem insiste. Aos nativos, resta r-existir.
Faz mais de 500 anos que os povos indígenas o fazem. Cabanagem. Eles indicam a
contramão da destruição.
A orla é magnética. Famílias afrontam a cidadela com as suas
cadeiras de praia. Cadeiras de beira de rio. Cadeiras leves. Alguns carregam
tralhas de pesca. Bebidas, comidas e cães. Faça chuva ou faça sol, há sempre
alguém a pescar. Uns por esporte. Outros por necessidade de proteína. A fome
tomou a cidade. A fome tomou o país. Milícias. Digitais em mortes. Planalto Central.
Uma frondosa palafita abriga espaço para o vasto e diversificado artesanato.
Parada para gente de além riomar. Palafita é tecnologia da arquitetura local. Sabença
ancestral em selecionar a madeira mais apropriada e durável. Um luxo na encruza.
É milenar o saber. Tão significativo quanto o asiático. Parada de
beira de rio. Civilização da várzea. Vanguarda. Santarém, buracos a consomem tal um câncer.
Santarém, coroa, te quero bem.
À frente da palafita, que também é restaurante, uma tela de led jorra
anúncios sobre transeuntes. Estranhos tempos selvagens.
A fauna da orla não é exótica. Exceto as pessoas dedicadas ao culto
ao corpo. Raro ver alguém armado com um livro na mão. Ambulantes defendem um
troco com negócios da China. Venda de brinquedos e diferentes balões. Badulaques.
Dia desses ainda pego um para Docinho. Um desses cheios de luizinhas. Como se
fossem vagalumes em cela.
Um imigrante negro vende raspa-raspa. Uma mistura de suco com gelo.
Os herdeiros de Woodstock também estão por ali. Principais alvos dos “puliça”.
Selvagem mundo. Estranho mundo. Se o meu nome não fosse Rogerio, seria
Raimundo. Moribundo. Mulambo de gente.
Labirintos. Becos, furos, igapós e vicinais. Encantada floresta. Reentrâncias
em mim. Léguas e léguas. Mata, água, rio e medo. Perdido. Aqui, ali e acolá. Desprovido de óculos e lamparina. Visagem. Reles mote de estórias de cantoria de cego em festa de cangaceiro.
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