Com quase 800
páginas, o livro contém 20 trabalhos assinados por quase 30 pessoas, onde
constam casos de dirigentes sindicais, advogados, religiosos, chacinas e
defensores do meio ambiente. O fotógrafo Sebastião Salgado cedeu fotos do
Massacre de Eldorado, enquanto o procurador da República Felício Pontes assina
artigo sobre a missionária Dorothy Stang, assassinada em 2005. O lançamento
nacional ocorre segunda feira, 27, a partir das 19h, nas redes sociais do
jornal Brasil de Fato/RS.
Capa do livro a ser lançado no dia 27, segunda feira, a partir das 19h, nas redes sociais do Brasi de Fato/RS.
Em meio ao momento delicado que
nubla a vida da sociodiversidade amazônica, marcado pelo aceno que se ergue a
partir do governo nacional em favor de toda ordem de violência, em alinhamento
com os setores mais conservadores da nossa sociedade, um livro brota dos
sertões da Amazônia, tendo como ponta de lança filhas, filhos, amigos e
familiares de dirigentes sindicais, defensores dos direitos humanos e do meio
ambiente que tombaram nas jornadas da luta pela terra no Pará. Além de
familiares e amigos, educadores e pesquisadores assinam relatos que contemplam
casos de assassinatos e chacinas nos anos considerados os mais sangrentos, a
década de 1980, mas, não se restringe à ela.
A violência nas paragens da região é
uma constante. Uma questão estrutural, como atesta os recentes acontecimentos
transcorridos no Amazonas, que redundou no assassinato do indigenista Bruno
Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. Categorias antes não alcançadas. As
violências são digitais do processo da integração subordinada da Amazônia aos
circuitos econômicos mundiais. Há sangue em todas as latitudes. Sangue de
indígenas, quilombolas, camponeses e das pessoas a eles alinhados, como
advogados e religiosos, entre outros sujeitos.
Os fotógrafos Sebastião Salgado,
Miguel Chikaoka, o procurador da República Felício Pontes e o padre Ricardo
Rezende, o jornalista Lúcio Flávio Pinto constam entre os colaboradores do livro Luta pela na Amazônia: mortos
na luta pela terra! Vivos na luta pela terra!, a ser lançado no dia 27 de junho,
a partir das 19h nas redes sociais do jornal Brasil de Fato do Rio Grande do
Sul. E presencialmente no dia 18 de
julho, na cidade de Marabá, quando a execução do advogado Gabriel Pimenta soma
40 anos de impunidade.
Com quase 800 páginas, ricas em
iconografia (fotos, cartazes e recortes de jornal), o livro resulta de projeto
de extensão da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), do curso de
Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, em diálogo de mais de dois anos com
o MST do Pará, a Federação dos Trabalhadores dos Rurais do Estado do Pará (Fetagri) sudeste, a
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), a Comissão Pastoral
da Terra (CPT) e o jornal Brasil de Fato do Rio Grande do Sul. Para a impressão
da obra, o projeto conta com o apoio do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras).
Os professores Rogerio Almeida (UFOPA) e Elias Sacramento (UFPA), campus de
Cametá coordenam a iniciativa. Sacramento, doutor em História pela UFPA, teve o
pai assassinado na década de 1980, o senhor Virgílio, na região de Moju, nas
proximidades de Belém.
Seis seções dão corpo à obra: i) Camponeses,
onde são realçados nove casos, entre eles, o de Raimundo Ferreira Lima
(Gringo), João Canuto, Expedito Ribeiro, Virgílio Sacramento, José Dutra da
Costa (Dezinho), Avelino Silva; ii) Massacres, que contempla os casos da
Chacina Ubá, Chacina da fazenda Princesa e o Massacre de Eldorado; iii) Gabriel
Pimenta, João Batista e Paulo Fonteles integram o bloco dedicado aos advogados
que combateram o latifúndio, enquanto que no item iv) Irmã Adelaide, padre
Josimo e a Romaria das Meninas compõem a seção dedicada aos religiosos; v)
na parte dedicada à entrevistas dão corpo à seção os relatos do Padre
Paulinho, ex-coordenador da CPT do Pará, e o recém falecido dirigente camponês
do Maranhão, Manoel da Conceição; e por fim, vi) o anexo faz um resumo
sobre casos de mortes e o andamento dos processos.
São 20 trabalhos produzidos por
quase 30 pessoas. Ao todo, o projeto mobilizou pouco de mais de 50 pessoas,
entre autores, revisores, diagramadores, pessoas que fizeram cessão de fotos,
gente que coletou documentos nos arquivos da CPT em Belém e Marabá,
extensionistas, animadores de redes sociais e comunicadores.
Registro de Sebastião Salgado quando do deslocamento dos corpos dos sem terra executados pela PM do Pará, Eldorado, 1996.
Felício Pontes assina artigo sobre a
missionária Dorothy Stang, ombreado pelo padre Amaro, agente da CPT em Anapu,
sudoeste do estado, onde a missionária e igualmente agente da CPT foi
assassinada em fevereiro de 2005. Por lá, no Lote 96, as tensões permanecem. Fazendeiros
e pistoleiros diariamente ameaçam os moradores e lideranças. Permanências de
uma democracia esgarçada, marcada pela concentração da terra e da renda, o
Estado autoritário, as coerções públicas e privadas. Toda ordem de abuso contra
os mais fragilizados. Assim como Dorothy, Amaro sofre todo tipo de pressão:
ameaças, criminalização por conta da missão que desenvolve junto aos
camponeses, e até preso foi.
Filhas, filhos, viúvas assinam
artigos sobre a memória dos seus
José Dutra da Costa (Dezinho),
dirigente sindical e quadro da Fetagri sudeste do Pará foi executado em 2000 na
porta de sua casa em Rondon do Pará, quando o natal se avizinhava. Grileiros de
terra, fazendeiros e madeireiros estavam incomodados com a atuação do
presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) do
município.
O nome de Dezinho chegou a constar
na lista de pessoas marcadas para morrer por conta do combate que realizada pela
reforma agrária. As autoridades do Estado sabiam. Todos sabiam. Nada foi feito.
A hoje advogada e filha do dirigente sindical, junto com a viúva assinam o
relato, Joélima da Costa e Maria Joel, respectivamente. Com o assassinato de Dezinho, dona Maria
assumiu a direção do sindicato. Assim como o esposo, dona Joel viveu e ainda
vive, inúmeras situações de ameaça.
A professora da rede pública e
mestra em História pela UFPA, Luzia Canuto, narra a saga do pai, João Canuto. Como
Dezinho, Canuto foi morto em dezembro. O crime ocorreu no dia 18. João foi
morto com 18 tiros desferidos à queima
roupa. Anos depois três filhos de Canuto foram sequestrados. Somente um
sobreviveu, Orlando. Entre os acusados das atrocidades na cidade de Rio Maria,
sul paraense, constam fazendeiro Vantuir Gonçalves Cardoso e o político Adilson
Laranjeira. Eram tempos da União Democrática Ruralista (UDR). Instituição
animada pelo hoje novamente governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Execuções e
chacinas notabilizaram o sul e sudeste do Pará como as regiões mais delicadas
na luta pela terra do Brasil. E
permanecem como área de risco. Como
outros casos marcados pela impunidade, o recurso usado pelos defensores dos
direitos humanos foi apelar para Organização dos Estados Americanos (OEA) como
forma de responsabilizar o Estado Brasileiro. O caso mais recente que tramita
na OEA é do advogado Gabriel Pimenta.
Em 2011 foram mortos na cidade de
Nova Ipixuna, nas proximidades de Marabá, o casal de agroextrativistas José
Cláudio e Maria do Espírito Santo, no Projeto de Assentamento Agroextrativista
(PAE) Praia Alta Pinheira. O único nesta
categoria nas regiões que aglutinam mais de 500 projetos de assentamento. Muitos
batizados com os nomes dos dirigentes assassinados. A maioria dos projetos foi reconhecido
após o Massacre de Eldorado, ocorrido em 1996.
A morosidade do Incra é colocada
como um dos fatores que redundaram na tocaia que matou o casal, que também teve
os nomes em listas de marcados para morrer. Os irmãos de José, a advogada recém
formada, Claudelice Santos é quem assina o artigo junto com Claudenir. Ela e família assumiram a bandeira
ambientalista do casal. Claudelice fez
parte de uma turma de Direito da Terra, da Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará (Unifesspa). Uma criada e direcionada para pessoas ligadas à defesa da
reforma agrária, direitos humanos e o meio ambiente.
Oficialmente o Estado do Pará
declara que no Massacre de Eldorado, ocorrido na Curva do S, na cidade de
Eldorado do Carajás, em 1996, 19 trabalhadores rurais ligados ao MST foram
mortos pelas tropas da PM. A ordem partiu do ex- governador já falecido, o
médico Almir Gabriel (PSDB), que tinha como secretário Paulo Sette Câmara. As tropas foram comandadas pelos militares Major
Oliveira e o coronel Pantoja. Os laudos comprovam que boa parte dos 19 sem
terra foram executados à queima roupa. Da
cúpula de mandantes, somente Oliveira encontra-se vivo. Assim como em outras
casos, o manto da impunidade cobre o caso. Os advogados José Batista Afonso e
Carlos Guedes assinam o artigo.
O sangue
não conhece cercas na Amazônia. A História da “conquista” da fronteira é uma
história de expropriação de suas populações e assassinatos. Situações
amalgamadas por precárias investigações, processos morosos e inconclusos no
Judiciário – quando os mesmos chegam a ser instaurados -, este célebre por sua
parcialidade em situações de conflitos que envolvem grandes corporações,
grileiros de terras e fazendeiros e a sociodiversidade local da região.
“Quem
não vive na Amazônia não sabe como o perigo nasce e descamba com o sol e vem
ainda com a noite, cotidianamente” esclarece o belo texto de Júlia Iara,
militante do MST/MA, quando da passagem de 21anos do Massacre de Eldorado, em
2017.
Rogério e Elias, parabéns por essa obra iniciativa de importância sem tamanho. Dar voz aos familiares e companheiros que acompanharam esses fatos lastimáveis de nossa história é não deixar cair no esquecimento a luta de pessoas que deram suas vidas para construção de uma sociedade justa, igualitária, humana, onde vale mais a qualidade das relações entre os homens que o volume de dinheiro acumulado. Essa homenagem/registro terá a força do conjunto desses homens e mulheres que não se intimidaram frente a brutalidade e a ganância. A história nua crua para nos lembrar que a luta não deve parar em momento algum.
ResponderExcluirUm grande abraço e fico na expectativa de receber a obra para leitura. Att. William (INEAF/UFPA)
Interessante obra. Vou ler e encaminhar p diversos interessados. Vivas aos corajosos MÁRTIRES! Sigamos.
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