Em 2021, a Garapeira Ypiranga soma 99 anos. É o meu oásis do prosear.
Réu, confesso, o prosear é o meu vício, chamego, cela. É um matutar sobre a existência nas faculdades sem paredes. Clarão de sabença. Não arrenego. Peço, não encrespe a minha cachola com a ditadura das horas, obrigações, tempo marcado para isso, e para aquilo. Prosear é uirapuru liberto de gaiola.
Prosear, rio do quintal do meu
viver. Barco sem pressa. Atitude revolucionária. Ação anticapital e antimanicomial
por excelência. Um atropelo desse tempo agoniado. Esse tempo de correria
desembestada e desenfreada.
A prosa é o mel no fel do cinza
céu do Planalto Central. Terapia horizontal a invocar Freire, Elino Julião, Kid Muringueira, Caymmi, Áurea Martins, Maria
Bonita, Lampião. Trago desde gitinho o hábito em prosear ou macunricar a prosa
alheia. Ensimesmado quando não enturmado, depois...tudo é riso.
Quando criança, na Rua da
Viração, na Camboa, em São Luís, tinha por hábito arrodear uma roda de dominó
dominada por senhores das redondezas. Alfaiates, enfermeiros, funcionários
públicos e desocupados. A intenção não era aprender a jogar, residia em ouvir
as prosas de histórias antigas do bairro.
Coisas de valentia, futebol,
amores, canções, puteiros...ali ouvi sobre as vivências de dois meninos do
bairro que fizeram glória no Vasco e no São Paulo, Porquinho e Canhoteiro. Tempo
sem pressa. Creio que o defensor do tricolor paulista fez mais sucesso. Tem até
biografia.
Em minha alma a conversa fiada viceja.
Vira e mexe, deita e rola. Acomoda-se na rede. É pura bossa. É o perder das horas. Um jardim para
criações de escrevinhamentos futuros. Um saque sobre a memória alheia. Docinho
(Thulla Esteves), as vezes, não compreende. Calcula que estou de sem
vergonhice. Zanga, passa raio. Desconfia.
Nos dias recentes, a Garapeira
Ypiranga, na cidade de Santarém, tem sido meu oásis. Vez em quando uma iguana
despenca das árvores dos arredores. Um susto. O bicho arrodeia dali, corre pra lá, até sumir. Alcançar um canto
sossegado. Uma nova árvore. No derradeiro 07 de setembro, o acanhado espaço
somou 99 anos.
A garapeira foi plantada na Praça
da Matriz. Bem no Centro da cidade. Fala-se que é um termômetro da
popularidade de políticos. Mais eficiente que qualquer instituto do riscado de
pesquisa. Cabra passar por lá, e ninguém acenar, lascou-se.
Professor Paulinho, vulgo
Maradona, e o operador de agiotagem do mercado oficial, Silvane costumam fazer
par nas barricadas do prosear e brejas. Fala-se
de tudo um cadinho. Amores, dissabores, contas a pagar, grana ausente, histórias
a perder de vista de garimpo, sendo as do Cripurizão as mais recorrentes.
Dona Rosilda rivaliza em idade com a instituição de caldo de cana. É funcionária da Secretaria de Cultura. Devota bom tempo na Praça da Matriz. Faz fé no bicho, uns gracejos, e pimba, filou um lanche.
O cego Carlinhos, exímio interprete de Vicente Celestino, tá de gancho do balcão da firma. Fez criancice. Jogou um copo de caldo de cana no Buba. Buba é o atendente fixo da firma, que conta ainda com Dabanha e o Buba II. É o Buba I que desenrola quando a casa recebe gringo. Ele se vira com inglês e espanhol.
Rosilda e Carlinhos são de paz. A questão são os malas. As almas sebosas, como se diz em Pernambuco.
Antes da pandemia, seu Cacheado e Dona Ninita, ladeados pela filha Dalila tomavam de conta do lugar. O casal tá de resguardo por conta da peste. Somente o casal soma mais de seis décadas de casa.
Pastel de vento, coxinhas e bolo são algumas da iguarias negociadas no estabelecimento quase secular. Fatiar o bolo é exercício de Junior Cacheado, o delegado, que sempre bate ponto em qualquer hora do dia.
Prosa aglutina. Contudo, também desagrega. Peão que pisa errado no quadrado, logo é desautorizado. O prosear ajunta o povo que aporta das comunidades vizinhas: Arapiuns, Aritapera e Boim.
Caboquices de pescador. Um trago de conhaque. Riso certo. Canções antigas de casas de tolerância. Elino Julião, Bartô, Fernandes Mendes, Carlos André e Odair José. Combustível potente para o filosofar sobre as dores de amor. O Tapajós é testemunha.
Tanto é o falar sobre as canções
das dores que acometem o cotovelo, que ao lembrar de prosas sobre um histórico
puteiro de Marabá, o Canela Fina, que sucedeu a inspiração que geraram os
versos que seguem.
Homem, confesso
Vencido
Chorei
No Canela Fina, chorei
Tudo por conta do pé na bunda que levei
Depois de todo amor que te dei
Chorei, meu sangue derramei
Malárias no garimpo colecionei
Trairagem, bala, vícios
Tudo do pouco que ganhei, te dei
Findo o sofrido e amaldiçoado dinheiro do trecho
O seu desprezo foi tudo que herdei
Chorei, vencido
Derrotado
Sem uma cama para voltar
Na porta do Canela Fina
Chorei.....até definhar...
Sem o seu amor encontrar....
Sem bandeiras, barrancos, um lar...
Um fio de luz de algum luar .....
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