“30 real o pendrive com
mais de mil músicas. Música para chifre a dar de pau. Promoção”, anuncia o equipamento
de som montado sobre uma bicicleta, sob um sol inclemente e um Ver o Peso coalhado
de gente.
Agonia em ziguezague. Ruído
ao redor. Frigideiras em chamas. Peixe, fígado, frango e carne. Mini saia. Mini
blusa. Frondosas mamas ao calor. Fios de suor. Vida por um fio. Boca sem
dentes. Cigarro ao canto. Pandemia em carnaval.
O locutor da sonora bicicleta anuncia furo de reportagem: “tomem
conhecimento. Nova onda do corona se aproxima. Fiquem em casa. Ela pegará
somente os cornos”. Existe uma tara
sobre o tema em Belém. Nem José escaparia à galhofa. Sobraria para o Espirito Santo
o papel de pé de pano.
Taxar o outro de corno é
quase uma instituição na capital paraense. Qualquer dia desses um edil propõe uma
data oficial no calendário municipal. Fico a imaginar a comemoração....
É recorrente entre os “motora”
de busão o aceno da mão com dois dedos em sinal de chifre. Nas “rádia” da
cidade os programas mais populares celebram o fenômeno. Fazem dedicação aos
acometidos pelo “mal”, colocam no ar provocações de ouvintes contra colegas de
trabalho ou de bar.
Pedintes. Ambulantes.
Hippies. Camelôs. Meninas em enlace de mãos.
Adiante a senhora adverte transeunte: “atente com pulseiras, cordões e brincos”.
Faz mais de 20 anos que ando pelo Veropa. Nenhum B.O até o momento. Até celular
já esqueci em barracas e o mesmo foi devidamente devolvido.
Há três anos não pisava
na área. Indaguei do marajoara Tadeu para a dona Socorro, vizinha de barraca,
ela informa que o mesmo operou de vesícula. “Tamo aqui tocando a firma dele
enquanto ele se recupera”, comunica.
Pergunto do Jean, o “Coração
de Boi”, no caso em questão, não se trata de relação com chifre, mas, uma
anomalia que o mesmo diz ter – coração grande -, o que o impede de fazer
trabalhos braçais.
No entanto, o mesmo
sempre é visto a bailar em festas de aparelhagem em excelente performance, a
esbanjar saúde. Ele negociava CDs e DVDs
nos gloriosos dias da pirataria.
Não vi o menino que
organizava a roda de samba aos sábados. Vende de tudo. O cabra se defendia na
percussão e no canto. Saca toda a discografia do Bezerra. A “banda” é formada com a turma do mercado. No
Ver o Peso o peão tem de jogar nas 11. Se virar como for possível.
A paga da roda de samba era
o litrão para a galera. Vez em quando rolava até tira-gosto. Também não enxerguei um fiel escudeiro do
sambista. A dupla formava uma espécie de Cosme e Damião do pedaço. Ele negociava
isqueiros.
Notei ao largo a senhora
negra, que mediava sexo com jovens para os veteranos do espaço. Vez em quando
andava com uma criança. Dizia que era neta. Uns alertavam: “qualquer dia tu
puxas uma cana por conta disso”. Uma das
pernas parecia bem inchada. Vender panos de cozinha é o caô por ela aplicado. Parecia
bem acabrunhada. Assim como um tatuador de obras rotas. Um das antigas. Velhos
barcos de trapiche sem idas e vindas.
Outro “brother” das
antigas, que vi em cadeira de rodas após ser agraciado por batida da “puliça” e
ser alvejado por vários tiros, tá roliço. Tá toba, como se diz em minha terra. Quando em
recuperação pelos tiros recebidos, ele rodava o mercado de cadeira de rodas auxiliado
por um ajudante. Uma das pernas era cheia daqueles ferros de recuperação. Ele é
do DI (Distrito Industrial), de Ananindeua, reconhecida quebrada da crônica policial.
“ Caralho doido, tu ainda
tá na pista, maluco. Égua, nem a Covid tomba vocês”, o saúdo. Ele sorri e pede
um copo de cerveja. Defender-se é preciso. Morrer não é preciso.
Sol de moer. Gente. Gente.
Gente aos montes. Não vi tanto cabo eleitoral a sacudir bandeira. A mesma bicicleta
do pendrive propaga o número de candidato ao legislativo de uma cidade em
frangalhos. Ao fim do anúncio, vaias sucediam. Patriotas, creio que era o partido.
Um ex atleta do Remo,
esguio, negro sempre anda aprumado. Tá sempre na área. Ele diz ter feito parte
da esquadra que derrotou o Flamengo no século passado em pleno Maracanã por
2x1, em 1975. Vez primeira que um time do Norte fez tombar o time de Zico,
Rondinelli e Junior em pleno Maracanã.
Alcino e Mesquita foram
os responsáveis pelos tentos do Remo, enquanto Zico diminuiu pelo Urubu, em
peleja testemunhada por 30 mil pessoas no mês de outubro, quando é celebrado o
Círio em Belém. Terá sido milagre?
O ex atleta sempre toma
uma no Veropa, faz circuito nas imediações da rodoviária, corre puteiros inclassificáveis.
Ele se diz advogado. Fui agraciado com dedo de prosa com ele.
Treta que ganhou em riqueza com um comparsa de 83, Seu Benedito, um cearense morador da
comunidade de Corta Corda, em Santarém, oeste paraense.
O senhor atarracado é peão de trecho. Diz ter chegado do Ceará, onde tem filho juiz. Sempre repete a prosa com orgulho. Já expansivo pelas cervejas consumidas, dana a provocar o advogado. Chamá-lo de bandido e de corno. O ex atleta leva na esportiva.
O baixinho alvo alega que
o esportista anda com esposa de “puliça”. Tudo é risos até o negro esguio
chamar o baixinho de viado. Zanga. Troca de rispidez. Fim de linha. Fim de
papo. Cada um para o seu lado. Uma jovem gordinha em trajes mínimos, altura
mediana, fofura a transbordar as vestes, a tudo espia. Tal um felino selvagem a
espreitar a lebre.
Ao contrário do Veropa,
no Mercado de São Braz, abundavam cabos eleitorais de diferentes tendências,
com proeminência à candidatura do professor psolista.
Um farrapo, assim se
encontra o belo mercado, tomado por lixo e urubus. Espelho do desprezo de duas
legislaturas tucanas, cujo principal empenho reside em tudo privatizar.
Ver o Peso de minhas
graças. Mercado de peixe, carne, ratos, urubus e garças. Ver o Peso de minhas de alegrias e mágoas. Ver o rio-mar, contemplar as ancas das moças
e senhoras, sorrir com os convivas dos causos contados, o corre aquieta. Até
breve, espero.
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