O reconhecimento ocorre
após 23 anos da chacina dos sem terra, num ambiente de avanço das forças mais retrógradas do país
Foto: Sebastião Salgado
No dia 17 de abril de
1996, sob a ordem do médico Almir Gabriel, então governador do estado do Pará
pelo PSDB, e do secretário de segurança Paulo Sette Câmara, 155 PMs comandados
pelo coronel Mário Colares Pantoja
e o major José Maria Pereira de Oliveira executaram 19 trabalhadores
rurais sem terra ligados ao MST, no lugar denominado de Curva do S, na PA 150
(hoje BR 155), no município de Eldorado do Carajás, sudeste do estado do Pará,
Amazônia Oriental.
Lembremos, o crime
aconteceu na presidência do professor Fernando Henrique Cardoso. No mesmo ano
de outro crime, a privatização da Vale. Crimes precedidos pelo Massacre de Corumbiara, ocorrido também em terras amazônicas, desta feita em Rondônia, em agosto de 1995. Oficialmente, 16 foram os mortos.
No lugar mais violento na
peleja pela terra do país, o sudeste e sul do Pará, sangue de camponesas/es e suas/eus apoiadoras/res encharca as terras, os rios e as florestas. São execuções e
chacinas marcadas pela lei da impunidade em sua grande maioria.
A morosidade/anuência
do estado tem desaguado em outras execuções e chacinas, como a realizada no
município de Pau D´arco, no ano de 2017, onde 10 camponeses, sendo sete da
mesma família foram assassinados. Aos moldes de Eldorado, tropas da PM com
auxílio da Polícia Civil assinam o crime. Nas Amazônias, em solo paraense em
particular, um riomar de impunidade a perder de vista sangra o estado.
No caso do Massacre de
Eldorado, tiros foram desferidos a queima roupa na cabeça e órgãos vitais,
atestou o laudo do IML. A estimativa é que pelo menos 10 sem terra foram executados
nestes moldes. Os militares também usaram ferramentas de trabalho dos
camponeses – foices e facões- para mutilar os corpos.
Um caminhão fez o
translado, que na sede do IML foram espalhados pelo chão e em algumas pedras fúnebres.
Não havia pedras para tantos corpos. As fotos são aterradoras. Outro tanto de
gente ainda hoje carrega no corpo balas que nunca foram retiradas. No corpo e
n´alma, existe mais que balas, cicatrizes e dor, pulsam traumas.
Foto: Sebastião Salgado
Nenhum militar que
realizou a operação sem a devida identificação profissional morreu na
empreitada, que segundo relato de ativistas, contou com apoio de um consórcio de
fazendeiros da região e de estados vizinhos.
O modus operandi do
setor, que tem na grilagem o principal expediente para apossamento de terras
públicas é conhecido pelo próprio estado. Assim como a realização de lista com
preço pela morte/cabeça dos ativistas que ocupam a linha de frente pela defesa
da reforma agraria, direitos humanos e o meio ambiente.
E, por defenderem uma
modalidade contrária ao uso intensivo dos recursos da floresta [ao menos o que
restou dela do processo de integração física da região], tombaram no município
de Nova Ipixuna, no dia 24 de maio de 2011 o casal de extrativistas Maria do
Espírito Santo e José Cláudio. O extrativista, dias antes havia tornado público
as ameaças que vinha sofrendo. O estado nada fez para garantir a segurança do
ambientalista.
Foto: Revista Trip
E o já significativo
rosário de impunidade da luta pela terra e dignidade em solo amazônico ganhou
novas contas e o riomar de tristeza mais lágrimas e indignação.
A brutalidade do estado projetou o longínquo município de Eldorado do Carajás para o mundo. Tem sido assim ao longo dos séculos a trajetória de saque aos recursos da região, marcada pelo sangue dos que historicamente socializam as tragédias promovidas pelo avanço do grande capital sobre a derradeira fronteira do capitalismo.
A brutalidade do estado projetou o longínquo município de Eldorado do Carajás para o mundo. Tem sido assim ao longo dos séculos a trajetória de saque aos recursos da região, marcada pelo sangue dos que historicamente socializam as tragédias promovidas pelo avanço do grande capital sobre a derradeira fronteira do capitalismo.
Os massacres de Corumbiara
e Eldorado representam elementos que colaboraram a partir da tragédia, reconfigurar o território da região. O estado pressionado tanto pelos
movimentos sociais nacionais e do mundo, e mesmo pelo grande capital,
reconheceu em massa inúmeras áreas ocupadas – algumas com mais de duas décadas
de luta – como projetos de assentamentos (PA) da reforma agrária. Até outro
dia, eles representavam mais de 50% de todo o território do sudeste e sul
paraense.
Por conta das
constantes disputas pela terra entre o grande capital, em particular a Vale e
seus respectivos empreendimentos, e a precária condição de reprodução da vida
em alguns PAs, tudo sofre reconfiguração de forma acelerada, e novos
latifúndios acabam por se formar.
Em locus marcado pela disputa pela terra, o subsolo e o que sobrou de
floresta e de rios é reconhecida a riqueza mineral em solo que abriga o garimpo
de Serra Pelada. Nestas paragens, num piscar de olhos, nada é do jeito que foi
há um segundo. Corporações do grande capital, indígenas, camponeses e
garimpeiros constam entre os sujeitos que agudizam nas disputas materiais e
simbólicas da região.
Nas arenas de disputa, cumpre
sublinhar a educação como o campo, - creio eu-, onde se processou de forma
mais acentuada a territorialização camponesa. Além de turmas especiais na
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que possui a
Faculdade de Educação do Campo, vale realçar de forma contundente o Campus
Rural do Instituto Federal do Pará (IFPA).
Este erguido em terra
grilada pelo clã mais violento da região, a família Mutran, hoje em par/mancomunada
com o “banqueiro” Daniel Dantas. Alguns grilos
foram por ele “adquiridos”.
Um dos castanhais grilados pelos Mutran, tinha a denominação de fazenda Cabaceiras, após a ocupação realizada pelo MST em 1999, virou o PA 26 de Março. Ele foi oficializado em dezembro de 2008, após quase uma década de ocupação, várias reintegrações de posse e ações de pistoleiros.
A data faz homenagem pela passagem de ano de assassinato dos dirigentes do MST, Onalício Araújo Barros (Fusquinha) e Valentim Serra (Doutor). Eles foram tocaiados por fazendeiros no município de Parauapebas, na fazenda Goiás II. Como outros crimes contra trabalhadores, permanece impune.
Parte do território acomoda o IFPA. No antigo grilo, além de hospedar um cemitério clandestino com ossadas de desafetos e camponeses, registrou trabalho escravo e crimes ambientais. Ressignificar tal espaço como um território de educação para filhas e filhos de camponeses, indígenas e quilombolas é de uma força simbólica contagiante.
Foto: reintegração realizada em 1999/J Sobrinho- Correio do Tocantins
A data faz homenagem pela passagem de ano de assassinato dos dirigentes do MST, Onalício Araújo Barros (Fusquinha) e Valentim Serra (Doutor). Eles foram tocaiados por fazendeiros no município de Parauapebas, na fazenda Goiás II. Como outros crimes contra trabalhadores, permanece impune.
Parte do território acomoda o IFPA. No antigo grilo, além de hospedar um cemitério clandestino com ossadas de desafetos e camponeses, registrou trabalho escravo e crimes ambientais. Ressignificar tal espaço como um território de educação para filhas e filhos de camponeses, indígenas e quilombolas é de uma força simbólica contagiante.
Foto: Campus IFPA Rural de Marabá-PA/internet
Mas, a força do capital
também se faz representar na Unifesspa a partir do Campus II de Marabá,
dedicado a engenharias e Geologia. Nele, construído com o apoio da mineradora
Vale, predomina a agenda da empresa.
Nesta mesma toada do
universo simbólico do Campus Rural do IFPA, o mesmo estado que ordenou a execução
dos camponeses em Eldorado do Carajás, reconheceu no dia 22 de maio deste ano,
a partir da Lei de nº8.856, o espaço da Curva do S como patrimônio histórico e
cultural. Formalmente o projeto foi encaminhado pelo deputado estadual Dirceu Ten Caten (PT).
O mesmo será destinado a
manifestações artísticas e culturais, e assim visa preservar a memória para que
novos crimes do mesmo calibre não venham a se repetir. Ironia da vida, o filho
de Jader Barbalho, o hoje governador Elder, assina o documento. Veja AQUI
A medida ocorre num
contexto marcado pelo avanço dos setores conservadores do país, onde possui
certa hegemonia o agrário e o militar – bancada da bala-, que buscam revisar ou extinguir o
código do desarmamento, normas jurídicas que em certa
medida consagraram os direitos das populações originárias, em particular os
territórios de indígenas e quilombolas.
Ayala Lindaberth, uma
jovem educadora negra e filha de imigrantes, veterana militante do MST, sobre o
reconhecimento do estado sobre a Curva do S como espaço para educação e a
cultura, avalia que “Já estamos há algum tempo na construção desse
reconhecimento da Curva do S como espaço sagrado dos camponeses/as na luta pela
terra e pela reforma agrária em um estado e região tão marcados pela violência
e pela negação dos direitos humanos, a ter vida feliz e digna”.
A dirigente acredita que os atos políticos, culturais
e religiosos que realizam a cada mês de abril na Curva do S se inscrevem no
propósito em manter viva e presente a memória dos que tombaram pelo sonho da
liberdade da terra e da reforma agrária. “Neste sentido, vejo que o reconhecimento
dado pelo estado do Pará é um marco importante, e que será inscrito no
capítulo da história de 23 anos do massacre de Eldorado do Carajás”
arremata a sem terra.
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