Amazônia. O calor é
escaldante. Racha a taboca, como se diz no trecho. Em média 40º na sombra. Clima
incensado por poeira e queimadas. “Cu do diabo”, resmunga um vizinho de mesa.
Numa feira de cidade média,
o cão espia a máquina a assar os frangos. Ao lado um monte de sacos de carvão. Nutro
preferência pelo frango assado em brasa. Acredito que fica mais saboroso. O frango
assado é a salvação do solteiro ou do preguiçoso.
No restaurante acanhado,
dono de raras cadeiras, duas senhoras gordinhas zelam pela comida. Dez “paus” o
prato feito (PF). É bem servido. Paga o preço. O movimento é tímido. Mas, todos os dias, ao
meio dia, uns cinco peões religiosamente tomam uma mesa.
Além de comida, o
restaurante negocia cerveja em lata. Duas grandes TVs exibem jogos ou programas
de esporte, conforme o calendário e o horário dos jogos. Um aparelho fica na
entrada da empresa, e a segunda na parede externa.
A TV da rua é sucesso de
público. Pode até ser jogo da segunda divisão. À frente do aparelho sempre
precipita uma pequena multidão a insultar o técnico, como ocorre nos jogos do
Papão.
Em dois sacos um senhor
acomoda a empresa. Os sacos estão amarrados a um banco de metal. O corpo do
negociante de badulaques eletrônicos é franzino. Estranho um senhor a negociar
eletrônicos: brinquedos, pendrives, rádios e outros penduricalhos. O chapéu protege a cabeça do sol. Ele acomoda
os sacos sobre à mesa que ocupo.
De um dos sacos ecoa um
choro clássico, Lamentos, atribuído a Pixinguinha e Vinicius de Morais. Parada
do começo do século passado. Indago ao comerciante informal: “ é um choro. É rádio?
Ele responde: “um pendrive. Negocio. ” Ele não insistiu em passar a peça para
frente. Apanhou o PF e seguiu porta à fora.
À porta um senhor cego e
negro estaciona. Com o olhar típico de quem não enxerga dana-se a contar as
cédulas de um dos bolsos da camisa encardida. Há várias de cem reais. Uma delas
cai. A parceira dele não nota. Alguém avisa. Ainda existe humanidade na aridez
diária, presumo. Ela agradece por mais de uma vez. “ Deus o guarde!” “Deus o
guarde!” “Deus o guarde!”