O futuro de Cauã
-Uma reflexão as margens da Ferrovia Ferro Carajás-
Estamos acostumados a escutar estórias em roda de amigos, em prosas que referem-se ao dia a dia de nossas comunidades, cidades, regiões. Penso que deve ser assim em qualquer parte do pais e do mundo, pois mesmo com internet - e suas inumeráveis ferramentas e aplicativos - homens e mulheres ainda utilizam as rodas de conversa pra trocar ideias, protestar, planejar, reclamar ou ainda alimentarem-se de sonhos de que a intervenção humana pode alterar as coisas...para melhor.
Nesses dias, onde as reuniões partidárias já não movimentam nenhuma nobre causa à qual possamos dedicar um gota qualquer de sacrifício, e os monólogos intermináveis causam sono e irritação, Chicão fez ressuscitar a minha já moribunda fé na dimensão humana. Com sua fala marcada por uma indignação frente a tudo que é injusto, ele descreveu que quando passava por uma das pequenas cidades por onde cruzam os trens da Vale, sua filha, ao ver meninos trepados aos bandos nos trem, a vender bugigangas, lembrou de um outro menino, aparentado seu...e quis chorar...
Chicão disse que perguntou a filha porquê de tal comoção. Ela disse: Será que esse vai ser o futuro de Cauã? O dê - como aqueles meninos - ter como marca da infância a disputa da sobrevivência vendendo amendoim, “geladin” ou um “bandeco” as beiras da ferrovia?
Já não lembro qual fora a resposta do pai, assim como não sei nome da cidadezinha descrita por ele. Mas sei quantas cidadezinhas se parecem com aquela, localizadas no entorno da Ferrovia Ferro Carajás. Não conheço Cauã, mas minha memória não esquece das centenas e centenas de rostos que poderiam ser de Cauã, subindo e descendo dos trens ao longo da ferrovia que liga as minas da Serras de Carajás ao porto de São Luiz do Maranhão.
Nada mais indignante pode ser visto a olho nu, em pleno século XXI, as margens da ferrovia que alimenta com fabulas bilionárias a maior empresa mineral do País. É só olhar pelas janela do trem. Quantas escolas, posto de saúde, praças, podem ser vistas...quantas casas construídas com algum nível de conforto...quantos sorrisos - quando há - que expressem dentição completa. Quantas mulheres com expressão que não seja a do sofrimento e mesmo de uma certa quantidade de vergonha, por estarem na parte de fora de um trem que leva riqueza para poucos e socializa miséria e pobreza para muitos.
O Maranhão que conheço, padece - assim como seu estado irmão, o Pará - de umas das mais brutais e odiosas formas de saque de suas riquezas minerais. Padece da mais desumana forma de espoliação dos tempos modernos. Os indicadores sempre marcados por recordes de produtividade e lucros da Vale, se cruzam com os piores indicadores de desenvolvimento humano. Basta ver desde os números do IBGE aos registro de óbitos de qualquer cemitério de Imperatriz, Marabá ou Parauapebas.
A Vale - mega empresa minerária que a 30 anos, se estabeleceu como senhora de todas as riquezas dessas terras - gasta mais em publicidade arrotando sustentabilidade ambiental e social, do que com o mínimo de formas compensatórias que tire do obscurantismo e da pobreza milhões de patrícios nossos. Irmãos da mesma classe condenados a miséria social, pena secular a que estão submetidas pela “sagrada aliança” entre interesses das transnacionais e as oligarquias atrasadas e reacionárias do campo que, desde o tempo das capitanias hereditárias, oprimem nosso povo e criam obstáculos para o despertar da Nação.
E me vem à mente balaios e cabanos de outrora. Quanta dignidade e rebeldia sepultadas. Quanto futuro enterrado sob destroços dos bombardeios do senhores da terra, dos senhores da guerra, dos senhores da hipocrisia que espalham-se por outdoors e cartazes num riso cínico e amarelo, para dizer que na esteira das ferrovias virá o progresso e a salvação dos “miseráveis, bárbaros e selvagens” que não conhecem nada e nada tem, a não ser o futuro com cara da opressão de passado colonial. O futuro que não queremos.
Quem sabe se nosso futuro não seja justamente a de nosso passado anticolonial, como um balaio diverso de possibilidades entre as cabanas que margeiam as laterais da estrada de ferro, que liga a montanha que se desfaz é o mar. Mar que sempre nós leva riquezas e que jamais nos trouxe sinal algum de emancipação.
Qual o futuro de Cauã? Espero que o da estória de Chicão tenha um destino que fuja a regra, porque sei que para os de milhares de Cauãs, será a secular condenação à exclusão. Cauã não terá escola de qualidade. Não terá assistência médica. Não terá acesso a emprego nem renda. Nem direito a habitação digna. Será aquele que não terá o direito de atravessar os trilhos para outro rumo que não seja aquele já definidos pelos ricos. Ou ainda seguir aquele caminho, dos tantos, que levam para o lado de dentro do Presidio de Pedrinhas...porque lá estão os bandidos pobres que vieram de todas as vias que chegam a capital. Lá onde não estão os ladrões ricos, porque estes estão nos assentos de Governo, por trás das togas do judiciário e sob os paletós engravatados dos parlamentares que roubam milhões do dinheiro público, e por isso matam, a sangue frio, o futuro de crianças parecidas com Cauã.
Mas minha já ressuscitada fé na humanidade, me faz crer, que nas trilhas que levam nossas riquezas para outros cantos do planeta, há de nascer resistência e consciência, que se levante com cara de quilombola, índio, camponês operário, estudante, Sem Terra, mulher, homem...armados ou não, para a redenção de séculos de dominação e opressão.
Monção se levanta…o trem passa outra vez. Já sei contar quantos.
Amanhã Cauã não vai correr rumo ao trem.
Palmares/Parauapebas,13 de maio de 2014
J.Neri
O drama da contemporaneidade está expresso em todas as suas cores nas palavras do Jorginho, velho companheiro de lutas politicas da década de 80.
ResponderExcluirJorginho é um grande camarada
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