sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Amazônia profunda: os sapatos sujos do repórter Ismael Machado



As Amazônias do Brasil são várias. Tenho dito. Na vastidão desses mundos de cidades, vilas, lugarejos, aldeias, quilombos uma diversidade de gentes aqui nascidas, e outras que para cá vieram conformam uma sociodiversidade.  São negros, índios, mestiços, migrantes locais e muitos de além rio-mar. 

Boa parte dessa gente é invisível. São indígenas, quilombolas, agricultores, coletores de recursos da floresta que teimam em viver em terra firme, ilhas, às margens das rodovias ou várzeas.

Na cidade, uma parcela significativa ocupa a informalidade.  Na Amazônia brasileira o Pará, segundo estado em extensão territorial do país, essas gentes integram índices que sinalizam a má qualidade de vida da população. Uma pesquisa indicou que pelo menos 40% da população do estado sobrevive na linha da miséria. Pará: tão rico! Tão pobre! 

É gente sem letra, sem terra, às vezes desprovida de dentes, mas, não de sonhos, desejos, e sempre com suas dores.  Pregadores sem templo, caso de Severino que insiste na palavra de deus no Centro de Belém. O artista de rua que cruza o país, o reparador de sapatos. As senhoras do sobrado da agitada Av. Almirante Barroso. 

O repórter do Diário do Pará, Ismael Machado compilou na obra Sujando os sapatos: o caminho diário da reportagem, uma fatia do vasto mundo amazônico do Pará.   O humano, demasiadamente humano é o centro de gravidade do livro, que cometeu a heresia em fugir do lugar comum e das regras da rotina do jornal diário. O livro é uma edição do Diário do Pará.

Na imensidão de boas histórias garimpadas encontram-se ainda jogadores de futebol que não vingaram em grandes clubes, índios Tembé da conflituosa região do Gurupi, fronteira do Maranhão com o Pará.  E ainda os garimpeiros de Serra Pelada, sudeste do Pará, que após mais de três décadas ainda aguardam o despontar da laje de ouro.     

Sem receio de sujar os sapatos, e obedecendo a máxima que lugar de repórter é na rua, o autor enfrentou rodovias precárias, rios, furos, pontes e pinguelas na colheita de histórias dos invisíveis.

Machado apanha as histórias de pessoas comuns e as trata numa linguagem literária. Assim tece um mosaico mais que interessante sobre as gentes do Pará. Uma narrativa humana, demasiadamente humana, que veteranos e jovens jornalistas deveriam consultar.

Ao ler a derradeira página de Sujando os sapatos lembrei de João Antônio (Leão de Chácara) e Jack London (Povo do Abismo). Assim emergiu uma teima pessoal: estamos no lugar mais bacana do planeta. Apesar dos pesares.

Que deus proteja os hereges.  

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