As Amazônias do Brasil são
várias. Tenho dito. Na vastidão desses mundos de cidades, vilas, lugarejos,
aldeias, quilombos uma diversidade de gentes aqui nascidas, e outras que para
cá vieram conformam uma sociodiversidade.
São negros, índios, mestiços, migrantes locais e muitos de além rio-mar.
Boa parte dessa gente é
invisível. São indígenas, quilombolas, agricultores, coletores de recursos da
floresta que teimam em viver em terra firme, ilhas, às margens das rodovias ou
várzeas.
Na cidade, uma parcela
significativa ocupa a informalidade. Na
Amazônia brasileira o Pará, segundo estado em extensão territorial do país,
essas gentes integram índices que sinalizam a má qualidade de vida da
população. Uma pesquisa indicou que pelo menos 40% da população do estado
sobrevive na linha da miséria. Pará: tão rico! Tão pobre!
É gente sem letra, sem terra, às
vezes desprovida de dentes, mas, não de sonhos, desejos, e sempre com suas
dores. Pregadores sem templo, caso de
Severino que insiste na palavra de deus no Centro de Belém. O artista de rua
que cruza o país, o reparador de sapatos. As senhoras do sobrado da agitada Av.
Almirante Barroso.
O repórter do Diário do Pará,
Ismael Machado compilou na obra Sujando os sapatos: o caminho diário da
reportagem, uma fatia do vasto mundo amazônico do Pará. O humano, demasiadamente humano é o centro
de gravidade do livro, que cometeu a heresia em fugir do lugar comum e das
regras da rotina do jornal diário. O livro é uma edição do Diário do Pará.
Na imensidão de boas histórias
garimpadas encontram-se ainda jogadores de futebol que não vingaram em grandes
clubes, índios Tembé da conflituosa região do Gurupi, fronteira do Maranhão com
o Pará. E ainda os garimpeiros de Serra
Pelada, sudeste do Pará, que após mais de três décadas ainda aguardam o despontar
da laje de ouro.
Sem receio de sujar os sapatos, e
obedecendo a máxima que lugar de repórter é na rua, o autor enfrentou rodovias
precárias, rios, furos, pontes e pinguelas na colheita de histórias dos
invisíveis.
Machado apanha as histórias de
pessoas comuns e as trata numa linguagem literária. Assim tece um mosaico mais
que interessante sobre as gentes do Pará. Uma narrativa humana, demasiadamente
humana, que veteranos e jovens jornalistas deveriam consultar.
Ao ler a derradeira página de
Sujando os sapatos lembrei de João Antônio (Leão de Chácara) e Jack
London (Povo do Abismo). Assim emergiu uma teima pessoal: estamos no lugar mais
bacana do planeta. Apesar dos pesares.
Que deus proteja os hereges.
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