sábado, 28 de maio de 2011

A MAJESTADE FICOU ÓRFÃ



William Santos de Assis (Lasat/NCADR/UFPA).

Vi a frase acima num vídeo do cortejo fúnebre do Zé Cláudio e D. Maria. A faixa era carregada por parentes do casal. Para quem ouviu Zé Cláudio falando sobre a convivência com a floresta embaixo da copa da Majestade, pode imaginar a força dessa expressão. Ele se referia à castanheira centenária como sua irmã. Durante a conversa ele acariciava a Majestade, explicava que ela ultimamente produziu poucos frutos, porque andava meio cansada, mas que nos próximos anos voltaria a sua força máxima. 

“É assim mesmo, um ano ela produz muito, no outro diminui um pouquinho, mas sempre produz”, dizia. Zé Cláudio parecia entender perfeitamente as razões da variação de produção da Majestade e não reclamava. Lição primordial para a convivência com a floresta: aceitar seus limites e transformá-los em vantagem. 

Zé Cláudio e D. Maria não deixaram órfãos apenas a Majestade. Todos os que acreditam numa sociedade diferente, regida por outros princípios, estão de certa maneira com esse sentimento. 

No entanto, as manifestações de indignação no Pará, no Brasil e no mundo mostram que não temos muito tempo para chorar a dor. No mesmo dia do assassinato do Zé e D. Maria foi aprovado na Câmara Federal um Código Florestal que retrocede em seus atos de regulação do uso dos recursos naturais.

Antes da aprovação do Código Florestal, deputados e assistentes vaiaram o anuncio da morte do Zé Cláudio e D. Maria, numa atitude de extrema insensibilidade e de desvalorização da vida humana, para dizer o mínimo. 

Se esses “representantes do povo” reagem dessa maneira frente a um brutal assassinato, imaginem a preocupação que terão com as árvores, nascente e margens de rios, animais silvestres, microorganismo do solo e aéreos e outros viventes da floresta.

Alguns dias depois do assassinato do Zé Cláudio e D. Maria, tombou Adelino Ramos na divisa de Rondônia com o Amazonas. Adelino também era líder de um Projeto de Assentamento Florestal (PAF). Assim como Zé e D. Maria, Adelino já havia sofrido ameaças. Por trás da culatra os mesmos algozes, madeireiros ávidos de lucro fácil com a exploração ilegal das espécies florestais de alto valor econômico. 

Que sociedade é essa: onde quem luta pelo bem comum é penalizado? Onde o direito de optar por uma vida mais equilibrada com a natureza é cerceado! Onde o poder econômico decide sobre a vida e a morte? Onde a perda da vida por uma causa justa é vaiada na “Câmara do povo”!?Onde a vítima é mutilada com o intuito de gerar uma prova do ato desumano?

Definitivamente, não é essa a sociedade que queremos para nossos descendentes. Vamos fazer o que Zé Cláudio e D. Maria certamente fariam: lutar sem medo por uma sociedade diferente. Não podemos recuar diante dessa ofensiva da barbárie. Vamos à luta com as nossas armas: a denúncia, a palavra, a atitude, o estudo, o ensino e a coragem. 

São Leopoldo – RS, 28 de maio de 2011

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