O vendaval da especulação da economia fez com que o pólo de siderurgia de Carajás entrasse em refluxo. As empresas instaladas nas cidades de Marabá, sudeste do Pará e no município de Açailândia, oeste do Maranhão, promoveram vários expedientes para manter o quadro funcional, entre eles férias coletivas.
José Sampaio, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia, reflete que o clima é de incerteza. A imprensa local salienta que o comércio local já foi atingido pela crise e que houve uma redução de 25% de sua dinâmica. Sampaio informa que o setor deu férias coletivas a 20% dos funcionários no dia 31 de outubro. O sindicato tem orientado para que os operários não façam dívidas.
Foto-R.Almeida - presidente do Sindicato dos Metalúrgicos teme a perda de postos de trabalho-Açailândia-MA
O ferro gusa da região tem os EUA como o principal destino. O mercado americano consumiu no ano passado cerca de 5.95 milhões de toneladas, mais de 60% das exportações nacionais. A queda de preços tem sido vertiginosa, a tonelada que chegou a U$900 no começo do ano, em agosto ocupou a casa de U$500 a U$600, e por último as empresas estrangeiras ofereciam U$380, quando o patamar suportável é a casa dos U$500, conforme matéria do Valor Econômico do mês de outubro.
O site oficial do evento festeja a participação de 85 empresas de várias partes do país, como São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Ceará, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia, deste total 25 empresas são do Pará. O estado é um gigante do setor, e muito se deve aos números estratosféricos da mina de Carajás.
Cogita-se que pelo menos cerca de 80% do superávit da balança comercial do Pará deve-se ao extrativismo do minério de ferro. A se considerar o delicado contexto, o evento que propagou ser uma oportunidade de lançamento de novas tecnologias e métier de negócios, deve te ganho outros ares.
O clima do evento tornou-se mais sombrio com a libertação de 51 pessoas em condições análogas a escravidão em carvoarias no sudeste do Pará no dia da abertura. Entre os libertados mulheres e menores de 15 anos. Foto-Roberto Ripper- www.imagenshumanas.com.br
Em um trecho da análise o professor enfatiza: “Enquanto a maior parte da humanidade vê no aquecimento global a iminência de uma tragédia ímpar, os bens aventurados do capital, já sentem no ar o cheiro de oportunidades para o lucro. Para essa parcela, a sustentabilidade tornou-se uma forma de agregar valor às marcas de seus produtos e ao capital de suas empresas. É o chamado capitalismo verde, que vem ganhando a adesão de empresas (na maioria, corporações globais) como um novo Eldorado.”
Foto-R.Almeida - ponte ferrovia por onde o minério de Carajás para o pólo de Açailânida. Abaixo o riacho Quarenta-Açailândia-MA
Foto- R.Almeida - ponte ferroviária por onde chega o minério de Carajás-Pequiá-Açailândia-MA
O Pólo de Carajás – Em artigo do sociólogo e agrônomo Raimundo Gomes da Cruz Neto, ele dispara que já no século VII tem-se registro da atividade de siderurgia no mundo. No século XIX a indústria impulsionou a economia dos Estados Unidos. No Brasil a atividade ganha relevância no início dos anos de 1930, tempos de Getúlio Vargas. A atividade aporta no Pará nos anos 1980, através do Programa Grande Carajás (PGC), ao apagar da ditadura militar. O autor acompanha os abissais processos de transformações da região de Carajás de velha data.
15 empresas constituem o pólo, sendo oito no Pará e sete no Maranhão - são responsáveis, atualmente, por mais de 60% das exportações brasileiras de ferro-gusa, o principal insumo na indústria do aço, informa site do Sindicato das Empresas de Ferro Gusa do Estado do Pará. Um dos setores interessados é a indústria bélica.
A Vale é quem fornece a matéria prima para a produção de gusa do pólo de Carajás, que há mais de duas décadas ativa uma série de cadeias de destruição ambiental e de formas análogas de trabalho escravo através da produção de carvão vegetal.
Medidas mitigadoras?
A pressão nacional e internacional fez com que o setor lançasse em fevereiro de 2007, um fundo de reflorestamento. 11 empresas aderiram. A iniciativa é no mínimo estranha, posto entre as exigências para a instalação das empresas na região, que se deu a partir de uma política de renúncia fiscal através da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), um dos itens impostos recai sobre uma política de reflorestamento. Uma outra medida, esta no sentido de fazer oposição ao trabalho escravo foi a criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC), ou seria uma mera questão de markenting, travestida em responsabilidade social?
Por essas e outras as siderúrgicas foram multadas em R$ 550 milhões no ano de 2005, que poderia chegar a até R$ 770 milhões, se fosse aplicado o que rege o Código Floresta e a Lei de Crime Ambiental. Hoje, só no Distrito Industrial de Marabá estão em funcionamento oito siderúrgicas, perfazendo um total de 17 alto fornos, para uma produção de quase três milhões de toneladas de ferro-gusa, recupera Raimundo Gomes em artigo intitulado Siderurgia em Carajás- 20 anos de destruição. No Pará a Secretaria de Meio Ambiente realizou várias operações de fiscalização para ajustamento de condutas das empresas.
Foto-R.Almeida-Caçamba deposita mais escória na montanha do resíduo de ferro gusa-Pequiá-Açailândia-MA
Neste contexto a monocultura de eucalipto tem assim florescido em alguns municípios do nordeste do estado, na região de Paragominas e em Marabá e São João do Araguaia, a sudeste. No Maranhão existe desde remotos tempos, com a destruição do cerrado. O propósito era a implantação de fábrica de celulose, que não veio a deslanchar, devido ao recuo de um grupo oriental. O que ocorreu foi o não cumprimento de um item do acordo por parte das empresas. Um dos muitos descumpridos.
Maurílio de Abreu Monteiro, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que para a produção de uma tonelada de ferro gusa é preciso queimar 2,6 toneladas de madeira. Como a produção de gusa na região Norte em 2003 foi de 2,2 milhões de toneladas, isso representa a queima de 5,7 milhões de toneladas de madeira. David Carvalho, economista, também professor da UFPA em vários artigos sobre a mineração atesta tratar-se de um projeto de enclave, em resumo, não dinamiza a economia local.
Antes do turbilhão da crise, o cenário da mineração no Pará vivia um momento de ampliação com a expansão de várias frentes de exploração, que ultrapassam a fronteira de Carajás, como no caso dos municípios de Ourilândia do Norte, Tucumã, Xinguara, São Félix do Xingu, Paragominas e Juruti. Vale e Alcoa protagonizam o momento de transbordamento das frentes.
Momento marcado por tensão entre trabalhadores rurais assentados pela reforma agrária a Mineração Onça Puma, do grupo Vale. As organizações de defesa dos direitos humanos da região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), tornaram a situação pública.
Não bastassem as questões de ordem ambiental e social, soma-se ao setor a Lei Kandir, que isenta de imposto a exportação dos minérios e semi-elaborados. O descompasso rege a modalidade de extrativismo mineral, enquanto o faturamento da Vale cresce, somente no Pará tem sido maior que o crescimento nacional, a região de Carajás coleciona passivos de toda ordem.
Foto-R.Almeida - montanha de escória da produção de ferro gusa-Pequiá-Açailândia-MA
Gusa em Açailândia- A oeste do Maranhão no município de Açailândia operam quatro empresas, Vale do Pindaré, Viena Siderúrgica, Gusa NE e Fergumar y Simasa. Relatórios da área ambiental atestam que as empresas não nutrem demasiado zelo quando o assunto é meio ambiente. Todos os resíduos ganham a vizinhança sem nenhum tratamento, Famílias afetadas pelas poluições das empresas, em particular da GUSA NE, com sede em Belo Horizonte e filiada ao ICC, têm denunciado a questão. Ao total são 20 processos contra a empresa, que dura mais de três anos. As mesmas reivindicam indenizações da gusa.
Foto-R.Almeida - placa adverte que escória da gusa pode matar-Pequiá-Açailândia-MA
Foto- R.Almeida- Em Pequiá as casas são simples e não há saneamento básico-Açailândia-MA
Um estudo realizado pela engenheira ambiental Mariana de la Fuente Gómez, datado de 2007, ratifica os dados sobre os danos ao meio ambiente e à saúde dos moradores da região. Edvar e Joaquim, dois senhores que mobilizam os moradores para a organização da luta pelos seus direitos, lembram que a comunidade existe desde a década de 1970, e que o pólo começou nos anos 1980. Eles lembram que ainda havia muita mata na região e que a exploração da madeira foi a primeira frente da economia do lugar.
Foto-Irmão Antonio- tempestade de escória em Pequiá-Açailândia-MA
Distrito de Pequiá
As casas ficam emprensadas entre a BR-222, num elevado, e a empresa. A perícia indica que a presença das famílias antecede as empresas. A idade das árvores dos quintais, muitas com mais de 20 anos, que ultrapassa o período de instalação das gusas atesta a tese.
Foto-R.Almeida - cenas cotidianas de Pequiá-Açailândia-MA
Foto-R.Almeida- Gusa NE- quintal de D. Franscisca-Pequiá-Açailândia-MA
Foto- R.Almeida-Sr. Edvar mostra o seixo usado na fábricação da gusa- Pequiá-Açailândia-MA
Foto-Irmão Antonio- poluição no Destrito de Pequiá-Açailândia-MA
A empresa não conta com rede de captação e tratamento de águas pluviais. Os resíduos são lançados para fora da empresa para uma lagoa 400 metros de distância. Há registro da poluição das águas dos poços consumidas pelos animais domésticos, que fazem parte da dieta das famílias.
Um grave problema é a escória, que alguns tratam de munha ou moinha. Uma parte do resíduo pode ser usada na construção civil, calçamento de rodovias ou como suporte de construção de ferrovias. Uma outra se devidamente tratada, pode ser usada em fertilizante.
O contato com o ambiente pode causar sérios danos à natureza e intoxicação de plantas, pessoas e animais. A escória é depositada a céu aberto próximo a um riacho conhecido como Quarenta, ainda que poluído, continua a ser lugar de diversão de alguns moradores. É comum a lavagem de carros e a visita de animais.
O laudo de Brigatto propõe que a empresa se equipe com filtros anti-partículas nas chaminés, incineradores de gases e rede de drenagem. E que a escória seja acodicionada em uma caixa de concreto, ao contrário do que ocorre hoje, uma montanha a céu aberto sujeita a ser espalhada sobre as moradias próximas por conta das pancadas dos ventos. O laudo sugere a remoção das famílias que moram próximas à GUSA NE.
Vizinhos em conflito
Francisca da Silva é uma senhora negra e energética. Fala com profunda indignação sobre os impactos da fábrica, que praticamente fica no quintal de sua casa, Dona Francisca reclama do ruído da fabrica, posto a indústria operar 24h ininterruptamente. “Tenho um marido adoentado pelo derrame. Outro dia a fábrica soltou um gás na madrugada. Todo mundo da casa saiu correndo para a rua com medo de explosão”, informa a senhora.
Foto-R.Almeida-D. Francisca- queixa-se da poluição das fábricas-Açailândia-MA
Os relatórios do CDVDH indicam que o primeiro ocorreu em setembro de 1992 com um garoto de oito anos. O segundo com outro garoto de sete anos Gilcivaldo Oliveira de Souza. A família indica que o menino se acidentou na montanha da escória e que provocou queimaduras de terceiro grau. Gilcivaldo veio a óbito no mês de dezembro do mesmo ano do acidente.
Foto-R.Almeida- sede do CDVDH-Açailândia-MA
Foto-irmão Antonio- Seminário Justiça nos Trilhos- Pequiá-Açailândia-MA
Justiça nos Trilhos
As demandas colocadas acima é que mobilizam um coletivo de organizações populares no movimento Justiça nos Trilhos. O gripo pretende fazer o debate sobre as questões no Fórum Social Mundial, que ocorre entre janeiro e fevereiro de 2009, em Belém. O coletivo busca a partir de estudos que estão sendo realizados pelas universidades federais do Maranhão e Pará, a construção de medidas que diminuam os impactos do setor nas comunidades atingidas e a garantia de um fundo de desenvolvimento, extinto após a privatização da Vale em 1997.
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