A descoberta da grande reserva de minério na serra de Carajás na década de 1960 reorientou todo o cenário econômico, político, social e territorial nas regiões sul e sudeste do Pará. Novos municípios germinaram, os fazendeiros tradicionais foram, em certa medida, postos de lado. Coube ao Estado o papel indutor na economia. As obras de infra-estrutura baseadas em rodovias, ferrovias e hidrelétricas trouxeram uma multidão de migrantes. Sem falar no garimpo de Serra Pelada.
Anos depois, na década de 1980, a região de Carajás experimentou agudas disputas pela terra, o que redundou num dos capítulos mais violentos na Amazônia contra as ações dos camponeses. Repressão similar sofrida pelas insurreições de séculos idos, como as chacinas que se precipitaram sobre os movimentos da Cabanagem (1835-1840), no Pará e Canudos (1896), na Bahia.
Até a consolidação de um conjunto de instituição de representação do campesinato no sul e sudeste paraense, isso nos anos de 1990, inúmeras mediações foram necessárias: Igreja Católica, Partidos Políticos, universidades e ONG´s, estão entre os agentes. Até muito pouco tempo as diferenças entre fazendeiros e camponeses eram resolvidas na base do calibre do trêsoitão numa região marcada pela militarização.
A região de Carajás, dona de uma dinâmica ímpar, na derradeira década padece de outras modificações em seus ares econômicos, políticos, sociais e sobre o território. A Vale se consolidou como o principal agente de indução na definição dos territórios. Não menos importante é a presença do campesinato, que controla cerca de 52% do território sudeste paraense, a partir da efetivação de projetos de assentamento da reforma agrária, que ainda pulsa em tensão de grandes áreas dedicadas à pecuária.
A gula da Vale, privatizada desde 1997 numa operação nebulosa, se expande para além das fronteiras do município de Parauapebas. A dinâmica atual registra ainda a implantação de grandes frigoríficos, como o do grupo Bertin, a “compra” massiva de várias fazendas pela Agropecuária Santa Bárbara, integrada pelo banqueiro Daniel Dantas, suspeito de um mundo de crimes no sistema financeiro. No entanto, a efetivação de projetos de assentamentos não fez com que a atividade pecuária sofresse refluxo significativo.
Ao mesmo tempo em que o pólo de gusa se amplia em Marabá, imensas obras de infra-estrutura do governo federal ativam a migração e inchaço das cidades pólos e pequenas cidades onde os projetos de mineração proliferam, como no caso de Ourilândia do Norte, Tucumã, Canaã de Carajás, Floresta do Araguaia e São Félix do Xingu. Puteiros, favelas, criminalidade florescem nas quebradas das cidades.
O deslocamento na região em ônibus, vãs ou carros próprios é marcado pelo medo de assaltos. As rodovias esburacadas facilitam a ação dos gatunos. Cidade como Marabá, cortada pela Transamazônica, já padece de engarrafamentos. Não são raros os carros das grandes empresas circulando pela cidade: carretas de gado, carvão, camionetes de luxo. E como tem camionete de luxo na escaldante cidade, com praças enfeitadas por árvores ressecadas. A poeira inunda a cidade durante o dia, enquanto a fumaça das queimadas faz as honras durante a noite.
A viagem em vãs é uma oportunidade de acessar informações. Muito se fala sobre a especulação de terras. Especulação promovida por grandes fazendeiros e mesmo gente simples, que encontra em ocupações uma possibilidade de ganhar um dinheirinho. Fala-se ainda da elevação do preço do alqueire da terra, que tem sofrido alta por conta do avanço da frente mineradora. Alguns notam os grandes projetos como possibilidade de emprego. Mas, a opinião não é unanimidade. Alguns percebem com desconfiança. A fronteira agro-mineral do sul e sudeste do Pará passa por dias agitados.
Se na década de 1980 o fazendeiro aplacava a diferença sobre o domínio da terra contra o camponês a partir do 38, vivencia-se hoje um processo de criminalização a partir de condenações de dirigentes e advogados por conta das ações de ocupações e acampamentos. A exemplo do que ocorreu no caso do Batista Afonso, advogado e coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no município pólo da região, Marabá. A condenação de Afonso foi seguida por mais três condenações dirigentes do MST e dos garimpeiros a pagarem multas em favor da Vale no valor de cinco milhões de reais.
O capital se alastra sobre as terras amazônicas, advoga sua perspectiva de desenvolvimento da região em editoriais de grandes jornais, notas de primeira página em edições dominicais, em reportagens que indicam que fora de tal diapasão não há saída, como matéria publicada na revista Exame sobre os louros do projeto que explora bauxita no pequeno município de Juruti da multinacional do setor de alumínio, ALCOA. Isso sem falar na sempre presença do presidente da República nos projetos de expansão de mineração da Vale.
Os grandes projetos encabeçados por empresas de grande porte trombeteiam a promessa de emprego sobre os grotões, a luz da civilização a partir da logomarca de empresas de robusto capital com promessa de desenvolvimento. Para tanto, a propaganda é o calço que justifica o controle de extensas áreas sob a alegação de uma tal de responsabilidade social. O saldo social e ambiental das experiências dos grandes projetos não são animadores para os que ficam nos rincões.
Os dias de hoje registram um outro momento de tensão no sul e sudeste do Pará e em outras áreas da Amazônia, com um radical avanço do interesse do capital sobre a terra e os recursos nela existentes. A cortina de tal teatro de destruição já foi erguida em anos distantes. A história de mortes, destruição da natureza, apropriação irregular de terra, corrupção pública, hegemonia do poder da grana deixam isso evidente.
OCUPAÇÃO DA FAZENDA MARIA BONITA – A peleja pelo controle do território em Carajás desnuda um mosaico de sujeitos: grandes corporações de mineração, pecuária, camponeses enfileirados em instituições socialmente organizadas ou não, grileiros, especuladores, pequenos comerciantes, indígenas, fazendeiros, criminosos do mercado financeiro e garimpeiros.
Nessa peleja pela terra em Carajás, o MST tem orientado suas ações contra as representações do poder tradicional do lugar e ao modelo de desenvolvimento local. O movimento ocupou ou incentivou a ocupação de inúmeras fazendas da família Mutran, o clã de maior poder no tempo das primeiras décadas do século passado, quando a região era tratada como polígono dos castanhais. Os dias eram regidos pelo extrativismo vegetal da castanha do Pará. E foi sob essa alegação que vastas extensões de terras foram transferidas da esfera pública para a privada através de títulos de aforamento.
Foi nesse sentido que o MST dirigiu suas ações de ocupações sobre as fazendas em nome da família Mutran. Assim ocupou a Peruano e Baguá, no município de Eldorado do Carajás e as fazendas Cabaceiras e Mutamba em Marabá. Em todas as fazendas foram registradas ocorrências de trabalho escravo, crimes ambientais e títulos da terra sob suspeita.
A derradeira ocupação do MST foi a fazenda Maria Bonita, localizada às margens da PA 150, repassada pelo pecuarista Benedito Mutran ao grupo Agropecuária Santa Bárbara, que integra o portfólio do banqueiro Daniel Dantas. A ocupação ocorreu no dia 25 de julho, quando se celebra o Dia do Trabalhador Rural.
Cerca de 100 km separam Eldorado do Carajás, do município pólo da região, Marabá. Onde antes de encontrava uma frondosa floresta de castanha e mogno, tem-se cerca, pasto e gado. Quem segue o sentido de Marabá rumo a Eldorado do Carajás, antes de chegar à fazenda Maria Bonita, passa pela Curva do S, local do massacre de Eldorado em 1996.
Eidê Oliveira, uma das coordenadoras do acampamento dos sem terra ao lembrar da madrugada da ocupação da Maria Bonita recorda que a ação da empresa de segurança da fazenda e dos vizinhos foi rápida. “Aqui na porteira encheu de carro da empresa Atalaia Serviços de Segurança com licença da polícia federal para operar no estado do Tocantins. Os homens estavam encapuzados”, informa Oliveira, uma jovem avó de pouco mais de 40 anos, mãe de cinco filhos e quatro netos, que há seis milita no MST. Oliveira lembra que o clima ficou tão tenso que o gerente da fazenda deixou cair a arma.
Entrar no acampamento foi fácil. O dia é ensolarado e o local parece bem calmo. Os homens estão caçando numa mata vizinha, onde também pescam no rio Vermelho. O local serve ainda para a retirada de palhas e madeira para a construção dos barracos. Eidê conta que no rio Vermelho é possível encontrar muitos peixes, entre eles o saboroso pintado.
“Acampamento é uma escola sobre a luta pela terra. Mas, nem todos resistem. O processo até se alcançar a desapropriação demora. A gente vive muitas privações,” explica a avó militante. Eidê explica que desde o dia 12 de agosto as carretas com o gado da fazenda não param de sair. Ela estima em pelo menos cem. Para a militante isso é um bom sinal.
O acampamento está organizado em 23 núcleos de base, cada núcleo com média de dez famílias. Durante a prosa com a militante, fomos interrompidos em vários momentos com a chegada de representantes de família para a inscrição no cadastro. Pergunto como fazem para identificar possíveis infiltrados, ela informa que alguns já são conhecidos. E sempre que chagam não são bem vindos.
Desde o dia 01 de agosto uma liminar de reintegração de posse foi expedida pela justiça de Marabá. Terminou em impasse audiência no dia sete de agosto no INCRA de Marabá, entre a assessoria jurídica do Grupo Santa Bárbara e a representação dos movimentos sociais locais, mediada pelo ouvidor nacional Gercindo Filho. Enquanto a equipe jurídica da Santa Bárbara exige a saída imediata dos ocupantes, a representação do MST enfatizou a permanência na área até a conclusão do levantamento sobre a cadeia dominial da fazenda.
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