O livro surge quase 30 anos após a defesa da tese na USP, ocorrida em 1995. O trabalho tem sido reconhecido como fonte inestimável sobre a aquilombação na região
Auditório da UFOPA, Unidade Rondon. Fonte: redes sociais do professor Funes .
Os filhos dos filhos dos filhos das pessoas entrevistadas em
remotos anos da década de 90 estavam presentes na prosa de lançamento do livro
sobre a aquilombação no Baixo Amazonas, no auditório da Unidade Rondon, da Universidade
Federal do Oeste do Pará (Ufopa), na noite de segunda, dia 10, na cidade de
Santarém. O espaço estava lotado.
A Amazõnia é negra, também. O livro Nasci nas matas, nunca tive
senhor, do paulista Euripedes Funes, hoje professor da Universidade Federal
do Ceará (UFCE), resulta de tese apresentada na pós-graduação em História, da Universidade
de São Paulo (USP), em 1995. Lá na
biblioteca da USP você se depara com dois robustos volumes ainda não
digitalizados. O recurso das pessoas interessadas no tema é fazer cópia.
Quase três décadas da apresentação do trabalho, com quase 500 páginas,
o livro editado pela Plebeu Gabinete de Leitura é apresentado na região foco da
pesquisa. Uma devolutiva, como se costuma dizer.
No auditório, netos de pessoas entrevistadas por Funes. Netos de
pessoas que tiveram os seus ancestrais colocados em condição de subalternização
em fazendas de cacau e gado. Netos que hoje ocupam assento em diversos cursos
da UFOPA.
Relatos pipocaram de jovens da região do Planalto Santareno, que
abriga uma média de uns 12 territórios quilombolas, bem de outras regiões, a
exemplo do Trombetas, tributária do
primeiro território quilombola reconhecido no Brasil, Boa Vista.
Nestas pelejas pelo reconhecimento territorial, os estados do Maranhão
e do Pará possuem protagonismo, bem como na conformação do Artigo 68, da Carta
de 1988, que trata sobre o tema. Assim recuperam inúmeros tratados acadêmicos. A criação de Frechal, no Maranhão, precede o de
Boa Vista, no estado do Pará.
Filhos, dos filhos, dos filhos de pessoas que foram escravizadas, e
que hoje ocupam espaço no campo do conhecimento, e buscam analisar, refletir e
produzir reflexões sobre os seus territórios de origem. Jovens de cabelos
trancados, trajes identitários, lenços e turbantes, que apesar de estarem em universidade
pública, continuam a enfrentar o racismo, como o ocorrido recentemente contra
uma indígena Arapiun por um professor.
Discente quilombola da UFOPA, neta de entrevistados por Funes. Fonte: redes sociais do prof. Funes.
O trabalho de Funes deve ser compreendido como uma ferramenta em
alinhamento com a luta quilombola no Baixo Amazonas do Pará. Conforme a fala do
autor, a tese tem sido usada como base jurídica para a defesa dos territórios
quilombolas. É usadao ainda no processo de seleção diferenciado da universidade
para ingresso quilombola.
A obra alinha-se ao pioneirismo do professor Vicente Salles, que levantou
a bandeira da investigação sobre a pesquisa sobre a presença da população negra
na Amazônia. Vale ainda sublinhar a pesquisa empreendida pelas professoras Edna
Castro (Ciências Sociais) e Rosa Acevedo (História), sobre os quilombos da
região do Trombetas, que vivem e resistem lá pelas barrancas de Oriximiná e vizinhança.
No Trombetas enfrentam o grande capital encarnada no sujeito da
empresa de mineração Vale, que desde os anos 1980 promove a expropriação das
populações tradicionais da região.
Ainda sobre a presença negra no Baixo Amazonas, o campo da
literatura, a partir das produções de Benedicto Monteiro e Inglês de Souza,
oferecem recursos do campo da sociologia que ajudam a alumiar as relações de
poder na região, bem como a presença do povo negro.
Funes e trupe estão a mundiar pelo Pará desde a semana passada.
Correu Belém, Cametá inicialmente, e agora varam furos e rios do Baixo Amazonas.
Veja a agenda AQUI
A luta pelo reconhecimento território
O reconhecimento territorial é primordial para a efetivação da
reprodução econômica, política, social e cultura das populações quilombolas, e
de outras modalidades enquadradas como tradicionais. O território representa
formas de trocas material e simbólicas, provedora de cosmologia própria. Expropriado
de seu chão, de sua terra, tudo é incerto. Todavia, a morosidade impera na jornada de
reconhecimento do território. Dados organizados por Rogerio Almeida a partir de
informação do INCRA, indicam o cenário abaixo. Leia a íntegra do trabalho AQUI
QUADRO - RELAÇÃO DE PROCESSOS ABERTOS/ANO
ORDEM
|
PROCESSO
|
COMUNIDADE
|
MUNICÍPIO
|
ANO
|
01
|
54105.002167/2003-17
|
Arapemã
|
Santarém
|
2003
|
02
|
54105.002168/2003-61
|
Murumurutuba
|
Santarém
|
2003
|
03
|
54105.002169/2003-14
|
Saracura
|
Santarém
|
2003
|
04
|
54105.002170/2003-31
|
Murumuru
|
Santarém
|
2003
|
05
|
54105.002170/2003-31
|
Bom Jardim
|
Santarém
|
2003
|
06
|
54105.002170/2003-31
|
Tiningu
|
Santarém
|
2003
|
07
|
54105.000030/2004-21
|
Patuá de Umirizal
|
Óbidos
|
2004
|
08
|
54100.002189/2004-16
|
Alto Trombetas (Mãe
Cué, Sagrado Coração de Jesus, Tapagem, Paraná do Abuí e Abuí)
|
Oriximiná
|
2004
|
09
|
54100.000755/2005-28
|
Ariramba
|
Óbidos
|
2005
|
10
|
54501.009417/2006-10
|
Pérola do Maicá
|
Santarém
|
2006
|
11
|
54501.016339/2006-18
|
Muratubinha.
Mondongo e Igarapé-açú dos Lopes
|
Óbidos
|
2006
|
12
|
54501.016340/2006-34
|
Nossa Senhora das
Graças (Paraná de Baixo)
|
Óbidos
|
2006
|
13
|
54501.016341/2006-89
|
Arapucu
|
Óbidos
|
2006
|
14
|
54501.016342/2006-23
|
Peruana
|
Óbidos
|
2006
|
15
|
54501.007690/2007-91
|
Maria Valentina
(Comunidades Nova Vista de Ituqui, São Raimundo do Ituqui e São José do
Ituqui)
|
Santarém
|
2007
|
16
|
54501.002737/2013-78
|
Patos do Ituqui
|
Santarém
|
2013
|
17
|
54501.001830/2014-46
|
Cachoeira Porteira
|
Oriximiná
|
2014
|
18
|
54501.001765/2014-59
|
Alto Trombetas II (Moura, Jamari, Curuçá, Juquirizinho, Juquiri
Grande, Palhal, Nova
Esperança e
Erepecu/Último Quilombo)
|
Oriximiná
|
2014
|
Fonte:
INCRA/ Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios
Quilombolas – DFQ/2018
A considerar o tempo necessário para a efetivação
do TQ de Boa Vista, - criado em 1995, sete anos após a promulgação da CF 1988 -
podemos salientar que foi um tempo recorde, ao fazer um paralelo com o cenário
atual, onde a morosidade predomina da maioria dos casos, como ocorre no
município de Santarém, onde existem processos protocolados desde os anos de 2003,
conforme dados do próprio INCRA, como pode se verificar abaixo no quadro 07. Saliente-se
que no presente governo nenhum território foi reconhecido, sob o comando de um
transloucado gestor de verve racista.
Ato pela passagem do Dia da Consciência Negra no Território Quilombola do Bom Jardim, Santarém/PA. Fonte: Rogerio Almeida
Segundo os dados do relatório do INCRA da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (2018), o estado do Pará tem 66 processos abertos
solicitando reconhecimento territorial, sendo 18 localizados no Baixo
Amazonas. Dos estados da região, o Pará lidera em número de processos,
seguido dos estados do Amapá e do Tocantins, que possuem 33 cada. Já o
Maranhão, que desde tempos imemoriais sempre manteve relações com o Pará,
realce ao comercio de escravos, possui 399 processos, número seis vezes
superior aos processos do Pará, como demonstra o quadro.
Aldo Santos [sentado], quilombola do território Saracura, o homenageado, e Dileudoo Guimarães [em pé], presidente da FOQS
QUADRO 08 DISTRIBUIÇÃO
DE PROCESSOS ABERTOS POR REGIÃO
REGIÃO
|
Nº DE PROCESSOS
|
NORTE
|
142
|
NORDESTE
|
977
|
CENTRO OESTE
|
118
|
SUDESTE
|
327
|
SUL
|
151
|
TOTAL
|
1.715
|
Fonte:
INCRA/ Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas – DFQ/2018
Conforme os dados Relatório da Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas do INCRA, que totaliza 1,715 processos de pedido de
titulação, o Nordeste lidera em número de processos no país, onde possuem
destaque os estados do Maranhão (399) e a Bahia (292) lideram com folga,
seguidos de Pernambuco, com 57 processos e Ceará, com 32.
No caso do Centro Oeste, cabe ao estado do Mato
Grosso a liderança com 73 processos, seguido do Mato Grosso do Sul, com 18 e
Goiás com 16. Com 232 processos a liderança do Sudeste cabe ao estado de Minas
Gerais, acompanhado de São Paulo, 51 e do Rio de Janeiro, com 26. E, por fim o
Sul, cuja hegemonia é do Rio Grande do Sul, que contabiliza 96 processos,
seguido do Paraná com 38 e Santa Catarina com 17. Como reflete Clovis
Moura, a aquilombação está territorializada por todo o território
nacional.
No que tange ao território do Baixo Amazonas, o que
provoca estranhamento é a ausência de processos do município de Alenquer. O
primeiro bloco de pedido de reconhecimento territorial datado de ano de 2003,
que agrupa seis territórios do município de Santarém, incluso os localizados no
Planalto Santareno, aguardam a certificação há 18 anos. Quase três vezes o
tempo que o quilombo de Boa Vista, o primeiro a ser certificado, levou.
Os territórios aqui analisados fazem parte deste bloco.
É justo contra esta morosidade que as
representações das comunidades empenham esforços, ainda mais por conta da
presente conjuntura, que conjuga o governo que opera em direção contrária às
pautas reivindicatórias indígenas, quilombolas e campesinas, e a favor do avanço
da fronteira do capital.