segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Camarada Amauri, presente!! O bar mais underground do Sá Viana e vizinhança

 O Bar do Amauri, no Sá Viana, nos anos de 1990 abrigou shows de rock de bandas protagonizadas por estudantes da UFMA . 

Camarada Amauri e Beto Scansette (Comportamento Estranho). Foto: rede social de Beto. 

Anos 1990. Fim de século. O tornado da cartilha neoliberal varria boa parte do planeta. A ordem residia em responsabilidade fiscal, privatizar e desregulamentar. Azeitar a estrutura para a melhorar a desenvoltura do capital. Saciar a gula das corporações. A ferrar os países ao redor.

Nas perifas do Brasil setores populares empenhavam esforços em colocar nos trilhos demandas represadas por mais de duas décadas de ditadura. Tempo em recolocar representações da classe trabalhadora de pé. Tristes trópicos. O Estado ao centro pressionado pela agenda das agências multilaterais e pelos setores populares.

Mother Love Stone, Pearl Jam, Alice Chains e Stone Pilots, entre outras iniciativas encarnavam o que ficou conhecido como sonoridade Grunge, a emanar a partir de Seatle e fazer a cabeça da moçada. Mais que sonoridade, representava estilo.

Abaixo da linha do Equador, a partir dos mangues do Recife, jovens turbinavam elementos de matriz africana. Guitarra de Maia. As alfaias ganharam o Brasil e o mundo. É mangue. Maracatu pesado. Caranguejo com cérebro. É beat. É bite. É Chico. É Science.

São Luís. O mar toma a cidade. Água por todos os lados. Nos beirais da UFMA, na área Itaqui-Bacanga, no bairro do Sá Viana, um buteco fuleiro acolheu uns meninos errantes. Havia de tudo. Comunista, anarquista, liberal, maluco, maloqueiro, até policial. Creio que o nome dele era Wilson. Negro retinto. Estudante de artes. Quando o álcool transbordava em sua cuca, ficava um saco. Baixava nele a essência do capitão do mato.

O Bar do Amauri era simples. Contudo, bem localizado. Ficava numa esquina. Ponto de ônibus. Ao lado da UFMA.  Ozimo, estudante de Física, creio, era o mais fiel e frequente habitue. Mesas de sinuca. Um som precário executava as fitas cassetes de rock da moçada. 

Ozimo é grande. Em todos os sentidos. Cara de mal. O rosto abrigava uns buracos de espinhas remanescentes da juventude.  Cabelo longos.  Um coração de borboleta. Chorava de amor quando tocava uma canção de axé do Araketu. Não sei a responsável pela judiaria.  Oz, toca múltiplos instrumentos. Todavia, sempre andava com uma gaita. 

Um bar. Um canto. Um lugar de abrigo de renegados que se opunham ao Bambu Bar. Contraponto. Algumas mesas ajudavam na composição do salão, onde era recorrente desafio de xadrez. Fábio, estudante de Direito e o mano Lavousier empenhavam horas sobre o tabuleiro. Eu nunca aprendi a mexer nem nos peões. Saber de torres e reis. Xeque. Dirá sacar o movimento dos cavalos. E por falar neles, as carroças logo na estrada do bar representavam o cartão de visitas.  Bar do Amauri. Um território de paz entre os diferentes.

Uma pororoca confluía para o bar. Os meninos e meninas de Filosofia - os Ribas -, a turma das artes, Silvia, Mônica, Célida, Núbia (Letras), Fabiano Lumbrega (Ciências Sociais), os cabras do rock, Carlos Pança (Pereira), estudante de Ciências Econômicas faz parte da banda Amnésia, enquanto Pedro e Beto integram ainda hoje a Comportamento Estranho. Havia mais gente. Não consigo rememorar todos.

Amnésia, Comportamento Estranho e Fome descortinaram no Amauri um movimento coletivo para a realização de shows. Os meninos já agitavam o movimento em outros cantos da cidade. Assim nasceu a Cooperativa do Rola o Rock. Havia até identidade visual no bar do Camarada Amauri.


Show da Comportamento Estranho. Bar do Amauri, década de 1990. Foto: redes sociais Memória do Rock no Maranhão. 

Se a memória não falha, o pescador, carroceiro e comerciante era filho da Baixada Maranhense. A turma que cursava Comunicação Social fazia os espetáculos de rock do Bar do Amauri repercutirem na mídia local. Era rotina a inclusão na agenda cultural e nas editorias de cultura, capas de cadernos, pauta nos programas de rádio.

Amauri vez em quando apresentava uns peixes fritos para a rapaziada. Pescado ali pertinho, na barragem do Bacanga. Lanche para amenizar a larica. Estica, modela e castiga. Território livre.

O senhor raramente usava camisa ou quando a usava não a abotoava. Era comum ele guardar os nossos cadernos e livros na sexta para a gente apanhar na segunda. Bar do Amauri.  O começo da farra, que desembocava para a Praia Grande, depois para o reggae do Espaço Aberto, no São Francisco, até encerrar numa praia ou seria um novo recomeçar de festejos?

Amauri ficou todo orgulhoso ao ver o nome do bar na agenda da TV. Os parentes do interior ligaram para ele. Ganhei umas Belcos devidamente quentes como agradecimento. O Joacy Jamis era o responsável pela produção dos cartazes. Não mais entre nós. Vivo entre nós. Fanzineiro, roqueiro, punk, poeta e diagramador.

Amauri vendia bem quando da realização dos shows. Era tempo da cerveja Belco. O freezer não ajudava muito. O comum era a breja quase tirada da grade. Conhaque com limão e mel também fazia parte do repertório etílico.

A turma avaliava que o bar não resistiria ao avanço do capital. À especulação imobiliária. Dito e feito. Estrategicamente localizado, possuía a régua e o compasso para um comércio com maior musculatura. Um comércio da fé que espoca em todo canto com a rapidez e violência de uma pandemia.  A profecia se realizou.

O camarada Amauri partiu na semana passada. Padecia de úlcera crônica. Ao seu jeito tolerou e abrigou uma horda de gente inquieta em jornada de formação política, cultural, afetiva, e coisa e tal.  

Após o êxito de venda de breja e pinga no primeiro show organizado pela Cooperativa do Rock, Amauri indagava: “Quando faremos outra orquestra?”  

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Mineração em debate: Movimento pela Soberania na Mineração realiza ciclo de debates sobre mineração no Pará.

O seminário encerra o ciclo de debates que ocorreu em todas as regiões do país.  
Mineração em Carajás/PA

O projeto Diálogos da Mineração fecha seu ciclo remoto de debates promovido ao longo do ano de 2021 no Estado do Pará, maior exportador de minério do país. O evento acontece na próxima terça e quarta-feira (23 e 24), às 18h, no canal do Youtube do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

No primeiro dia a mesa abordará aspectos gerais sobre a questão mineral no Pará e, mais especificamente, dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do setor da mineração. O debate contará com as contribuições de Márcio Zonta, da Coordenação Nacional do MAM e comunicador popular, que acompanha os dilemas da mineração em países da América Latina e África, e de Rubens Moraes Junior, advogado trabalhista, Conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil-Pará (OAB-PA) e Coordenador Regional da Comissão de Assuntos Minerários da OAB-PA. A mediação é de Ariel Barros, da Coordenação Regional MAM-PA e engenheiro ambiental.

"Carajás, por exemplo, é um dos principais fornecedores de matéria-prima para a indústria de alta tecnologia mundial, sobretudo as que são convertidas em produtos industriais na China e repassadas para o mundo. Embora tenha essa ligação com o que há de mais avançado em termos de tecnologia industrial, ela reproduz em sua região as mais diversas formas de violência e destruição, seja do ponto de vista étnico, racial, das modalidades de povos, de vida. É uma conta que não bate: fornecer matéria-prima para a alta indústria tecnológica 4.0 ao custo de muita destruição social, ambiental e cultural", dispara Márcio Zonta, referindo-se às contradições geradas em contrapartida à extração de minério de ferro, níquel, cobre e manganêsna região.

Já no segundo dia a mesa irá se debruçar sobre a questão da saúde do trabalhador e da trabalhadora na mineração. O dia contará com as contribuições do Enfermeiro do Trabalho Adilson Moraes Borges e da Engenheira de Segurança do Trabalho do Centro de Referência em Saúde do trabalhador, Ana Paula Santana Pereira, ambos do CEREST Regional Itacaiunas/Tocantins, e de Aline Coutinho Cavalcanti, Professora Adjunta da Faculdade de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Com mediação de Dioclécio Gomes - MAM, o segundo dia também vai contar com a apresentação do filme "Descartáveis", que faz parte do Cine Crítico Mineral, projeto do MAM que utiliza a linguagem audiovisual para disseminar a luta, resistência e as denúncias de comunidades afetadas pelas desigualdades da mineração. 

O 'Diálogos da Mineração' edição Pará faz parte da programação da III Jornada de Debates na Mineração, e é uma realização da Unifesspa, MAM, Fiocruz, POEMAS, Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração e projeto De Olho na CFEM. O evento teve, ao longo por objetivo, ao longo de 2021, mapear e discutir  os principais impactos socioambientais do setor da mineração para trabalhadores e trabalhadoras, comunidades afetadas pelos empreendimentos minerários, impactos econômicos e na saúde em seis estados brasileiros minerados. Toda a programação está disponível no canal www.youtube.com/MAMnacional

 

 Serviço

Diálogos da Mineração Pará
Terça e quarta-feira (23 e 24 de novembro), às 18h
Link direto para o DIA 23.11: https://youtu.be/eOcToXjYtOE

Link direto para o DIA 24.11: https://youtu.be/-pJmFCCEOo0


 Assessoria do MAM



 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

João Batista, presente! Vivo fosse hoje completaria 69 anos.

 

Vivo fosse João Batista hoje completaria 69 anos.  O comunista Batista era advogado de camponeses no Pará.  Foi assassinado quando somava apenas 36 anos. Ao lado de Paulo Fonteles e Gabriel Pimenta enfrentou latifundiários e grileiros de terra.   Pedro Batista, autor de livro sobre as jornadas de luta do irmão faz homenagem a João. Pedro também assina artigo que faz parte de uma coletânea em processo de produção (Luta pela terra na Amazônia: memória dos mártires da terra), que recupera parte destas histórias dos mártires da luta pela terra no Pará.


Manifestação pelo 1º de maio em Paragominas (PA). Foto: arquivo da família

 

A seguir, a loa de Pedro a João.

Se meu irmão, João Carlos Batista, estivesse vivo completaria hoje 69 anos.

 

Aos 36 ele foi assassinado, depois de ter sofrido três atentados, na quarta tentativa conseguiram calar sua voz, tirar sua vida.

 

Batista para muitos, Tauá para mim, teve uma vida de combate. Desde menino viveu a contradição no campo. Aos 14 anos foi vaqueiro, em uma fazenda em Paragominas, acompanhava meu pai, enquanto nossa mãe, Izaura, trabalhava na cozinha. Somente aos 21 retomou os estudos, quando nos mudamos para Belém. Fez supletivo, cursou direito e dedicou-se a defender trabalhadoras do campo e da cidade.

 

Batista priorizou suas origens. Atuou com firmeza na organização camponesa, concentrou-se na defesa da Reforma Agrária e no combate ao latifúndio e sua histórica violência contra mulheres e homens pobres com mãos calejadas do trabalho de sol a sol.

 

Foi eleito deputado estadual em 86. Em apenas 17 meses de mandato fez o que se parecia impossível: organizou milhares de trabalhadores do campo, usando com maestria revolucionária a luta organizada, a unidade do povo, a tribuna parlamentar e as brechas da lei a serviço da transformação social.

 

Cedo se assumiu socialista revolucionário. Militou clandestina e publicamente. Subiu em tamboretes, fez agitação,  vendeu jornais, pichou muros, escreveu discursos e cartilhas. Conspirou e agiu. Não teve posses, nem origem em família tradicional. Foi do trecho, sem terra, sem títulos ou riquezas.

 

Tauá ou Batista, o mesmo homem, justo, fraterno, duro e firme, convicto e corajoso. Sabia quem era seus inimigos. Denunciou Ronaldo Caiado e todos fazendeiros que fundaram a UDR e mataram dezenas. Denunciou a burguesia. Denunciou o oportunismo e o revisionismo. Acreditou no socialismo, defendeu e organizou a Revolução.

 

Hoje, 19.11, é seu natalício, estaria entre nós, fortalecendo o combate contra o fascismo e seus agentes, os mesmos que o caluniavam, atentaram contra a sua vida até conseguirem o assassinar.

 

Em 6 de dezembro próximo fará 34 anos que Batista recebeu um tiro fatal.

O seu compromisso, dedicação e exemplo revolucionário seguem nos inspirando e apontando a direção, sem vacilar, nem se deixar encantar com os luxos e prebendas que a burguesa propaga e distribui.

O empoderamento divisionista, que carreiristas e oportunistas propagam para enfraquecer a luta revolucionária nega a luta revolucionária e trai os exemplos de homens e mulheres que caíram na gloriosa caminhada.


Honra eterna aos mártires da luta do povo.

Batista presente!

Viva o socialismo!

Seu exemplo revolucionário anima a caminhada.

Venceremos!

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Consciência Negra em Marabá/PA: coletivos do Movimento Negro apresentam manifesto

 

MANIFESTO

AQUILOMBAR-SE CONTRA O RACISMO:

PELA VIDA E DIGNIDADE DO POVO NEGRO.

Crianças indígenas Gavião da aldeia Akrãtikatejê no cortejo do bairro Cabelo Seco. Marabá/PA,2019.  Foto: enviada por Eric Belém

 

Qualquer ato de insubordinação contra o racismo em qualquer canto, por menor que possa parecer é representativo em memória dos nossos ancestrais que se rebelaram contra a opressão da Casa Grande e da Senzala. Aquilombar-se é preciso! Sempre!!!

Quase 400 anos de opressão contra o povo negro deixaram marcas de permanência em nossa frágil democracia. Os indicadores sobre o genocídio da juventude negra é uma destas expressões. Bem como os da população encarcerada nos presídios.

Somente nos derradeiros anos a presença da população negra nas universidades sofreu alteração por conta da pressão dos movimentos sociais negros do país em defesa de uma política de Cotas. Trata-se de uma conquista, mas, a reparação é bastante discreta diante de quase quatro séculos de opressão e toda ordem de violências: físicas e simbólicas.  Aquilombar-se é preciso!!! Sempre!

Qualquer tambor soado em qualquer canto é representativo. Bem como o grafite, a poesia, canções, filmes, marchas e intervenções. O combate contra o racismo é um combate de todos e todas alinhados na radicalização da democracia do país.  

Uma democracia ameaçada desde a posse do sinistro da República que sataniza indígenas e o povo aquilombado, mulheres, grupos LGBTQI+, a ciência, a cultura e a dignidade.

Há quase quatro séculos o povo negro aquilomba-se. “Livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela”, como poetiza o samba antigo. Nos quilombos e nas favelas por todo o Brasil foi e está sendo a população negra a mais vulnerável e atingida pela pandemia da Covid. Aquilombar-se é preciso!!! Sempre!  Contra toda e qualquer ameaça à democracia e contra o racismo. 

Chama Verequete, chama Conceição Evaristo, mestre Pastinha, Ruth de Souza, Aniceto do Império, Martinho da Vila, Marielle Franço, Dona Ana, Raimundinho. Chama Margarida, Rosemayre, Iara Reis, Jane, Maria José, Marcelo Melo e Vandinha. Chama Grande Otelo, Lázaro Ramos, Milton Nascimento, Luiz Carlos da Vila , Tia Ciata, Clara Nunes, Chico Science. Chama Mãe Menininha, Bethânia, João do Vale... Gilberto Gil, Bloco Ilê Ayê, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Zélia Amador de Deus. Chama Zezé Motta, Taís Araújo, Antônio Pitanga, Ademir Brás, Castro Alves, Lima Barreto, Milton Santos, Garrincha, Mano Brown, Racionais MC, Emicida, Bruno de Menezes. Chama Zumbí, Ganga Zumba e Dandara... Chama Dona Ivone Lara, Pixinguinha, Cartola, João da Baiana. Chama Clementina de Jesus, Dorival Caymmi, Mariguella... E todos e todas que ousaram aquilombar-se.

Marabá, Pará




Coletivo Consciência Negra em Movimento - CCNM e Grupo de Mulheres do Cabelo Seco: As raízes de Marabá.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Cargil em Santarém/PA: estudo da ONG Terra de Direitos recupera histórias de abusos da empresa

 A licença de operação da empresa venceu em novembro do ano passado. 

Porto da Cargil em Santarém/PA. Foto: Rogerio Almeida/2021


Com a licença de operação vencida desde 22 de novembro de 2020, a trajetória da empresa estadunidense Cargil em Santarém, no oeste do Pará é um rosário de irregularidades e indiferença à diversidade social que integra a região, marcada pela densa presença de indígenas, camponeses e quilombolas, que tiveram os seus direitos desrespeitados, posto a empresa e o Estado não efetivarem a Consulta prévia livre e informada, como estabelecem as normas da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Como em outras experiências de grandes projetos na Amazônia, a empresa tem a anuência e a conivência do Estado no processo em que se apropriou de uma área pública, a Praia de Vera Paz, na área urbana da cidade de Santarém.  A área ocupada pela empresa é parte de um sítio arqueológico denominado de Porto, considerado por especialista o mais importante do município. Trata-se de vestígios de ocupação pré-colombiana do território de cerca de 10 mil anos do Povo Tapajós. O que implica na destruição da memória ancestral.

A empresa sentou praça em Santarém nos anos inicias da década de 2000 sem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA). Somente após a mobilização de setores afetados pela empresa, ainda de forma precária e negligente, a Cargil apresentou o EIA-RIMA sete anos após o início de suas operações.

Estrutura da Cargil

A Companhia Docas do Pará (CDP) e a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) são os ponta de lança da empreitada.  A Cargil obteve as licenças para iniciar a construção de uma Estação de Transbordo de Carga (ETC) em 2000 e passou a operar em 2003, após idas e vindas nas cortes judiciais, recupera estudo recém lançado pela ONG Terra de Direitos, Sem licença para destruição: a violação de direitos no Tapajós, Santarém.

A pesquisa esclarece que além da ETC na orla na cidade, no encontro dos rios Tapajós e Amazonas, que “em 2010 a Cargill instalou um armazém de grãos e cereais, na comunidade de Cipoal, às margens da BR 163, ainda em Santarém. O armazém conta como uma estrutura de silos com capacidade de armazenamento de 30 mil toneladas de grãos e uma área de pátio para carreta”.

Na memória de abusos da Cargil a pesquisa relata que “em 2012 as obras de ampliação, com a implementação de um silo com capacidade para 30.000 toneladas de grãos na área retro portuária da empresa. Em 2014, a expansão continuou, com a instalação de três silos metálicos com capacidade de armazenamento para 54.000 toneladas, um píer flutuante coberto para recebimento de barcaças, e um descarregador de rosca (Barge Unloader) com capacidade de movimentação de 1.500 toneladas/hora. A ampliação foi concluída em 2017, com investimento total de R$ 240 milhões, que aumentou a capacidade anual de escoamento de 2 para 5 milhões de toneladas de grãos”.  O processo se deu tendo como base um EIA-RIMA precário.

 

Entre as irregularidades elencadas pela Cargil, o documento sublinha: i) Invisibilização de povos e comunidades tradicionais; ii) Fragilidades nos diagnósticos de uso e ocupação dos solos; iii)  Omissões quanto aos processos de organização social das áreas de influência da ETC; iv) Não realização de consulta prévia e informada a povos e comunidades tradicionais; v) Frágeis análises de questões ambientais; vi)  Diagnósticos elaborados predominantemente com dados secundários.

 

 A instalação da Cargil no começo dos anos de 2000 representa o pontapé de avanço da soja na região. No Planalto Santareno comunidades quilombolas e indígenas, a exemplo do território quilombola de Bom Jardim e a aldeia Açaizal do povo Munduruku  convivem com o cultivo há pelo menos uma década. A contaminação de mananciais da região pelo uso de agrotóxico representa um dos danos, além da redução da área de cultivo.

A ETC da Cargil é uma das estruturas que visa consolidar a região como um grande corredor de exportações de commodities do Brasil Central, ênfase ao estado do Mato Grosso. A síntese dos projetos encontra-se no documento Arco Norte, que elenca complexos portuários, a exemplo dos instalados na cidade de Itaituba, hidrovias e a Ferrovia EF 170, batizada de Ferrogrão, que almeja ligar Sinop/MT ao distrito de Miritituba, em Itaituba, no Pará.

Assim como a experiência de irregularidades da Cargil, a agenda desenvolvimentista ameaça a reprodução de indígenas, camponeses e quilombolas.  Leia o documento da Terra de Direitos AQUI

sábado, 13 de novembro de 2021

Flor de Gume, de Monique Malcher, cria de Santarém/PA, concorre ao Prêmio Jabuti

Gume é um riomar de mulheres. É a filha, a mãe e avó em pororoca de encontros e desencontros em prosa poética de elevado grau de concentração. 

“As mulheres são como as águas, quando se juntam, ninguém as detém”. A frase é mais ou menos neste rumo. É palavra de ordem recorrente em coletivos de mulheres das bandas das Amazônias, a exemplo do Baixo Amazonas, o oeste paraense.

É terra de Monique Malcher, filha de Santarém. Hoje, largada no mundo. A doutorar-se em Antropologia pelas bandas do Sul.  A terra de Malcher é encharcada pelas águas dos rios Tapajós e Amazonas. O primeiro dono de águas azuladas/verdes. Ainda não estou convencido da cor exata. Já com relação ao segundo, não resta dúvida, é barrento o tom. Tom das mágoas deixadas na trilha da escritora e artista plástica pelo patriarcado.  

O pai é violência. Os homens rasos. Apesar das águas de mágoas, a poesia resiste, ainda que alcancem o pescoço. Ameacem de morte. Flor de Gume, livro indicado para o Prêmio Jabuti é poesia e ternura em elevado grau de concentração: “quem arriscou a vida e crenças para atravessar as águas, os rios encantados das histórias da minha infância, não foi um homem, mas uma mulher, que tinha nome doce, mas sentia o amargor da miséria. Dulce”.   Fração do conto O Barco e as cartografias da esperança.

As águas grandes não respeitam barreiras. Afrontam as margens que as comprimem. Provocam erosões. Ainda que o rio seja um mar de lágrimas. O riomar da prosa poética de Malcher é um mundo de mulheres: a filha, a mãe e a avó. A senhorinha de Ponta de Pedras, que nunca mais voltou a reencontrar. É encontro de amores com as mulheres aguerridas com quem se deparou.

Em Suas sandálias me cabem? A encruza de Malcher se manifesta: “Eu cresci acreditando que as mulheres não poderiam me dar amor, que eu mesma não era o suficiente para o funcionamento da minha existência. Era urgente que os homens me amassem, aos moldes do amor que meu pai me dava, com seus excessos e controles. Conforme o tempo devorava os dias e me sentia estática, meu corpo não agia da mesma forma. Ele foi rompendo no meu estomago uma urgência infinita”.

37 contos ou seriam gotas de lágrimas, amor e suor?  Dão corpo ao livro de Malcher divido em três seções: i) os nomes escritos nas árvores, os umbigos enterrados no chão, ii) Quando os lábios roxos gritam em caixas de leis herméticas e, iii) O reflorestar do corpo, o abandonar das pragas.

Jarid Arraes, responsável pela edição do livro, igualmente escritora, em orelha da obra, adverte: “Flor do Gume é um livro para pele cortadas. Literatura como mergulhar as pernas nos rios do Pará e ouvir palavras que contam meninas presas em infâncias machucadas, mães e mulheres que crescem como plantas de verde profundo, apesar da realidade de violência, e avós que nutrem raízes, que aplicam ervas restauradoras no corpo ferido”.  

 

A mãe, a filha e a avó se entendem. Desentendem-se. As mulheres quando se juntam são como as águas....


Espia a Monique AQUI

 

Serviço

Flor do Gume

Monique Malcher

Editora Pólen

R$45,00

 

Conheça melhor Monique AQUI

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Danação em dia de chuva em rede de algodão

 



Dias. Tudo bem contigo? Espero que sim. Sonhei que a gente se bulia numa rede algodão. Havia apreensão em seus olhos. O risco da chegada inesperada de alguém. O desassossego de interrupção do rito amoroso. Um flagrante. Crime passional. Gritos, insultos, soco, faca e bala. Corpos nus desprovidos de vida. Um sobre o outro. Um dentro do outro. Angu de sangue. Notícia de jornal.

A tarde estava tomada de chuva.  Céu de amor em casa avarandada. Passarinhos em revoada. Vento suave. Folhas e frutos ao chão. Rede de algodão. Cheirosinha. Amaciante de bulinação. Você a judiar do meu corpo e da minha alma. O cego forte. Rijo. Qual um sorvete de doce algodão a enfrentar vento de praia no litoral do Maranhão. Touro de São Sebastião. 

Ecumênico ateu a rogar por forças a Jesuscristinho, Nossa Senhora de Nazaré, e aos tambores do candomblé. Mautiner atômico em maracatu aperreado em ladeira da Cidade Velha. Danação dos diabos em ebulição. Arrebatação. Arrebentação. Tensões. Tesões. Muro de arrimo em ruínas. Só ruínas.....

Sonhei que a gente se bulia numa rede de algodão. Um forró fora da quadra de São João abençoado pelas maldades do deus Baco.  Capitães da areia em capoeira. Um combate de bocas e pernas.

Bulinação de rede. Pressas e desassossegos. Agonia e lentidão. Suspiros profundos entregozos.  Tempestade tropical. Beira de rio.  Amores líquidos. Café forte. Cuscuz de arroz em forma de coração. Cochilo profundo. Sem forças. Moribundo do amor sob laje de grande cidade. Sem pernas para fuga, acorrentado aos braços de uma deusa de ébano à espera do juízo final... o sol...há de brilhar mais uma vez....

domingo, 31 de outubro de 2021

Carta do Encontro de Saberes da Amazônia e Mudanças Climáticas

 

 

Abertura do evento 

Entre os dias 20 a 23 de outubro, Belém sediou o encontro de Saberes da Amazônia e Mudanças Climáticas.  O objetivo era claro, além de animar o debate sobre o delicado quadro que passa a região, possibilitar o diálogo entre os sujeitos locais, e enviar um recado à cúpula que coordena a COP 26, conferência mundial sobre as mudanças climáticas, que inicia hoje, em Glasgow, na Suécia.   

Ao contrário de debates anteriores, onde o Brasil exercia protagonismo, desde a posse do militar na presidência, o país foi catapultado ao papel de pária.

Leia a íntegra do documento do encontro Saberes da Amazônia AQUI

E o primeiro dia de debate  AQUI

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Registro: Agência Amazônia Real tem trabalho reconhecido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)

 Eliane Brum participou da cerimônia de entrega da chancela realizado pela Amazônia Real. 

As homenageadas Kátia e Elaíze receberam as placas na redação da agência das mãos das jovens jornalistas Alicia Lobato e Maria Cecília Costa, respectivamente (Foto de divulgação Amazônia Real)


Fazer Jornalismo é tarefa árdua. Exige disciplina, trabalho em equipe, paciência para se indispor com dados, fontes, checagem, entrevistas, redação, edição, seleção de iconografia, produção de tabelas, gráficos, etc. 

Realizar a tarefa na Amazônia torna a missão ainda mais desafiadora. A começar pelo hercúleo desafio na busca de dados quantitativos e qualitativos. Consultar fontes sérias dentro e fora da região, com vistas a calçar a informação de forma qualificada.

E, a todo tempo fugir a apelos fáceis, clichês e sensacionalismos que marcam a maioria das coberturas sobre a região. Neste sentido, a Agência Amazônia Real, cravada em Manaus, no Amazonas tem cumprido com louvor o nobre desafio na produção de informações sobre a Amazônia.

Animada pelas jornalistas Kátia Brasil, uma mulher negra, e Elaize Farias, uma mulher indígena, a Amazônia Real teve no mês de agosto o reconhecimento de seus pares associados na Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), durante encontro internacional realizado em agosto.  

Os bambas sobre o tema participaram da sessão de entrega da chancela, entre os craques, nada mais, nada menos Eliane Brum.  Leia mais AQUI

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Luta pela terra no Pará: projeto busca recuperar a saga dos que tombaram na defesa da reforma agrária no estado

José Ferreira Lima (Gringo), João Canuto, Expedito Ribeiro, Irmã Dorothy, Massacre de Eldorado são alguns dos casos contemplados na proposta do projeto do livro


A Amazônia sofre historicamente com o avanço da exploração sobre o território e populações. O Pará é considerado o mais violento do país no que se refere a luta pela terra. Ao longo de décadas, foram muitos os militantes assassinados e chacinas promovidas. A fim de trazer à reflexão este cenário, está em produção o livro “Luta pela terra na Amazônia: mortos da luta pela! Vivos na luta pela terra!”, que recupera parte da saga dos defensores da reforma agrária, do meio ambiente e dos direitos humanos no estado localizado na Amazônia Legal. Leia mais no site do Brasil de Fato/RS

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Zélia Amador, curta recupera parte da trajetória da educadora

 O jornalista Ismael Machado assina o argumento do filme, e divide a direção com Glauco Melo. O documentário poder visto no yuotube desde o dia 13


Negra retinta, Zélia Amador de Deus é plural.  Educadora, atriz, diretora de teatro, além de militante do movimento negro no estado do Pará. Uma das fundadoras do Centro de Estudos de Defesa do Negro no Pará (Cedenpa).  Trata-se de uma referência nacional. A professora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA) é filha de Soure, arquipélago do Marajó. Terra sesmarial, onde os seus ancestrais labutaram em fazendas.

Manuel Faustino de Deus e Francisca Amador de Deus, avós, foram os responsáveis pela educação da filha de Xangô e Nanã. Os avós migraram para Belém logo que a mãe, com apenas 16 anos, pariu Zélia. Até o momento não conheciam moeda. No Marajó o escambo servia de paga na fazenda.  Uma ferramenta de subordinação, como registra os escritos de Dalcídio Jurandir.

O teatro e a educação serviram de trilhas para a sua consciência de classe e na sua formação política, bem como de reconhecimento como mulher, negra e educadora. Zélia viveu os sombrios anos da ditadura civil militar.  Numa escola de freiras conheceu pela vez primeira o preconceito racial.

Amador é defensora ferrenha das cotas nas universidades. É linha de frente na elaboração de políticas públicas no campo da educação sobre a questão racial.  Na condição de coordenadora do Grupo de Estudos Afro-amazônicos foi responsável pela elaboração do processo seletivo especial direcionado para as comunidades quilombolas.  

Nos anos recentes, diferentes universidades federais no estado adotam o processo especial. Um importante passo no processo de inclusão. Ainda que pese inúmeros fatores limitantes que comprometem a permanência de quilombolas nas universidades e indígenas.  Uma outra barricada a se enfrentar

Na intenção em recuperar parte da vasta trajetória da professora, a produtora Floresta Urbana, disponibiliza no youtube desde o último dia 13 o curta metragem Amador, Zélia. O argumento e direção é assinado pelo jornalista Ismael Machado, que divide a direção com Glauco Melo, que conta com uma robusta retaguarda.

A partir dramatização, colagens e de relatos da própria professora, educadores e militantes do estado do Pará, e de além riomar, a exemplo da escritora Djamila Ribeiro, o filme intenciona em valorizar a relevante contribuição da múltipla Zélia Amador, esclarece o site do projeto contemplado em edital da Lei Aldir Blanc.

Veja o curta AQUI. Maiores informações no site.

Em memória de Zumbi, projeto de lei deseja instituir a Semana da Consciência Negra na agenda de Santarém

O projeto é autoria do vereador Biga Kalahare/PT, que deseja que a ação antirracista seja inclusa na agenda do município. Em cenário do avanço grande capital sobre as terras ancestrais, a iniciativa constitui uma ferramenta junto aos quilombolas do município

Biga, vereador do PT, autor do projeto. Fonte: redes sociais

 









 



O projeto foi protocolado na sessão desta quarta-feira (15) propõe instituir a Semana Municipal da Consciência Negra e Ação Antirracista no município de Santarém. O projeto incluiu no calendário municipal de Santarém a “Semana da Consciência Negra e de ação antirracista” a se realizar todos os anos nas semanas que recair o dia 20 de novemb
o, Dia Nacional da Consciência Negra (Lei Federal nº 12.519, de 10 de novembro de 2011).

Essa semana terá por objetivo elevar e ressaltar a cultura original da população negra e afrodescendente, estimular a cidadania e a solidariedade e fomentar a produção artística e cultural em todas as suas formas e expressões, promover realização de campanhas de integração e disseminação dos valores culturais da comunidade negra, em especial da luta e da história do líder Zumbi, do Quilombo dos Palmares.

A partir desse PL o Poder Público deverá implementar ações, junto aos órgãos públicos e privados, sob a forma de campanhas institucionais, eventos e outras formas que julgar convenientes inspiradas nos princípios dos direitos humanos, objetivando sempre promover a cultura da igualdade racial, o respeito à diversidade religiosa e o combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação racial e de valorização da História e Cultura Afro-Brasileira.

Além disso, deverá ser realizada uma Sessão Solene na Câmara Municipal de Vereadores, que ocorrerá conforme programação de eventos da Semana da Consciência Negra, tendo como data preferencial o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra e de Ação Antirracista

 Fonte: informação das redes sociais do edil.

Quilombolas de Santarém reiteram ação contra empresa Atem, de distribuição de petróleo

A empresa palmilha os mesmos passos da ilegalidade empreendido pela Cargil, quando da instalação do porto em Santarém. Ações dos Ministérios Públicos Federal e Estadual solicitam a nulidades dos processos de licenciamento.

 

Empresa Atem instalada sem consulta prévia, livre e informada na região do Lago Maicá / Foto: Arthur Serra Massuda

No site da Atem Distribuidora de Petróleo S.A, a empresa se apresenta como uma referência de sucesso na região Norte do Brasil, que tem como política a qualidade e a atuação na proteção do indivíduo e do meio ambiente, promovendo o bem-estar, a saúde e prevenindo a poluição. No entanto, essa não é a versão contada (e vivenciada) por comunidades quilombolas, ribeirinhas, pescadores tradicionais e povos indígenas da região do Lago do Maicá, na cidade de Santarém/PA, que sentem cotidianamente os impactos e violações de direitos em seus territórios provocados pela empresa. Leia a íntegra do artigo Luísa Câmara do Terra de Direitos AQUI

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Após polêmica, Câmara de Santarém cancela homenagem a Confederados, supremacistas estadunidenses que chegaram em Santarém/PA há 153 anos

Carlos Silva, vereador do PSC é autor do pedido da sessão especial, agendada para o dia 14 de setembro

 

Vereador Carlos Silva (PSC) em ato antidemocrático do dia 07, autor do requerimento. Imagem: rede social do edil. 

Santarém é uma cidade de porte médio, que fica a oeste do estado do Pará, com uma população estimada em 300 mil habitantes, que vive na confluência dos rios Tapajós e Amazonas, e sob a influência das rodovias federais BR 163 (Cuiabá-Santarém) e a BR 230 (Transamazônica). Muitos destes habitantes são herdeiros dos povos ancestrais, bem como de remanescentes de quilombos e camponeses. 

Apesar da forte presença indigena na região, de quilombolas e campesinos, o vereador evangélico do PSC, Carlos Silva, auto declarado como pardo e jornalista, protocolou em maio junto à mesa diretora do legislativo do município o Requerimento de nº 940/2021, cujo intento residia em homenagear a presença dos supremacistas brancos estadunidenses, ocorrida no dia 17 de setembro do Século XIX.

Em maio o requerimento foi aprovado por unanimidade pelos 21 vereadores, sendo dois do Partido dos Trabalhadores (PT), que após a repercussão da nota dos movimentos negro e sociais, também se manifestou contra a sessão. Leia  nota da Executiva do partido AQUI

Após a divulgação das notas contra a sessão especial que ocorreria amanhã, dia 14, o evento foi cancelado. Em nota em sua rede social, o vereador declara que os descendentes dos Confederados não compactuam com os ideais racistas das famílias pioneiras que aportaram em Santarém, e afirma que a contribuição dos mesmos foi fundamental para a edificação da Igreja Batista. Silva foi um dos entusiastas na cidade pelos atos contra a democracia do dia 7 de setembro.

Confederados em Santarém

Solar dos Brancos ou Solar dos Confederados nomeia um sobrado de três pavimentos cravado no Centro da cidade. Ele é uma das expressões do processo que marca a presença dos Confederados no município.

Solar dos Brancos- Centro de Santarém/PA. Foto: Rogerio Almeida

Hoje o prédio abriga uma loja de uma grande rede de departamentos.  Uma pequena placa patrocinada por uma grande empresa de mineração conta parte da história. No mesmo perímetro, em local mais privilegiado, à beira do Tapajós, outro prédio, de propriedade do Barão do Tapajós (Miguel Antônio Pinto Guimarães) materializa o período escravocrata da região.

A imigração dos Confederados foi possível graças a um convênio firmado entre o presidente da Província do Pará e o major Lansford Warrem Hastings em novembro de 1866.

O Barão e uma família de Confederados fizeram par na fazenda Taperinha.  O Barão vinha a ser genro de Maria Macambira, donas de terras por todo o Baixo Amazonas, reconhecida pela sua crueldade contra os negros. A presença da família se mantém em Santarém.

Investigações do historiador Euripedes Funes, autor de uma tese na USP sobre a presença quilombola no Baixo Amazonas, recupera que os Confederados do vale do Missipipi, Tenesse e Alabana  aportaram em terras parauaras fugidos após a derrota na Guerra de Secessão. Um grupo um superior a pouco mais de cem pessoas.

Com o objetivo em modernizar a fazenda Taperinha o Barão firma sociedade com o confederado Romulus  Rhome (sociedade Pinto & Rhome). No Planalto Santareno, marcado pela presença de quilombos, boa parte da população de remanescentes tem como origem os negros fugidos da fazenda Taperinha.

Sobre os confederados em Santarém, além da obra de Norma Guilhon, e a tese de Euripedes Funes sobre a presença de quilombos no Baixo Amazonas, ver tese de Célio Silva, da Unicamp sobre os Confederados. Ver AQUI

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Uns punhados sobre a vida, praça, prosa e breja

Em 2021,  a Garapeira Ypiranga soma 99 anos. É  o meu oásis do prosear.  

Fonte: imagem da internet

Réu, confesso, o prosear é o meu vício, chamego, cela. É um matutar sobre a existência nas faculdades sem paredes. Clarão de sabença. Não arrenego. Peço, não encrespe a minha cachola com a ditadura das horas, obrigações, tempo marcado para isso, e para aquilo. Prosear é uirapuru liberto de gaiola.

Prosear, rio do quintal do meu viver. Barco sem pressa. Atitude revolucionária. Ação anticapital e antimanicomial por excelência. Um atropelo desse tempo agoniado. Esse tempo de correria desembestada e desenfreada.

A prosa é o mel no fel do cinza céu do Planalto Central. Terapia horizontal a invocar Freire, Elino Julião,  Kid Muringueira, Caymmi, Áurea Martins, Maria Bonita, Lampião. Trago desde gitinho o hábito em prosear ou macunricar a prosa alheia. Ensimesmado quando não enturmado, depois...tudo é riso.

Quando criança, na Rua da Viração, na Camboa, em São Luís, tinha por hábito arrodear uma roda de dominó dominada por senhores das redondezas. Alfaiates, enfermeiros, funcionários públicos e desocupados. A intenção não era aprender a jogar, residia em ouvir as prosas de histórias antigas do bairro.

Coisas de valentia, futebol, amores, canções, puteiros...ali ouvi sobre as vivências de dois meninos do bairro que fizeram glória no Vasco e no São Paulo, Porquinho e Canhoteiro. Tempo sem pressa. Creio que o defensor do tricolor paulista fez mais sucesso. Tem até biografia. 

Em minha alma a conversa fiada viceja. Vira e mexe, deita e rola. Acomoda-se na rede. É pura bossa. É o perder das horas. Um jardim para criações de escrevinhamentos futuros. Um saque sobre a memória alheia. Docinho (Thulla Esteves), as vezes, não compreende. Calcula que estou de sem vergonhice. Zanga, passa raio. Desconfia.

Nos dias recentes, a Garapeira Ypiranga, na cidade de Santarém, tem sido meu oásis. Vez em quando uma iguana despenca das árvores dos arredores. Um susto. O bicho arrodeia dali, corre pra lá, até sumir. Alcançar um canto sossegado. Uma nova árvore. No derradeiro 07 de setembro, o acanhado espaço somou 99 anos.

A garapeira foi plantada na Praça da Matriz. Bem no Centro da cidade. Fala-se que é um termômetro da popularidade de políticos. Mais eficiente que qualquer instituto do riscado de pesquisa. Cabra passar por lá, e ninguém acenar, lascou-se. 

Professor Paulinho, vulgo Maradona, e o operador de agiotagem do mercado oficial, Silvane costumam fazer par nas barricadas do prosear e brejas.  Fala-se de tudo um cadinho. Amores, dissabores, contas a pagar, grana ausente, histórias a perder de vista de garimpo, sendo as do Cripurizão as mais recorrentes.

Dona Rosilda rivaliza em idade com a instituição de caldo de cana. É funcionária da Secretaria de Cultura. Devota bom tempo na Praça da Matriz. Faz fé no bicho, uns gracejos, e pimba, filou um lanche.

O cego Carlinhos, exímio interprete de Vicente Celestino, tá de gancho do balcão da firma. Fez criancice. Jogou um copo de caldo de cana no Buba. Buba é o atendente fixo da firma, que conta ainda com Dabanha e o Buba II. É o Buba I que desenrola quando a casa recebe gringo. Ele se vira com inglês e espanhol. 

Rosilda e Carlinhos são de paz. A questão são os malas. As almas sebosas, como se diz em Pernambuco.

Antes da pandemia, seu Cacheado e Dona Ninita, ladeados pela filha Dalila tomavam de conta do lugar.  O casal tá de resguardo por conta da peste.  Somente o casal soma mais de seis décadas de casa. 

Pastel de vento, coxinhas e bolo são algumas da iguarias negociadas no estabelecimento quase secular. Fatiar o bolo é exercício de Junior Cacheado, o delegado, que sempre bate ponto em qualquer hora do dia. 

Prosa aglutina. Contudo, também desagrega. Peão que pisa errado no quadrado, logo é desautorizado. O prosear ajunta o povo que aporta das comunidades vizinhas: Arapiuns, Aritapera e Boim.  

Caboquices de pescador. Um trago de conhaque.  Riso certo. Canções antigas de casas de tolerância. Elino Julião, Bartô, Fernandes Mendes, Carlos André e Odair José. Combustível potente para o filosofar sobre as dores de amor. O Tapajós é testemunha. 

Tanto é o falar sobre as canções das dores que acometem o cotovelo, que ao lembrar de prosas sobre um histórico puteiro de Marabá, o Canela Fina, que sucedeu a inspiração que geraram os versos que seguem.

Homem, confesso

Vencido

Chorei

No Canela Fina, chorei

Tudo por conta do pé na bunda que levei

Depois de todo amor que te dei

Chorei, meu sangue derramei

Malárias no garimpo colecionei

Trairagem, bala, vícios

Tudo do pouco que ganhei, te dei

Findo o sofrido e amaldiçoado dinheiro do trecho

O seu desprezo foi tudo que herdei

Chorei, vencido

Derrotado

Sem uma cama para voltar

Na porta do Canela Fina

Chorei.....até definhar...

Sem o seu amor encontrar....

Sem bandeiras, barrancos, um lar...

Um fio de luz de algum luar .....

II Marcha das Mulheres Indígenas protesta contra os constantes ataques aos povos ancestrais. O Evento encerra no dia 11, quinta feira

"Território: nosso corpo, nosso espírito" - lema exalta a centralidade do território para a efetivação da reprodução cultural, econômica e política dos povos indígenas. 




Com a força das ancestrais, saberes, tradições e lutas que se somam e convergem juntando mulheres de todos os biomas brasileiros, este primeiro dia da Marcha, 7 de setembro, tem sido dedicado à acolhida das delegações. Até o momento, são 4 mil mulheres, de 150 povos indígenas, reunidas durante três dias de atividades no espaço da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), em Brasília. Leia a íntegra AQUI