sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Pandêmico natal: nada de Roberto Carlos ou carnaval...

 


Seis horas para cozer o peru é a estimativa otimista em forno de fogão normal. Em um possante levaria umas três. A criatura tem perto de cinco quilos. Tudo somente para uma pessoa. O cônjuge de Guzzi puxou Minas Gerais para ver a família. O trecho São Paulo Minas Gerais em dias de festa demanda mais tempo que o normal.

Assim como o cozimento do peru em forno vulgar doméstico, tudo pode acontecer em dias de festa nas rodovias. Em casa, o gás acabar; na rodovia, uma carreta de combustível capotar, pegar fogo e bloquear a via nos dois sentidos.

“Patos de MG” anda saudoso da família. Pai e manos. Gente de festa farta, bebidas e rango.  Ozzi e Frida farão companhia à Guzzi na ceia. São felinos. Traquinos. Derrubam árvores de natal e TVs.

Ozzi anda viciado em tomate. É um gato negro. Assalta a geladeira e mocoza os frutos em seu local de dormir. Estranho vício. Frida, acizentada, é bruta. É gata de rua. Adotada nas Gerais puxou São Paulo.

Tempos de pandemia. Terminais rodoviários e aeroportos entupidos de gente como se não existisse amanhã em um país sem governo. “Patos” sairá direto do trampo para a rodoviária. O embarque será antes da meia noite do dia 23.

A viagem até Congonhas deve durar umas dez horas, caso tudo se desenrole sem problemas. A cidade abriga esculturas em pedra sabão do mestre Aleijadinho. A praça das esculturas é um sabão. Fácil de cair. Queda em cada estação.

Natal pandêmico. Famílias separadas. O melhor presente nos últimos anos. Nada de treta em ceia. Cada macaco no seu galho. Sobram as ligações cordiais. Mainha, agoniada, talvez com o intento em ficar quieta, ligou às 18h.

Manifesta um banzo por conta da perda da prima-irmã Socorro, que partiu há três meses acometida por Covid. Calhou da data da passagem ser o dia 24. Missa de três meses de partida. Nada de ceia. Despeja umas mágoas. Fim de papo. É hora de retomar a breja. As costelas de porco estão no forno. O molho arde no fogão. Tem um nome esquisito.

Docinho (Thulla Esteves) troca mensagens sobre o assamento do Peru com a Guzzi. Em seguida parte para a ligação para os parentes distantes. Mary é a primeira. Ela foi quem  acolheu a Guzzi quando aportou em São Paulo. Mary é esposa do tio de Docinho.  Afetividades daqui. Doçuras de lá.

A bola agora é com o tio. Odontólogo aposentado desde sempre devotado à pinga. Prestes a somar 80 primaveras anuncia em tiro curto diagnostico de cirrose. Parece levar tudo na esportiva. Em seguida conta que já tomou a dose do dia.  “Fazer o que, já tenho os dias contados”, ironiza.

Arritmia, diabetes, hipotireoidismo, hipertensão, cirrose, ansiedade, TOC. O pulso ainda pulsa. “ Égua da genética. PQP”, dispara o tio. A pauta descamba para saúde. O tio acredita da sabença do vírus. Deve tá pensando nas mutações do mesmo. “Nunca mais seremos os mesmos”, acredita.

Pandêmico natal. Nada de carnaval ou show de Roberto Carlos. Na rodoviária, “Patos” dorme no busão. Acorda às 5h pensando em BH. Nem imagina que ainda tá em São Paulo. Uma carreta de combustível tombou, incendiou e tomou as duas pistas. Então, é natal...

“Patos” ficou mais de cinco horas no busão por conta do acidente com a carreta.  Rodovia desobstruída, o pneu fura. Não tá fácil. O bravo mineiro aporta em sua terra natal quase vinte e quatro horas após o seu embarque em viagem que duraria umas dez horas.

Após mais de seis horas o peru assa. Farofa de banana para o acompanhamento. As costelas do suíno arriscam queimar após duas horas. Tudo deu certo. Tudo saboroso. Arroz e purê para as costelas. Brejas, brejas e mais brejas...risos sobre as prosas..chamegos..

Comemos para além do necessário. Sono. A mangueira do vizinho eclipsa a lua em quarto crescente. Porta aberta em solitário corredor acometido por vento forte que emana do rio Tapajós.

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Mineração na Amazônia: livro analisa a mineração a partir do olhar da mulher

A publicação traz quatro artigos que abordam o impacto da mineração, destacando aspectos que vão para além dos seus efeitos mensuráveis, captando as questões psicológicas e subjetivas do cotidiano das mulheres. O livro conta com ilustrações de Beatriz Belo, artista de Macapá que buscou captar a relação entre corpo e território, central na vida comunitária das mulheres desta região. Leia mais AQUI

Ferrogrão - pesquisa da UFMG alerta para a expropriação que o projeto provocará

Estudo revela que a EF-170, conhecida como “Ferrogrão”, pode impactar 4,9 milhões de hectares de Áreas Protegidas em municípios que somam 1,3 milhões de hectares desmatados ilegalmente. Os dados são do estudo “Amazônia do futuro: o que esperar dos impactos socioambientais da Ferrogrão?”, elaborado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). [Leia na íntegra] Leia a íntegra em Outras Palavras

O esporão de arraia no pé de Arigó é o calcanhar de Aquiles da nossa terra?

 

Orla de Santarém/PA - Porto da Cargil - barcos do lugar..barcos de além rio-mar..

Faz dois meses que Arigó luta com uma ferida no pé esquerdo, na altura do tornozelo. Esporão de arraia o feriu ao afrontar o rio Tapajós. Em tempo de seca do rio é necessário cuidado. É comum as arraias nas beiras.

Os antigos ensinam que é necessário zelo no caminhar, e, é aconselhado arrastar os pés nos beirais dos rios. Desta forma, ao se deparar com o animal, ele segue em fuga e não ataca o estranho visitante de sua morada. A tática reside em não pisar o bicho.

A dor é insuportável, contam os agraciados com o esporão. Falam que dura mais de 24h. Arigó lembra que um colega faz um mês que não consegue se locomover. Pelo fato do amigo não poder se deslocar, o cabra sente-se feliz em poder andar, mas, tá aperreado com a demora na cura da ferida.

O machucado resulta de uma pescaria em praia de Belterra, no Baixo Amazonas. O negro atarracado, de uns sessenta verões é uma espécie de “faz-tudo” de um prédio recém erguido nas proximidades do Mercadão 2000, em Santarém.

Arigó acompanhou um estranho em praia de Belterra, quebrada que ele, apesar de nativo, filho de um cearense com uma caboca do Pará, desconhecia.

Em Belterra, lá no comezinho do século passado, o multimilionário Ford intentou o monocultivo de seringueira. Neste período abundava a migração de nordestinos para a Amazônia. Processo animado pelo governo Vargas.  

Ainda hoje é possível notar resquícios do monocultivo e do maquinário da época. E muita gente a lembrar a história.  Prosa  para muitas garrafas de café.

No prédio do patrão Arigó faz tudo. Mostra os apartamentos vazios a pretensos futuros inquilinos. São quatro andares. Tudo sem elevador.  O homem zela pela limpeza, carrega pacotes e malas de moradores/as.

No dia em que fomos conhecer um apartamento de vista para o rio, uma senhora parecia se deslocar em férias rumo às praias da região.  A senhora branca, portadora de vitiligo, trajava bermuda, chapéu para se proteger de um sol inclemente e óculos escuros.

O negro a ajudou na empreita em descer as malas e sacolas até o portão. No calor do momento não havia reparado para a distinção de classe. Ao papel em condição de subalternização do senhor.

Somente depois, ao retomar a leitura do premiado livro Torto Arado, do geógrafo baiano Itamar Vieira Junior, bem como as lembranças de obras de Dalcídio Jurandir, a situação clareou.

Soma-se ao quadro, o episódio ocorrido em Minas Gerais, aquele em que um professor manteve por longos anos uma senhora negra em condição análoga à escravidão.  Recordei ainda casos de trabalho escravidão na cadeia da produção do açaí no Marajó e em fazendas e carvoarias do sul e sudeste do Pará.  

Não sei exatamente ser esse o caso de Arigó. Ele porta boné, chinelos, camisa e bermudas simples. Tudo desprovido de grife. Tudo adquirido ali mesmo pelos arredores do Mercadão. Tem a fala mansa e pausada. Faz as coisas sem a agonia das horas dos grandes centros. Tem a pressa do balanço das redes ribeirinhas, do navegar de antigas embarcações da região.

Arigó é uma demonização pejorativa dada aos migrantes nordestinos por estas paragens, em particular o cearense. O termo invoca pouca sabença, leseira, matutice, bocó, etc.

Ao contrário do termo desqualificador, na orla da cidade, eles hegemonizam o comercio de varejo. Aquele que vende de tudo: tralha de pesca, panos, roupas, redes, eletrônicos importados da China. E, alguns, militam ainda na agiotagem.  A pratica por aqui mata. Mata quem deve, e também o “emprestador”. Por estas paragens morre o bravo,  morre o manso.

Na cidade os arigós são respeitados pelo apego ao trabalho. Sempre abrem os comércios independentes de feriados pátrios ou religiosos. Mesmo agora, quando do nascimento do filho do Deus, ou do primeiro dia do ano.

Assim como o restante da cidade, a orla passa por profundas modificações. A cidade se verticaliza a olhos vistos. A especulação imobiliária desfila com a desenvoltura de um rinoceronte.

E, em terra de arraias, botos e cuias, até delegado grila e especula, favorece garimpo, e prende quem da floresta intenta cuidar.  

 

Ao largo do rio, o barco segue....Amazonas....Tapajós...Arapiuns....

 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Entrevista com a coordenação do MAM: Mineração no Brasil, a encruzilhada civilizatória diante dos crimes de Mariana e Brumadinho em MG, o saque na Amazônia, a sanha dos rentistas e a necessidade em revisar o setor a partir dos sujeitos por ele atingidos.

Charles Trocate & Sabrina Lima da coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração-MAM analisam o delicado quadro do setor da mineração no país. 


Comunidade de Paracatu/Mariana/MG, após o crime ambiental da Vale. Foto: Giovanna de Guzzi


A mineração e o agronegócio são celebrados por setores nacionais como os salvadores da pátria mãe gentil na composição da balança nacional. No caso mineral, os estados de Minas Gerais e o Pará funcionam como uma espécie de locomotiva do setor. O primeiro há séculos, e nele sucederam os principais crimes ambientais recentes da mineração do país, casos de Mariana e Brumadinho. Os eventos protagonizados pela mineradora Vale, por vias tortas colaboraram na popularização dos dramas a que são sujeitadas as populações afetadas de todas as formas pela atividade mineradora (econômica, social, cultural e ambientalmente), além de colocar o tema na agenda política nacional, e realçar o  debate sobre a apropriação por poucos pela riqueza gerada pelo setor, bem como o papel do país como mero exportador de produtos primários, o que ratifica a sua condição colonial no xadrez da política mundial. Sabrina Lima, radicada no Rio Grande do Sul e Charles Trocate, natural do Pará, ambos da coordenação nacional do Movimento pela Soberania da Mineração (MAM) buscam nesta entrevista analisar o setor da mineração no país, e ressaltam da necessidade urgente de uma reorientação do mesmo a partir dos sujeitos por ele afetados.  

Blog furo: O minério, em particular o de ferro, representa uma importante commoditie na composição da balança comercial do país, produção que vem sendo colocada em xeque por conta dos sucessivos crimes cometidos pela Vale e outras empresas e garimpos,   qual é a análise que o MAM faz sobre  panorama da mineração no país nos dias atuais?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima

 

Vamos lá então, de tantos modos de interpretar esse processo podemos escolher um de viés crítico, porém aberto e dialógico. A origem das articulações sobre os impactos da mineração no Brasil - chamemos de recente e tardia, dentro de uma conjuntura histórica ao menos de três séculos de mineração no país - tem como causa aproximada a prática mineral da Companhia Vale do Rio Doce - CVRD no conflito em Carajás e suas mutações empresariais. A atuação da empresa no estado de Minas Gerais e no Pará, minas a céu aberto dentro da Floresta Nacional de Carajás, Estrada de Ferro Carajás - EFC, Hidrelétrica de Tucuruí, assim como os complexos minérios metalúrgicos intensificaram-se no imaginário coletivo. Na aparência é possível distinguir que não há questão mineral de impacto conjuntural, como defendem os especialistas do assunto, mas, a estruturação do problema mineral, seu início e fim, como nas imagens recentes de catástrofes do uso industrial dos solos e subsolos, que muitos definirão como parte do sistema de perdas e ganhos. Outros insistirão na necessidade do equilíbrio da balança comercial.

 

Os projetos de mineração em escalas ampliadas de produção e a fratura territorial são externalidades do problema mineral desde o centro capitalista à periferia exportadora. O centro é onde a expropriação se torna acumulação, ao mesmo tempo em que impulsiona a imprevisibilidade sistêmica – não só a derrama de rejeitos como formas de catástrofes públicas. A natureza brasileira e o seu piso geológico são funcionais ao sistema-mundo de produção de mercadorias. Todas as políticas liberais, neoliberais ou progressistas, como caso brasileiro encerrado recentemente tendem a conviver com as redes ideológicas que sustentam essa relação subordinada. A dialética da dependência se instaura por muitos meios e o que agora vivenciamos na mineração tem em seu caráter a financeirização absoluta. Muitos dos minerais arrancados da terra não viraram mercadoria e sim estoque - morto em algum país da era global realizando capitais sobre o controle de algum estado transnacional.

 

 

Blog Furo: O que representa a insistência da economia baseada no extrativismo, em particular o mineral?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima                                              

Os riscos com os quais convivem os habitantes dos circuitos da rede global de produção mineral são inúmeros e um deles é a desfunção da economia da natureza. O desenvolvimento pela mineração tem seu alcance trágico das pequenas às mais avultadas experiências, e não nos preparamos para olhar a fundo o espantalho que são. A reincidência é uma virtude que corre desembestada para o passado e para o presente, e nessa forma de gerir negócios os destroços da mineração é matizada como política de Estado e é por ela que se realiza. É o caso da mineração em Serra do Navio, no estado do Amapá. Exemplo centrífugo mais pertinente de que o desenvolvimento pela mineração gera subdesenvolvimento. Sem controle a empresa mineral é a sua própria legislação ambiental, econômica e trabalhista. É ideologia de poder.

 

As economias dependentes dominadas de fora, para ter acesso às finanças internacionais e vínculo à economia global optam apenas por equilibrar a variável de recursos entre importação e exportação, e estimulam a exportação dos produtos primários com maior prejuízo às regiões onde estes territórios do capital se realizam sem nenhuma taxação. O que importa é o produto primeiro, o equilíbrio da balança comercial. Neste caso o que determina o valor absoluto das commodities são os intermediários financeiros e com ele a complexa rede do poder global (bancos, agências de desenvolvimento e bolsas de valores), impondo o uso intensivo da natureza à custa de uma renda melindrada por diferentes agentes rigorosos nos negócios, onde os altos juros de retorno e o aumento da taxa de lucro dos acionistas compõem a máxima. A reorganização dos espaços globais de produção e consumo é uma definição hegemônica que o geógrafo Milton Santos chamou de “alienação territorial”- quanto maior a dependência de exploração de bens naturais, maior controle da economia por multinacionais.

 

 

Blog Furo: Como podemos entender os mecanismos desse modelo que ratifica a condição colonial do país?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima

No Brasil nada se parece mais ao modelo de mineração do que a Vale S.A. Gestada como empresa estatal nos debates parlamentares– 1889-1945 herda as características da empresa colonial e assim prossegue como enclave provocando minério-dependência em seu lugar de origem, o estado de Minas Gerais. A Vale nasce na ditadura de Getúlio Vargas e é dirigida em outra que a espacializará para a Amazônia no sudeste do Pará, e se sobressai incontornável na terceira república com a constituinte de 1988 e de lá até os dias atuais. No caso do Programa Grande Carajás é ilustrativo o subtítulo do livro de Lúcio Flávio Pinto, - as mutações da estatal, e o estado imutável do Pará. A presença da Vale S.A. fez a economia do Pará pobre e limitada, administrada institucionalmente pelas elites predatórias, que bloqueia os espaços políticos e os setores populares do usufruto da renda mineral que circula nas regiões mineradas. Nos últimos dois códigos de mineração, o de 1967 e o de 2017, a mineração permanece como o espaço de decisão mais antidemocrático da república.

 

O modelo de mineração no Brasil e a empresa mineral ficaram incontroláveis e este descontrole advém da inserção econômica no sistema-mundo de produção de commodities. O incremento da mercantilização da natureza resultou na privatização da estatal em 6 de maio de 1997. A empresa publicou em 1993 numa edição de 4 livros para comemorar os 50 anos de sua fundação -A História da mineração no Brasil-, da qual é primeira depositaria sobre todos os pretextos reluzentes do ouro ao manganês entre outros minerais. O livro,“O Guia Bibliográfico para a História da Mineração do Brasil” somam 1280 referências bibliográficas entre estudos, teses, ensaios da trama que estamos envolvidos. O poder de diluir esta trama em algo novo (se é que é possível esgotá-la) consiste em compreendê-la e transformá-la.

 

Sobre a atuação da empresa mineral pouco se sabe ou se deixa facilmente saber. Conhecer as lógicas da mineração não se tornou entre nós cultura de palavra pensada. Mas ela poderá vir a existir e já dá sinais evidentes, e os desafios de traduzi-los em luta política não pode ser inconveniente ao movimento critico que se forma na sociedade. Nota-se que desde 1997, duas décadas depois da sua privatização, e marco temporal para a atual política mineral, estas pesquisas tenham aumentado exponencialmente. Algumas informações indo de encontro à necessidade da “Coleção: A Questão Mineral no Brasil”, entre outras publicações e os motivos para tanto são inúmeros, sobretudo em termos conjunturais onde as tragédias não se filiaram às mudanças necessárias que o tamanho da erosão da Mina Guaíba, prestes a ser instalada no Rio Grande do Sul, aos dilemas do polo gesseiro no sertão do Pernambuco acionam na sociedade.

 

A estratégia da empresa agora é a de corporação financeirizada e se retroalimenta no seu dinamismo a dispêndio dos impasses na luta política conjuntural no Brasil. A ênfase pública do “Redescobrimento” que propõem a Vale S.A. é a reorganização e a modernização capitalista do setor. Deles derivam sobre os seus interesses muitas unicidades desde as redefinições sobre uso industrial dos territórios a política de inserção fiscal e tributária, legislação ambiental e a compensação financeira sobre a depleção dos bens minerais. Assim como a sonegação fiscal, inerente a este tipo de negócios e sobre a qual se assenta todas as contradições do modelo de mineração imperante nas relações sociais, na economia e na natureza. A incontrolável indústria da mineração só será interpelada por mobilização popular nas várias escalas da sua atuação, do território aos trabalhadores [as] em situações insalubres e nas formas de consumir, passando pelo controle das tecnologias expansivas e de produtos supérfluos às necessidades humanas.

 

Blog Furo: Como a VALE.SA opera na cooptação institucional e na  divisão política dos que por ela são afetados?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima

 A política da empresa de relação com as comunidades próximas aos seus empreendimentos se alterou profundamente e nas cidades mineradas se sobressai a aliança avassaladora com as corporações de comunicação de massa. A política de convencimento por crédito, subsídio estrutural e cooptação e divisão dos contrários se alterou e é verificável sua capacidade de se desvencilhar dos conflitos. Na arte e nos sistemas educacionais instituindo currículos, no Brasil como todo mais sobretudo nos municípios minerados prevalece as diretivas da visão do empreendimento mineral. O centro das inquietações da sociedade, dado os conflitos emergentes diluídos no que representa a reprimarização da economia, maior consumo e desperdício de natureza e a permanência das commodities agrícolas e minerais como vetor de força econômica das dinâmicas políticas e sociais.

 

 

Blog Furo: E as reações em relação ao modelo mineral, digo de crítica e contestação política cresceu no Brasil ou ainda permanece como um conflito isolado, podemos citar a presença da VALE. SA na Amazônia, na região de Carajás, onde não cessa os problemas?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima

Sim, se por um lado o esforço de nacionalização do conflito mineral de Carajás, com “Mesas redondas”, de 1993-1996 que vão dá origem a Fórum Carajás, com o envolvimento das organizações de assessoria, Sindicatos Rurais, entre outras tendências de articulação política do estado do Pará, Maranhão e Rio de Janeiro, com apoio do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos da Alemanha, é só em 2007 com o conflito agrário da “Jornada Nacional em Defesa dos Recursos Naturais do povo brasileiro”, em Parauapebas [PA], organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST da região e outras forças locais que ganhará a potência atual e se encontrará a outros conflitos de mineração no espaço agrário e urbano no Nordeste, no Centro-Oeste e no Sul do país. Fica claro que o que permitiu esse acontecimento é a autonomia política que estes coletivos mantiveram na região, da política de Estado e dos governos, da empresa de mineração e do latifúndio. Em 1996, consta nos autos do processo do Massacre de Carajás que resultou em 19 mortes campesinas que a empresa pagou o transporte que levou a tropa policial ao local em 17 de abril daquele ano.

 

Tais fatores permitiram produzir em sentimento a atuação que nem começa e nem esgota a atualidade do conflito mineral do Brasil no Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM a partir de abril de 2012, desde Parauapebas no Pará. O grupo de interesse formulou os argumentos desse processo e deles originaram inúmeras conversações e desdobramentos práticos. Entre eles, destaca-se o discurso de nascimento, de onde começar (que a muitos pareceu confuso), mas hoje não mais, de que a “mineração não pode ser oito ou oitenta, mais quarenta”. Foi a forma de não se isolar numa questão, e nem em outra sobre a crise mineral instalada nas regiões e lugarejos, mais o de abrir espaços de diálogos e articulações onde nada se precipitava naqueles idos.

 

No entanto, o ponto máximo desse percurso é a descoberta nas lutas e em franco embate dos diversos afetados da indústria extrativa da mineração – de poderem debater, negar, superar e propor outro modelo de mineração -, sobretudo, saber lidar com os inconvenientes conjunturais, de que está tudo por criar num percalço cheio de antiformas da mineração e o seu poder estatal, incluso a espionagem e acanhamento dos espaços da política. É o princípio Potosi revelado como tantas outras vezes se fizeram e sua máquina de esmagar territorialidades, pelo tecnicismo destrutivo e pela violência da modernidade incontrolável. Seja no Vale do Ribeira em São Paulo, Santa Quitéria, no sertão dos Inhambus no Ceará ou em Caetité na Bahia e empresa mineral é endêmica na forma de despojo territorial.

 

As constatações na década anterior são de que estava em curso a tomada acelerada de territórios pela empresa mineral e o conteúdo do conflito será de dificuldades geradas pelas despossessões. Foram muitas e seguidas reuniões, protestos, mobilizações, até se desenvolverem formas políticas de lidar com as situações de risco que a mineração instaura. Entre os anos de 2015 e 2019 com as derramas de rejeito em Mariana e Brumadinho [MG] o empreendimento mineral se traduzirá no maior de todos os conflitos da moderna empresa no país e na sua pretensão de chegar a tantos territórios campos e cidades - a cidade que é por ordem de negócio lugar que circula a natureza. Os envolvidos nessa guerra de submissão pela perda de sentido territorial para o capitalismo de catástrofe mineral indagaram: por que a mineração no Brasil tem esse caráter destrutivo?

 

Não é protocolar que a nacionalização do conflito Carajás como já se revelara contra o desperdício da experiência e que se estimula desde abril de 2012, ainda se situa em ambiente de tentativa política. A duração do Movimento pela Soberania Popular na Mineração- MAM e de inúmeras articulações que verificamos como forças vivas na questão mineral é uma construção e o seu limite histórico é a própria conjuntura histórica. É esforço criterioso e exige vigilância contínua, sobretudo, ainda que seja como mera informação – como lidar nos dias atuais para não tonar-se cético que em três séculos de contradição mineral não haja esforços populares de mobilização e organização sobre a forma clássica de acumulação da mais valia ecológica do empreendimento mineral em época colonial ou moderna e republicana. A concatenação dos embates territoriais e no mundo dos trabalhadores [as] da mineração não produzirá pauta histórica que se possa referenciar?

 

É como se tivéssemos que urgentemente tirar lições das lutas na mineração no Brasil. Mas, afinal, elas existem? Onde elas estão sendo refletidas e que espaço elas podem ocupar na estratégia de territórios livres de mineração ao alcance de um outro modelo mineral? Por tudo isso, e por essa compressão – dos fatores e dos resultados – as articulações que se abrem sobre o modelo mineral precisam ultrapassar o imaginário decrépito de que os fins justifiquem os meios e a ingenuidade na crença do progresso inevitável. As experiências politicas precisam ser propositivas na mediação possível de convencimento da e na sociedade. Sobretudo, o momento é de desprendimento e experimentação dialógica. A mineração se evidência também como luta de poder exercido com a máxima violência política e institucional.

 

Blog Furo: Bom, já se vão duas décadas desde a privatização da CVRD. Hoje  a VALE.SA, onde estamos exatamente entre perda de soberania e o lucro extraordinários dos acionistas que se apresentam como tragédias ecológicas, acidentes coletivos dos trabalhadores da mineração e o aumento da dependência externa e a desindustrialização?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima

Atentemo-nos ao que assiná-la Kwame Nkrumah, a (...) “a essência do neocolonialismo é que o Estado que lhe está sujeito é, em teoria, independente e tem todas as características externas da soberania internacional. Na realidade, seu sistema econômico e, com isso, sua política são dirigidas de fora (…) O resultado do colonialismo é que o capital estrangeiro se utiliza para a exploração, mais que para o desenvolvimento das partes menos desenvolvidas do mundo (…) O neocolonialismo é também a pior forma de imperialismo. Para quem pratica significa poder sem responsabilidade e, para quem sofre significa exploração sem reparação”. O ciclo de altos preços das commodities minerais ficou no passado, a tendência é que volte a crescer entre os anos 2020-2025. Em momentos de altos e baixos rendimentos as contradições continuam imponderáveis.

 

O que mais deveria tornar se reflexível versa o contrário com a famigerada busca por novos territórios pela empresa mineral. É o princípio Potosi revelado no parlamento e inflado na sociedade do desperdício – contra os territórios históricos dos povos originários e não só. É como se a única forma de crescer seja a dissolução territorial numa ponta e a naturalização da natureza morta e a renda que a todos substitui noutra. A minério-dependência e a dependência da técnica e de sistemas financeirizados é, por assim dizer, a única eficácia desse sistema de esgotamentos geofísicos. Reestabelece o velho dilema da dependência da técnica e da finança alheia para que ambos cumpram acumulação exigindo cada vez mais vastos territórios e legislações eficazes em remonta beligerante e a diluição do humano – o trabalhador por inteiro –, todas as formas de exploração na vigência da commodity.

 

Em 2016, por exemplo, um ano após o crime em Mariana [MG] entrou em funcionamento o projeto S11D, no município de Canaã dos Carajás, no sudeste do Pará. Na qualidade do seu mineral, o ferro é o mais puro, atestam os especialistas e os negócios da empresa. Concorre para a experiência pioneira pela tecnologia a ele empregada e junto a outros tantos empreendimentos minerários país afora reabilitaram a dinâmica do que foi o Programa Grande Carajás no sudeste paraense, que o IBASE definirá em estudo no início dos anos 80 do século passado como cálculo de  “hipoteca do futuro”, e não há dúvidas que assim se sucedeu. Em ambos os casos, qual o “calcanhar de Aquiles” da indústria extrativa da mineração? É somente a espionagem como política da empresa de organização militar e a militarização como coesão estatal. A desinformação como informação, os elementos impeditivos das lutas populares na mineração.

 

Em meio a tudo isso se abriu um momento de breve duração para avançarmos na popularização da questão mineral e são muitos os fatores internos e externos que favorecem esta situação. Os crimes da empresa mineral em Mariana e Brumadinho [MG] e Barcarena no [PA], entre outros, tem infelizmente duplo significado. Entram criticamente no pensamento social brasileiro e ao mesmo tempo induzem ao maior controle social desses processos. É um jogo de forças e dele se originam distintas mobilizações e organizações de variáveis tamanhos e escalas.  Sobretudo porque já está claro que a definição do que minerar, como minerar e onde minerar não passa pelo Estado de força do capital, mas por uma construção crítica, a construção de força social que altere o curso desse atual estágio antropofágico da indústria da mineração.

 

Em ambiente de guerra contra as correntes do pensamento mineral conservador, são constantes as ações de surgimento e consolidação de articulações que vão da elaboração de medidas, contra catástrofes, a documentos institucionais oriundos de CPMi´S e comissões de assembleias legislativas, à construção de peças que moldam a mudança do modelo mineral e a volta do controle público do setor. Verificam-se movimentos pelo fim da Lei Kandir e uma política de transparência pública do uso da Compensação Financeira sobre exploração mineral-CFEM nos municípios minerados. A recuperação de certa tradição de documentos e pesquisas críticas sobre a empresa mineral e o estabelecimento de novos estudos. As ações populares de diversas origens vão se convertendo enfáticas nos territórios deturpados da mineração, assim como a contribuição do MPF sobre o garimpo do ouro, seja ele manual ou industrial, resultam numa extrema concentração, e que requer controle político e social. Estes prelúdios retiram o conflito mineral do seu lugar de mando e privilegio da crítica à empresa/modelo para desconforto generalizado, tendo os ideólogos da mineração no país e suas revistas especializadas alertado sobre os riscos de colapso que o setor atravessa.

 

 

Blog furo: Diante do que já foi exposto, quais as chances de interpretação e luta em tempo real, para ao menos  equiparar com a forma incontrolável da empresa de mineração?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima

O geógrafo inglês Anthony Bebbington, citado por Horácio Machado Araóz, descreve que na América Latina: “Tanto o século 19 como o 20 estiveram repletos de boom mineiros cujos efeitos finais não significaram se não o surgimento de uma classe política rentista, a criação de economias de enclave e a irremediável deterioração do meio natural do qual depende a sobrevivência de uma população rural, majoritariamente camponesa e crescentemente empobrecida”. A mineração é este paradoxo, apenas sentimos os efeitos recentes de um novo período de perdas nos termos de troca comerciais na sua espacialização pelo continente. Esta fase que poderíamos chamar da mais destrutiva de todas tem seus fundamentos no tripé que desatou tantas tragédias: a desindustrialização, a Lei Kandir e a privatização do setor mineral de 1997 para cá -  é a época que tudo se acelera continuamente, tanto no crescimento como na recessão.

 

O modelo mineral Brasileiro é um sistema de conflitos, mas qual o tamanho do território conflitado pela mineração no país? O que deveria ser o modelo mineral brasileiro? O que de fato ele exige para ser diferente? Já não se trata de conflito que opõem tecnocratas do governo, empresários e técnicos de um lado e oposições particulares pelo controle da renda mineral. De um lado estão os que sofrem o poder e a ninguém podem exigir reparação, são os que veem suas vidas arruinadas numa pobreza estrutural que não cessa, enquanto do outro lado, os que ficam ricos com os negócios da mineração e no limitado tempo-espaço que duram essas explosões de rochas. O deslocamento da empresa mineral para a Amazônia e todos os seus recordes de produção de um lugar que substitui o outro porque a rolagem da mineração não pode parar. É o Pará substituindo Minas Gerais e a Pan Amazônia locus de tantas fronteiras de exploração global.

 

Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, Barcarena, Oriximiná e Juruti no Pará, são intermináveis em exemplos de perda contínua e colapso derradeiro. Quanto mais toleraremos de desperdício natural com o modelo mineral? A ruína territorial tem seu ponto de estrangulamento no objeto industrial, quanto mais a mercadoria exerce fascínio mais se arruínam territórios e mais se prendem a ele o sistema que precisa encontrar limites. O problema mineral brasileiro já não pode dispor do que sempre dispôs, a razoabilidade da ordem, da sua ordem. Assim como não poderá pela crescente articulação popular continuar imbatível. Este será para nós o conflito da próxima década de um ciclo de contradições que já evidencia numa transição de formas de lutas, da denúncia ao prejuízo econômico a empresa/modelo.

 

A latência do problema mineral brasileiro pede militância pelo direito de dizer não à mineração e explicita a necessidade de mudança do modelo mineral. Tudo pode se confirmar da luta por territórios livres de mineração e direitos em sociedades que se formam e convivem com o fardo da mineração em suas concepções de vida e destino, onde os sujeitos colocados em condição de subalternização à mineração possam arrancar outras leis -  quão necessárias - e nesse momento são, que impeçam, limitem e ordenem a escolha de relação com a vida moderna e da modernidade com a natureza. Estes acontecimentos políticos ambientados em vasto território despontam a rota a ser seguida no embate ao modelo de mineração dominante.

 

Blog Furo: Para finalizar, a espetaculosa política mineral do governo Bolsonaro não encontrará limites?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima  

A crise sanitária provocada pela pandemia reforça por um lado a falta se senso do governo, como também o poder das mineradoras quando obtém o selo de atividade “econômica essencial” e com eles o plano de mineração mas hostil que se possa imaginar. O governo Bolsonaro vende a natureza brasileira a qualquer preço e realiza isso com a convicção dos grupos de poder da mineração. Mas para apenas colocar um elemento a mais, o que estamos vivendo é uma terceira etapa da precificação da natureza- desde os anos noventa do século passado, neoliberal, de Collor e FHC, progressista nos governos petistas e conservadora, do governo Temer e Bolsonaro. A combustão para isso é a desindustrialização como marca desses três momentos e o aumento das leis que dão segurança jurídica aos capitas que especializam a economia brasileira como produtora de commoditie agrícolas e minerais.  

 

Numa outra perspectiva é necessário ir além. A crise econômica que convulsiona e tenciona o uso da natureza brasileira se origina e se oxigena da nossa indecifrável crise política. O que significa que alterar a rota e a dinâmica do problema mineral brasileiro não constitui fato isolado das lutas políticas sobretudo das que atentam a demanda de democracia e por direitos sociais e de controle popular do uso fruto territorial.

 

Assim, como retirar o problema mineral da sua baixíssima compreensão social e da sociedade não se poderá ir muito longe sem o seu envolvimento, e retirá-lo da dormência ou do esquecimento ideologicamente orientado que prevalece como sentimento mais urgente. Não teremos chances de enfrentar o bloco de poder da mineração sem assumir com radicalidade a crítica capaz de fazer pensar que a mineração não é algo inevitável, e que seu progresso não constitui força imperante da economia. Se há mineração, se há que haver mineração, qual é a sua necessidade mesmo? Este estágio nos apequenou diante dos milênios geológicos quando muitos pensam que nos agigantamos diante da natureza. Mera sedução de argumentos, desperdício de natureza e exclusão do consumo das amplas massas populares põem-nos a pensar a fazer em coletivo surpreendente jornada.

 

Numa difícil tarefa de busca de alternativas – a geologia e o seu uso por minúscula fração de classe da sociedade - é para onde se deslocam inúmeras lutas.  Consagram-se como terreno de disputas no plano imediato inclusive as de caráter de soberania popular. As lutas políticas já não são somente para o domínio em luta de poder sobre o controle das forças sociais produtivas, mas é de alguma forma para contê-las pois o progresso capitalista é inconciliável com metabolismo do planeta. O modo de vida industrial burguês ou o modo de vida imperial sucumbe à cada catástrofe, e o mundo mediado pelo objeto industrial esvazia de sentido a existência de corpos territoriais. Tratando de absolutização, o enredo da atual fase da indústria da mineração não constitui segredo que não se possa desvendar. No Brasil quanto mais destrava a força de destruição geológica mais implode a possibilidade de outro destino sociometabólico das suas populações. 

                                                                                                                  

Blog Furo: Uma palavra final?

 

Charles Trocate & Sabrina Lima

Sim, é que não percamos o momento para a reflexão e para a ação, a tormenta do nosso problema mineral não passará e tão pouco será outro por decreto, ele explicita que é necessário a razoabilidade das lutas populares, de todos os caráteres, inclusive, pois ele é fenômeno de distorções territoriais e econômicos sem precedentes da história do país. Significa que temos que mobilizar, vozes, corpos, do território ao mundo do trabalho, toda a nossa capacidade de demandar a política e insuflar com argumentos políticos a razoabilidade inesgotável que é a da luta pela soberania popular na mineração numa crescente combinação de esforços. O desperdício de natureza que a empresa mineral fagocita sem controle algum em ambiente deflagrado de destruição e controle político é necessário um gigantesco movimento popular que abata pela luta tais ambições de desastre e aprisionamento sistêmico.

 

 

26º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação inicia nesta quinta-feira (10)



Com o tema geral "Planeta Terra: Comunicação e Estado de Emergência", o Núcleo Piratininga de Comunicação irá promover quatro dias de debates. Nos dias 10 e 11, 14 e 15 de dezembro estarão sendo abordados os desafios urgentes da comunicação em geral, da comunicação popular e sindical, do mundo do trabalho e dos movimentos sociais no tempo que vivemos. A íntegra da programação pode ser acessada no site do NPC. Leia matéria da jornalista Kátia Marko na íntegra no Brasil de Fato

sábado, 28 de novembro de 2020

Natal em novembro: é tudo água ao redor

 

Praia do Caolho. São Luís/MA.Pandemia/2020

É tudo água ao redor.  Água de mar.  Atlântico.  Em sua maioria imprópria para banho. Não existe tratamento de cocô na Ilha do Amor, São Luís, Maranhão.

Navios por todo canto. Lembra uma batalha naval. É bosta por todo o mar.  Não são de guerra as embarcações. São de saque dos minérios das terras dos Carajás, no sudeste do Pará. Uma cartografia de dor. Ah, dona Janaína...tanto mar..luz a ferir oszoin...

Ah encantados da floresta, é mina, é ferrovia, é porto, é saque,  é soco, é sangue...é um riomar de maldades...

São Luís do Mará. Tão bela. Tão turva. Vesga, talvez. Bulida, bolada, boleada, baleada. Ferida de morte por interesses capitais. Dunas e mangues sufocados.

Capitais interesses. Palácios. Palafitas. Caranguejos. Homens. Homens. Caranguejos. Pontes de madeira. Penínsulas.  Portos. Drogas por entre vilas e vielas. Fechados condomínios.  

Bairro da Alemanha. A cidade é uma cidade de cidades misturadas. Pandemia/2020/

Nela, uma cidade de pretxs, dois jovens brancos de partidos caretas disputam a cadeira do Palácio de La Ravardière. Colonização. Colonialidades. Êh lambaê, lambaio....

Há uns dois anos não pisava nas areias da praia da cidade, creio. Mainha contabiliza bem  mais tempo. Prestes a somar 90 verões, manteve o confinamento por oito meses. Mainha é de danar. Virada. Viração.

Magrinha, apoiada pelo neto Jonatha, arrodeou um pedaço de areia na Praia do Caolho. Tudo água ao redor. Tudo tranquilo. Uns cabras com a rede a teimar em peixe encontrar. Caymmi, Dorival, Bnegão...

Comovente ver o zelo do neto a amparar a avó. Bem como o carinho do bisneto Franklin. É ele quem toca o terror e mantém a chama da casa acesa. Rede de cuidados/trutas/tretas/carabinas/baionetas: Cristiane (irmã), Isabella (sobrinha). Diferentes gerações. Oxigênio. 

Antes da partida, dedo de prosa com velho amigo de tempos de faculdade, Antônio Carlos (Tontonho). Tempo pouco para 20 anos de hiato. Pouca breja para tanto assunto. Naqueles idos  corria o trecho entre a área do Itaqui-Bacanga-São Francisco e adjacências. Pinga, breja, sativa. Bar do Amauri (Sá Viana), Seu Adalberto (Reviver), Olho de Pombo (São Francisco), Bar do Jósimo (Rua do Alecrim-Centro).  

Um tiro curto foi a viagem. Três dias. Dois dedicados à Delza. Arretada. Valente. Valentia. Valentina. Memória em dia. Labareda. Ela não é de comer na rua. Escabreada. Desconfia do tempero e asseio alheios. No entanto, abriu uma exceção, e até elogiou o prato. 

A viagem de bate/volta foi o natal antecipado. Insistência da comps  Thulla Cristina. Um presente! A todos fez feliz. Chorei escondido no pós almoço. Inventei de lavar louça.

Assim, tudo se misturava à água do enxague de pratos, talhares e panelas. Água de sal dos meus zoin, sabão, punhados de saudades, alegria a confraternizar na pia, escorrer pelo ralo em tempos sinistros. Tudo misturado, rumo ao mar.   Ah, Janaína...Iemanjá...

 

Doce, obrigado!