domingo, 19 de julho de 2020

Pará lidera mortes de quilombolas no país.


Organizações quilombolas e Ufopa monitoram a situação da pandemia em comunidades no estado



Até o dia 19, domingo, o Pará contabilizava 38 óbitos de quilombolas, 1495 casos confirmados, 1108 casos suspeitos, 969 casos recuperados e 02 pessoas internadas. O estado lidera os casos no Brasil, que soma 137.  

Os números constam no boletim  produzido pela Malungu (Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará) e a Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), a partir do Núcleo de extensão Sacaca, coordenado pela professora Luciana Carvalho, do curso de Antropologia.  

A coleta dos números é ativada a partir de uma rede mobilizada junto às lideranças comunitárias. Os dados podem ser bem maiores, esclarece a coordenação da iniciativa. O poder público não tem realizado ações e monitoramento com relação às populações indígenas, quilombolas e similares. Nem mesmo monitorar. 

O Pará tem aproximadamente 550 comunidades quilombolas, distribuídas em 65 municípios, com uma população estimada em 400 mil pessoas. Em todo o Brasil calcula-se em 5 mil comunidades de remanescentes de quilombos.

O quadro pode se agravar por conta dos vetos do governo federal ao socorro emergencial a indígenas e quilombolas. Acesso á agua, álcool gel, cesta básica, saúde, materiais de higiene, cesta básica  foram alguns dos pontos vetados pelo  do governo Bolsonaro no dia 08 de julho ao PL 1142/2020.

O projeto foi  construído a partir das representações politicas de indigenas e quilombolas em dialogo com os parlamentares Rosa Neide (PT/MT), Joênia Wapichana (Rede/RR) e  Rondolfo Rodrigues (Rede/AP). 

“A medida expressa  o que representa este governo para nós quilombolas. Um governo de morte. Uma ação de aquinilação do nosso povo”, reflete Valéria Carneiro, quilombola do município de Salvaterra, no Marajó, no estado do Pará, durante live que debateu a vulnerabilidade das comunidades quilombolas no estado. O evento remoto ocorreu na última sexta feira, dia 17.

O debate  é uma iniciativa da Malungu e do Núcleo Sacaca, que contou com a reflexão da professora Zélia Amador, emérita professora da UFPA, e uma referência nacional no combate ao racismo. Para a educadora a condição de vulnerabilidade e de empobrecimento das comunidades quilombolas resulta de uma construção econômica, política e social ancorada no racismo. Uma negação da vida.

O racismo, nos tira as oportunidades de vida digna, escolaridade, saúde e de uma cidadania plena. O racismo se estabeleceu com o colonizador. Foi a colonização que decidia quem era humano e quem não era. Desde sempre a nossa luta é cotidiana na afirmação na nossa humanidade. Desde a diáspora fomos transformados em mercadoria e em máquina. Não éramos pessoas.  A nossa luta é antirracista.  Todo dia”, interpreta Amador.

Sobre o Pará liderar os casos, ela avalia que os quilombolas não possuem condições materiais em se guardar. Muitas das vezes são obrigados a se deslocarem em busca de serviços nas sedes dos municípios. “O racismo é uma mazela que mata. Em pleno século XXI ainda lutamos para conquistar a nossa humanidade”, arremata.

Em plena contemporaneidade as comunidades quilombolas buscam ter acesso a água potável, serviço de saúde, as suas terras reconhecidas, educação, adequada à nossa realidade,  condições para a produção, alerta a quilombola Gilvania Silva, doutoranda da Unb e integrante da coordenação da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).

“Nenhum órgão de estado monitora as nossas situações de vulnerabilidade. Isso resulta de um racismo estrutural. Vivemos num governo de morte. Um governo genocida. Isso foi declarado logo no início do governo. Ele anunciou que não reconheceria terras de quilombos e indígenas. Esvaziou as instituições, cortou orçamento, cancelou concursos, nomeou pessoas sem compromisso e capacidade técnica para tratar das nossas demandas” avalia Silva.

Ao avaliar a situação de vulnerabilidade das comunidades quilombolas no Pará , José Galiza,  representante da Conaq no estado, calcula que a situação de empobrecimento, a localização, muitas das vezes de difícil acesso, a necessidade em buscar renda para além dos limites territoriais são elementos que favorecem a circulação do vírus.

Galiza acredita que pelo fato de algumas comunidades possuírem um grande apelo turístico, por conta dos recursos naturais com igarapés, rios e florestas, isso também colaborou para o aumento da pandemia nas comunidades.

‘Já estávamos a margem mesmo antes da pandemia. A crise só piorou tudo. Já éramos empobrecidos, com a pandemia, a pouca renda diminuiu ainda mais. Precisamos unir forças. Necessitamos de apoio de todos no combate do racismo”, encerra o quilombola do município de Acará.

Veridiana Nascimento, professora da Universidade Federal do Amapá (Unifap), enfermeira e voluntária no projeto, que pesquisou comunidades quilombolas na região do Trombetas, no Baixo Amazonas, avalia com preocupação o registro de 27 casos por dia de confirmação do vírus.

Para a pesquisadora o quadro de vulnerabilidade é um desdobramento de ausência de políticas públicas para as comunidades, que resulta em não instalação de unidades de saúde ou a prestação de serviço de um agente comunitário, sequer. “ Há locais que, assim como muitas favelas do país, não contam nem com água potável. Como ter medidas de prevenção de higiene e prevenção? ”, indaga Nascimento.

A live pode ser acessada AQUI

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