quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Novo, velho ano



Av. Paulista. Garoa. Primeiras horas do novo, velho ano. Sob as marquises em traje e cobertores em desalinho, seres humanos buscam abrigo. Contraditórias contradições, no espaço dedicado a grandes negociatas e desfiles de patos amarelos pessoas passam privações.


“Tenho fome. Me ajude” roga um cartaz de papelão segurado por um adulto em um dos acessos do metrô. Não há tanta luz na avenida.  São escassos os enfeites nas edificações.  “Outrora ocorria uma espécie de competição entre as empresas”, informa Thulla, a companheira. “O normal era tudo iluminado até o dia 10 de janeiro”, arremata.   

Tal um carro alegórico pós desfile de carnaval, o palco que abrigou shows da virada do ano ainda ocupa a rua. Gal e Jorge Bem foram as atrações principais.

Tempo lento. Ao menos esta noite, a via opera assim.  Grupos e casais de todas as tendências e idades circulam na mesma velocidade. Alguns assistiram ao novo longa-metragem de Spike Lee no Espaço das Artes.

Os conflitos raciais configuram o centro de gravidade. Entendi como uma provocação à reflexão sobre a aurora/ocaso dos nossos dias. A película ilumina arenas onde rivalizam os grupos Pantera Negras e a KKK.

Cenas de violências nos dias atuais ocorridas nos EUA encerram o filme, entrecortadas por discursos de ativistas e do atual presidente. Antes do acender das luzes decretando o fim da sessão, ecoam gritos em oposição ao presidente do Brasil, e aplausos ao filme.

O mesmo desfecho teve o delicado musical dedicado à vida de Elza Soares, encenado num espaço do Sesc. A apoteose ocorreu durante a canção que protesta sobre a carne negra do mercado sendo a mais barata.

Assim com os/as Panteras Negras, as interpretes cometeram o gesto do punho cerrado e o braço erguido em protesto. Comovente. Confesso: as lágrimas ocorreram em mais de uma ocasião.

Estranhamento: árvores no centro da medusa concreta.

Novo, velho ano. Portela celebra Clara Nunes, Mangueira em um samba suntuoso exalta o povo preto [Brasil, meu nego deixa eu te contar aquilo que a história não conta..] enquanto Salgueiro invoca Xangô. Oxalá nos alumie.



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