sábado, 7 de dezembro de 2013

Maresia, sente a maresia


Xingu - Altamira - mãe perde filho por omissão do Hemopa


No dia quatro de setembro de 2013 D. Diana Ribeiro, 54, enterrou o filho o Francisco, 28.  Foi o terceiro a ser sepultado. Todos eram hemofílicos. O caçula era pai de um garoto.  Em cinco anos D. Diana se despediu de três entes, o marido e dois filhos.

A trabalhadora rural argumenta que o filho agonizou por três dias. A morte dele poderia ter sido evitada se o Hemopa de Altamira, sudoeste paraense, tivesse fornecido o remédio Fator 8. Quando o medicamento chegou na cidade o rapaz já havia falecido.

O drama de Ribeiro aumentou ao saber que o hemocentro da cidade tinha em seus armários 12 mil caixas de Feba, um medicamento mais forte que o Fator 8, e que poderia ter salvo Francisco.

Conforme Dona Diana, no Hemopa os funcionários não conheciam o medicamento.  A senhora de semblante triste e cansado agora inicia uma via crucis por justiça. Na Defensoria do Estado ela busca por reparação.

“Enterrei meu último guerreiro. Uma morte que poderia ter sido evitada se os funcionários do Hemopa conhecessem o medicamento”, lamenta Ribeiro.

D Diana mora na periferia de Altamira com o neto e uma filha adotiva. A audiência com o defensor foi agendada para março.  

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mundo fundiário no Xingu: entre o caos, rios, rodovias, hidrelétricas, mineração e incertezas


30 mil famílias moram no Assurini, destas 20 mil são famílias assentadas pela reforma agrária em inúmeros projetos de assentamento, entre eles, Sol Nascente, Morro dos Araras, Itapuama. Existem ainda sítios e fazendas, além de áreas de garimpo, e proximidade com territórios indígenas e um modal de unidades de conservação, entre elas Riozinho do Anfrisio e Verde Para Sempre. A guerra dos mapas ocorre no município de Altamira, sudoeste do Pará, região irrigada pelo rio Xingu, e que é impactada pelos grandes empreendimentos, como a construção de Belo Monte e o projeto de mineração da canadense Belo Sun. 

Tudo soa grande na Amazônia. O território do município soma 159 695,938 km². É o maior em extensão territorial do país. Área equivalente a países como Portugal, Irlanda e Suíca. Fosse um estado, seria o 16º, maior que o Acre e o Ceará. Encontra-se numa zona proxima a importantes cidades polos, como Marabá, sudeste do estado, e Santarém, no Baixo Amazonas, todas marcadas pelo capital de grandes corporações, induzidas de inúmeras formas pelo Estado Brasileiro, em particular o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco tem se constituído como o principal financiador de megas projetos na Pan-Amazônia, beneficiando empresas como Alcoa, Vale, Votorantim e a Camargo Corrêa.    

A população de Assurini começou a ganhar musculatura quando a área indígena entrou em refluxo, idos da década de 1970, marcada por políticas de integração econômica da região e a construção de rodovias, entre elas a Cuiabá-Santarém (BR 163) e a Transamazônica (BR 230), que serpenteia a região. A União tutela boa parte do território, graças ao Decreto Lei 1.164, de 1971, onde a federação passou a controlar 100 km de cada lado das rodovias federais, em seguida incentivou a colonização com a criação dos Projetos Integrados de Colonização (PIC´s). Medidas realizadas sob a doutrina de segurança nacional, que efetivou ainda institucionalidades como o Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas (Gebam) e o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), uma espécie de Incra de gandola.

Antes dos planos militares, a seca no Nordeste nos anos 1950 provocou a migração, e cimentou mão de obra barata para o extrativismo da seringa, da castanha e da extração ilegal de madeira. A atividade ilegal de madeira persiste, e tem pressionado as áreas de unidades de conservação da região. O migrante nordestino ajuda a conforma a multifacetada feição camponesa do Xingu.

A precariedade na condição de subsistência, a rotatividade dos “donos” dos lotes, a qualidade do solo, a flutuação dos preços e a distância da sede das cidades influenciam para a permanência ou não do colono ou assentado ainda hoje. Soma-se ao cenário a incerteza se o local poderá ou não ser afetado pelos empreendimentos intensivos em capital, que hegemonizam o processo de redefinição dos territórios xinguanos.    

Assurini por dentro - Assurini é a maior comunidade agrícola do município, e chegou a ser responsável pelo abastecimento da cidade, informam moradores antigos. A população da agrovila é maior que muitos municípios do próprio Pará, como cidades do Marajó, a exemplo de Ponta de Pedras e Cachoeira do Arari.

Os cinco quilômetros no rio Xingu que separam a zona rural da sede do município é percorrido de balsa em 45 minutos. Entre outras externalidades o aumento do custo de vida é um dos rebatimentos que marca a implantação dos grandes projetos na região. Alimentação, aluguel de casas, diária de hotel, condução e o preço do translado pela balsa sofreram incremento. No caso da balsa em mais de cem por cento.

No começo do ano a tarifa paga para o deslocamento de uma moto era de R$3,00, no fim do ano alcançou a casa dos R$7,00. Uma casa simples em Altamira em área que será deslocada pode custar até mil reais. As cidades vizinhas vivem realidade semelhante, que tem desdobramentos no campo social, tais como: desagregação familiar, aumento da violência doméstica, do alcoolismo, do uso de drogas e de homicídios.

A via terrestre de acesso à comunidade, Transassurini, passa por reforma, mas mantém pinguelas – precárias pontes feitas de madeira. No percurso é possível avistar castanheiras e açaizais. Entre a paisagem empoeirada de fim de verão avista-se o gado. Babaquara e Conradinho são considerados os principais igarapés. O reparo da estrada se deve ao avanço das obras de Belo Monte e das prospecções da Belo Sun. Existe a promessa de asfaltamento. Moradores atestam que a ideia é viabilizar a comunicação terrestre com o município de São Félix do Xingu, conhecido pela bacia leiteria. O vizinho do sul do estado experimenta passivos de projetos de mineração da Vale.  

Em setembro o projeto de energia rural alcançou perto de 300 famílias no Assurini. No entanto os agricultores reclamam da péssima qualidade do serviço da Rede Celpa. Já ocorreram casos da queda de energia ultrapassar a casa dos vinte dias. Outro descontentamento é o preço da tarifa, alguns moradores receberam conta de até R$1.200,00, sem ter com quem reclamar. Cacau, castanha, pesca, caça, criação de pequenos animais garante a sobrevivência da população.  

Mobilização por direitos - O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e segmentos da Igreja Católica, entre outros sujeitos do campo democrático mobilizam as comunidades no sentido de garantia de direitos. Nesta semana realizaram uma reunião que contou com a participação de perto de 60 pessoas. A comunidade será afetada pelo empreendimento de Belo Monte.  

Os moradores elaboraram uma pauta para diferentes setores públicos e privados, e convidaram os mesmos para a efetivação de um diálogo. Ibama, Norte Energia, Rede Celpa, INCRA e EMATER foram convidados. Destes somente INCRA e EMATER compareceram. Populares queixam-se que omitir e sonegar informações tem sido prática recorrente da Norte Energia, que as vezes não recebe nem pesquisadores.

A pauta de reinvindicações para o consórcio exige o cumprimento do Plano Básico Ambiental (PBA) e do Termo de Compromisso firmado com o INCRA em 2010. Em tese as obras só poderiam ter iniciado após o reassentamento das populações atingidas. Entre outras questões a pauta dirigida para a Norte Energia trata do reassentamento das famílias, subsídio do translado da balsa, manutenção do preço do pé de cacau em R$98,00 e a responsabilização sobre a manutenção de 100 operários da empresa Naturasul, que deve em breve ocupar área no projeto de assentamento Sol Nascente. A população teme pela acentuação da desagregação e insegurança da comunidade.

Para o INCRA os moradores exigem a desapropriação de grandes áreas. A questão fundiária é a mais delicada. Nos assentamentos há casos de lotes terem sido negociados várias vezes, apesar da proibição em lei. O local conhecido como Paial sofrerá com a construção da barragem. Os agricultores temem perder a terra.  O representante do INCRA garantiu que o morador que comprou terra de forma ilegal, mas que tem vocação para o trabalho rural será reconhecido. A presença de fazendeiros é outro ponto a ser equacionado.

Na quebra de braço entre o grande capital e as populações locais, a Norte Energia tem tomado como base jurídica legislação da década de 1940, que concede ao setor privado o poder em desapropriar. O remanejamento da população de Santo Antônio no Xingu tem sido o caso mais emblemático da assimetria de força entre os envolvidos da disputa pelo território.

Como metodologia para o afetado que optar por indenização o consórcio concede uma carta de crédito. Em meio a um caos fundiário e grilagens de terras, o impactado fica obrigado em conseguir encontrar uma terra com título legítimo, para que o processo encerre.    

Outro ponto nebuloso é a não remuneração das áreas verdes dos lotes. A empresa indeniza somente áreas que possuam plano de manejo, apesar do serviço ambiental prestado e o respeito à legislação, que obriga a manutenção de 80% de reserva da floresta. Moradores lembram que por conta das obras ocorreu um esvaziamento da população mais jovem para a cidade de Altamira, e consequentemente para os canteiros da barragem. O campo de futebol ficou relegado ao abandono. E não se encontra gente disposta ao penoso trabalho na roça.   

Pará grilado

6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais possuem irregularidades. Somados, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas. Os dados resultam de três anos de pesquisa dos órgãos ligados à questão fundiária no estado, através da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem (Tribunal de Justiça, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra e a Federação da Agricultura do Estado do Pará). O documento foi apresentado em 30 de abril de 2009 no auditório do Ministério Público Federal (MPF)

Conforme o site do MPF, a magnitude dos problemas nos registros – que abrangem de fraudes evidentes a erros de escriturários - levou a um pedido, dirigido à Corregedoria do Interior do Tribunal de Justiça, para que iniciasse imediatamente o cancelamento administrativo de todos os títulos irregulares, já bloqueados por medida do próprio TJ. Na época a desembargadora Maria Rita Lima Xavier, corregedora do interior, negou o pedido no último mês de março.

O cancelamento dos títulos vai evitar a criação de seis mil processos para o cancelamento dos títulos que podem durar infinitos anos no tribunal já sobrecarregado. Com o indeferimento da desembargadora Maria Rita Lima Xavier, a comissão recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o mesmo defira pelo cancelamento dos títulos falsos.

 
Felício Pontes Jr, procurador da República e representante do MPF na comissão, argumenta que os indícios de fraude são evidentes demais para ficarem esperando processo judicial. O pedido de cancelamento dos títulos é subscrito pelo Ministério Público do Estado, Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e foi enviado ao CNJ através dos Correios no mesmo dia de apresentação dos dados.

Entre os episódios de grilagem mais famosos do Pará está o do “fantasma” Carlos Medeiros, ente jurídica e fisicamente inexistente que acumula 167 títulos de terra irregulares. Todos os títulos de Medeiros que somam 1,8 milhões de hectares estão bloqueados. As terras se espraiam em dez municípios paraenses. A mesma situação nubla os empreendimentos da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A., no sudeste do estado, do banqueiro Daniel Dantas.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Mineração no Xingu – a batalha entre a canadense Belo Sun e os garimpeiros da Ressaca


Há seis meses perto de 600 garimpeiros da Vila da Ressaca, no município de Senador José Porfirio, estão sem fonte de renda. Eles fazem parte do universo de pessoas e categorias que serão atingidas pelos grandes projetos da região do Xingu, a sudoeste do Pará, mais precisamente na Volta Grande do Xingu, a 50 km a sítio Pimental, que integra a engenharia do projeto da Hidrelétrica de Belo Monte.  Cerca de duas horas de barco separam a Volta Grande do município de Altamira, cidade polo da região.

Além de Belo Monte os moradores da vila são impactados pelo Projeto Volta Grande, maior empreendimento de mineração de ouro a céu aberto do país, da canadense Belo Sun Mining Corp, que deverá retirar 50 toneladas de ouro no prazo de 12 anos, e promete empregar 2.700 operários.

Além dos empregos a corporação garante que irá promover o reassentamento das famílias da Vila Ressaca, Galo e Ouro Verde, e que vai gerar R$500 milhões em impostos em 11 anos. A Belo Sun integra o portfólio da Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado, que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo.

Após três anos de prospecção e uma negociação nebulosa com pessoas que se dizem donas da área, os garimpeiros estão impedidos de trabalhar nos antigos garimpos Grota Seca, Galo e Ouro Verde, que respectivamente seriam de propriedade de Henrique Pereira Gomes, e das pessoas conhecidas somente pelos prenomes de William e Gazio.  Itatá, Curimã e Morro dos Araras fecham a constelação de garimpos da região, como outros rincões da Amazônia, marcada por uma realidade agrária caótica.  

Conforme moradores da Vila, a retirada dos garimpeiros foi a condição para o pagamento da segunda parcela da negociação junto aos possíveis proprietários. A estimativa é que 50% dos moradores abandonaram o local, perto de mil pessoas. O mesmo ocorre na vizinha Ilha da Fazenda, que passou o ano sem energia elétrica gerada a motor de diesel, e já sofre com o abastecimento de água. 

Cerca de 300 famílias ainda moram na Vila Ressaca, que tem parte do território definido como projeto de assentamento rural da reforma agrária. Além do garimpo os moradores possuem como ocupação a lavoura, pesca e o funcionalismo público. Seis mil pessoas chegaram a habitar o lugar durante a febre do ouro.

Prestes a receber a licença ambiental, tudo parece anuviado tanto na Vila de Ressaca, quanto na Ilha da Fazenda. Os moradores não sabem informar sobre reassentamento das famílias, e temem pela qualidade da água no presente e no futuro, por conta do desmatamento, do uso de resíduos tóxicos, assoreamento e barramento do Xingu, que deverá reduzir em até 80% a vazão do rio.

Os ribeirinhos também não sabem se existe algum programa de prevenção de acidentes. O futuro dos habitantes da Volta Grande é incerto. Os ciclos da fauna e flora serão brutalmente alterados, assim como a navegabilidade do rio.

Entre outros pontos nevrálgicos, defensores dos direitos humanos e ecologistas criticam que os estudos de impactos ambientais da mineradora não consideram os impactos cumulativos dos dois empreendimentos. Na mesma seara de critica encontram-se o Ministério Público Federal, Fundação Nacional do Índio (Funai), Defensoria Pública do Estado e ONG´s. 

O licenciamento está suspenso pela Justiça Federal a pedido do MPF, que exige que as populações indígenas Juruna, Araras e isolados sejam ouvidas previamente.  Paquiçamba e Arara são as reservas indígenas mais próximas do empreendimento.    

Vila da Ressaca – Uma vila quase fantasma – Conforme dados do Estudo de Impacto Ambiental da Belo Sun, maranhenses representam 93% da população do município Senador José Porfirio, criado na década de 1960, e que desde os anos quarenta registra atividade de garimpo de ouro. As mineradoras Oca, CNN e Verona precederam a Belo Sun.

Os anos das décadas de 1960 e 1970 são considerados os gloriosos de ouro fácil. Antes do impedimento da atividade, cada garimpeiro conseguia faturar entre R$ 3 a 6 mil reais, informa José Raimundo Constantino, presidente da Cooperativa de Garimpeiros do Galo, Ressaca, Ouro Verde, Itatá e Fazenda (Coogrovif).

A placa da cooperativa registra que ela possui autorização de lavra,  de número 71, concedida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) desde 2009. A desordem é a regra na fronteira. Nos garimpos da Ressaca não havia relação trabalhista entre os garimpeiros e os controladores dos locais de extração. Cada garimpeiro ficava com 20% do que conseguia arrecadar, enquanto o restante era para o "patrão". Além da precariedade trabalhista era comum o trabalho infantil, e uso do mercúrio e dinamite. Para não falar na situação de conflito que ocorreu com as populações indígenas.   

A mineração em menor ou maior escala é indutora de passivos sociais e ambientais. Se os garimpeiros usam dinamite e mercúrio, as grandes corporações usam cianeto, dragas e dinamite. Tanto um quanto o outro provoca situações de conflito com as populações consideradas tradicionais, em particular indígenas.  

Desabafos da Ressaca – no último sábado as casas de madeira apertavam as ruas estreitas da vila marcada por uma rotina de tranquilidade. O vai e vem comum nos dias de garimpo, com pessoas carregando combustível e motores deixou de existir. “As máquinas foram levadas para o Mato Grosso. Não temos como trabalhar”, informa Idelson de Sousa, um articulado jovem garimpeiro indignado com a situação de abandono. “Temos três vereadores, e ninguém nos defende”, arremata.   

“A empesa sonega informação. Nos afronta e humilha. A gente não tem liberdade e estamos passando necessidade. Estamos que nem gado no curral” enfatiza Francisco Pereira Silva, conhecido como Piauí. Ele é a voz mais indignada na reunião da cooperativa. Há anos na atividade, ele esclarece que tem pai hoje na comunidade sem condição de comprar nem um lápis para o filho.  “Não queremos nada. Apenas o nosso direito. É necessário que haja justiça em nosso país”, sublinha o garimpeiro.  

Já Ideglan Cunha adverte que em Ressaca não há ladrão. Sim pobres dignos. E que não se pode sair de qualquer jeito do garimpo. Ele encerra defendendo que “a gente quer trabalhar, comer e que o direito de cada um seja respeitado”.
 
Mineração no Pará - Existe minério praticamente em todo o estado, - de seixo a ouro -, todavia, até o momento, Carajás tem se constituído como o principal polo exportador. O extrativismo mineral é o principal item da balança comercial do estado do Pará, chegando a contribuir com 90% do Produto Interno Bruto (PIB). O mesmo minério que pesa no PIB é responsável por uma renúncia fiscal de R$ 9 bilhões por ano por conta da Lei Kandir (lei complementar federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996), que desonera as empresas em recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS) dos produtos primários e semielaborados. Dados do DNPM sinalizam que o setor faturou 100 bilhões de reais em 2012. Deste total o Pará responde por 23,3%, ficando atrás de Minas Gerais, que concentra 41,4% da produção.

A desoneração em R$9 bilhões se aproxima do orçamento total do estado para o ano de 2013, estimado em R$ 13 bilhões, assim explica a dissertação de mestrado em Direito de Victor Souza, defendida da Universidade Federal do Pará (UFPA). No cenário de corporações internacionais que exploram ou reivindicam licença para prospecção mineral junto ao DNPM em solo paraense, constam a suíça Xstrata, a estadunidense Alcoa, a francesa Ymeris, a Reinarda, subsidiária da australiana Troy Resourse, a norueguesa Norsk Hidro, a chilena Codelco, a canadense Belo Sun Mining Corp e a Vale, esta a de maior musculatura.

Ao longo dos anos a modalidade de política pública para a Amazônia baseada em grande empreendimento tem sido um indutor de desagregação econômica e social, que se manifesta a partir do rompimento de laços de solidariedade, vizinhança, formas de reprodução econômica, social e cultural de pescadores, indígenas, trabalhadores rurais, extrativistas e demais formas da sociodiversidade. 

Os dois projetos, Belo Monte e Belo Sun fazem parte de um cenário que tem redefinido os territórios já estabelecidos na Pan-Amazônia, que colocam em flancos opostos grandes corporações de construtoras de barragens, mineradores, agronegócio e noutro as populações consideradas tradicionais, numa lógica secular marcada pela expropriação dos últimos.