segunda-feira, 16 de março de 2009

Questão agrária no Pará

Associação dos Magistrados analisa grilagens de terras, chacina de camponeses e a morosidade dos processos

Além da águas do mês de março, o Pará vive dias de tensão na luta pela terra, em particular no sudeste do estado. A ocupação de fazendas em nome do grupo Santa Bárbara Xinguara S/A, que integra o portfólio do banco Opportunity, de Daniel Dantas, recrudesceu o clima e mobilizou o setor agropecuário nacional.

A mobilização contou com a presença da representante máxima da categoria, a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Com generosa cobertura da mídia, apesar do fato inédito da condenação massiva de quase 30 fazendeiros por trabalho escravo, a senadora e a entidade de representação da categoria local pediram junto a justiça a intervenção federal para o cumprimento de cerca de cem liminares de reintegração de posse.

O governo do Pará contra argumenta não ter sentido tal pedido e que nos últimos anos já realizou cerca de 40 reintegrações.

Sobre a questão, Paulo Vieira, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Pará (AMEPA) criticou em cadeia nacional a demora do governo estadual em desocupar propriedades rurais.

Mas, o universo rural paraense é mais que cumprimento de liminares de reintegração de posse. Faz-se necessário investigar a legitimidade dos títulos das áreas em disputa, a indústria de grilagens de terras que eternizam fantasmas como Carlos Medeiros, que tem em seu nome 35 milhões de hectares.

E como tratar das chacinas no campo e a morosidade no processo de investigação dos articuladores de tais crimes?

É justo na região em pauta, o sudeste do estado que os crimes contra camponeses proliferaram com vigor nos anos de 1980, enquanto a União Democrática Ruralista (UDR) existiu.

Urge refletir sobre o trabalho degradante e os passivos ambientais, e em particular o pano de fundo que induz a tais situações e o papel do Estado como indutor de atividades que disseminam tal quadro.

Adriano Seduvim, vice- presidente cultural da AMEPA, ex juiz titular da Vara Agrária de Altamira entre agosto de 2005 a janeiro de 2007, e responsável pelo pedido de anulação de título de um milhão e meio de hectares, e atual juiz titular da 1ª Vara Cível de Abaetetuba, respondeu a algumas destas questões enviadas através de-e-mail.

Sobre a duvidosa situação dos títulos de terras no Pará Seduvim avalia que somente uma força tarefa poderia equacionar a situação.

FURO - A Comissão Pastoral da Terra (CPT), instituição ligada à Igreja Católica afirma que ao longo de cerca de três décadas a luta pela terra no Pará vitimou aproximadamente 900 trabalhadores rurais e seus apoiadores. Tais assassinados estão em quase sua totalidade sem resolução na Justiça. Que elementos podem explicar tal questão?

Adriano Seduvim (AS) - Primeiramente não posso afirmar se este número é correto, mas posso lhe dizer que esta demora pode ocorrer por uma série de fatores que não dizem respeito ao judiciário em si. Só a título de exemplificação, em 2006, vários movimentos sociais, dentre eles a CPT, apresentaram um relatório de 590 casos de morte no campo sem solução. Dos 590 casos denunciados ao Tribunal de Justiça do Estado (TJE/PA), após pesquisa realizada pelo Tribunal verificou-se que apenas 16 % tinham ligação com crimes fundiários.

O restante dos crimes, alguns tinham motivações diversas e outros sequer foram abertos inquéritos policiais. O judiciário não pode ser culpado por demandas que não chegaram ao seu conhecimento da maneira legal, qual seja, através de denuncia criminal formulada pelo Ministério Público.

O Tribunal vem priorizando a questão agrária, seja dando celeridade a novos processos criminais, como foi o caso da Irmã Doroth, o qual foi julgado num tempo bem razoável, seja através da criação das varas agrárias, que vem desempenhado um papel essencial na pacificação do campo.

FURO- A morosidade nos processos é outro problema levantado pela instituição e movimentos sociais da luta pela terra no Pará. Há casos que demoram uma década, 15 anos e processos com mais de 20 anos, como a Chacina Ubá, ocorrida no sudeste do Estado. A que se credita tal morosidade?

AS - Como já dito, a morosidade de um processo pode ser creditada a uma série de fatores, dentre eles o próprio juiz que não diligenciou. Porém, existem outros fatores que independe dos atos do magistrado, como inquérito demorado, testemunha não encontrada durante a instrução do feito, perícias, etc. Não podemos dar uma opinião genérica. Teríamos que avaliar cada caso a fim de se verificar o real motivo da morosidade. Até onde tenho conhecimento, um dos mandantes (José Vergulino) da chacina Ubá fora julgado e condenado na Comarca de Belém. Outro acusado fora morto no presídio, e outros dois estão foragidos.

FURO - Ainda conforme dados sistematizados pela mesma CPT, não há registro de nenhum mandante preso. O que justifica tal contexto?

Não sei se existe algum mandante preso. Posso afirmar que já alguns foram condenados, como foi o acusado de ter assassinado João Canuto. Se estão soltos, foram através de recursos na própria justiça. O que não demonstra nenhuma ilegalidade ou parcialidade do judiciário.

FURO - A titulação de terras na Amazônia é uma questão delicada. Estima-se que somente cerca de 12% dos títulos são passíveis de comprovação. Há como equacionar a questão?

AS- Não sei se esta estimativa está correta. Realmente esta questão de titulação de terras é bem delicada em nosso Estado. Quando fui juiz da Vara Agrária de Altamira, pude me aprofundar sobre o tema. Devido as dimensões continentais do Pará, sempre foi dificultoso se fiscalizar todas as áreas irregulares. Desde meados dos anos 70, com aumento do processo migratório em nosso Estado, diversas irregularidades foram cometidas pelos cartórios extrajudiciais, fazendo com que fossem criados gigantescos latifúndios com títulos falsos ou inexistentes.

Pessoalmente, tive a oportunidade de somente em uma sentença, anular um registro de 1.500.000 (Hum milhão e quinhentos mil hectares) no município de Altamira. Cheguei a solicitar do Executivo o ajuizamento de outras ações anulatórias de áreas irregulares detectadas durante correição no Cartório de Altamira, porém não obtive nenhuma resposta na época. O estado já ajuizou diversas ações anulatórias, porém não suficiente para demanda.

Acho que a falta de um empenho do Estado neste assunto contribui para o aumento da tensão no campo. Seria essencial que a procuradoria do estado criasse uma força tarefa com alguns procuradores para fazer levantamento e ajuizar novas ações. Talvez assim, conseguíssemos mudar esta realidade. O Judiciário vem fazendo sua parte, priorizando os processos agrários, com a criação das varas agrárias onde somente juízes especializados no tema podem atuar na mesma.

FURO - Sabe-se que parte das terras que envolvem a Pecuária Santa Bárbara foi repassada pelo Estado do Pará através do expediente de aforamento, que concede direito de uso e não de propriedade á família Mutran. Alguns castanhais foram negociados pela família Mutran e o grupo do banqueiro Dantas

AS - Não tive a oportunidade de analisar a documentação da referida fazenda. Porém, se realmente foi feito algum tipo de aforamento para exploração de castanhal, existe a possibilidade de talvez este registro ser anulado na Justiça. Porém, não posso afirmar sem ver a documentação. Tomei conhecimento através da mídia que o Iterpa iria ajuizar uma ação neste sentido.

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