quinta-feira, 8 de maio de 2025

A viagem na nave Cidade de Oriximiná

 


Alenquer. É maio. Ainda chove. As águas estão altas. Em Santarém pareia o asfalto. A lua em quarto crescente a tudo espia. A rede é a acomodação do navio. Ganchos de ferro facilitam a operação de armar. Antes era necessário o uso de cordas.

Até 1h aportaremos em Santarém. Quatro horas dura a viagem nesta modalidade de nau. O veículo saiu 20h30. Cidade de Oriximiná é o nome da nave. Seu Luís é o responsável. Os  irmãos Aquino (Tomás e Rubens) os proprietários. Ela carrega gentes e cargas. R$50,00 é o preço da passagem no Cidade.  Caso fosse ferry boat seria R$50,00 ou R$40,00, a depender do ferry. Ele carrega além de gente e cargas, automóveis.

No caso da lancha, a viagem nesta época do ano dura duas horas ao preço de R$80,00 a passagem. A lancha é de fibra. Infelizmente deixaram de negociar cerveja. A saída é abastecer o bucho na plataforma de embarque e mocozar pelo menos uma garrafinha na boroca. As embarcações tradicionais deixaram de circular faz uns cinco anos. As talhadas na madeira.

O Cidade de Oriximiná possui três andares. É imponente. É de ferro. O último acomoda o bar. Sofrência é a trilha sonora. Pablo na veia. No último volume. Um jogo de luz enfeita o teto. Ao canto um casal em chaveco. Bichos de luz simulam pilotos kamikaze. Periga chover. Quando isso ocorre uma lona socorre.

Uma senhora atende na cantina. Além de breja, negocia água, refrigerante, biscoitos...10 "real" o serviço de nete. Venta forte. Assanha alegrias e tristezas. Só não tira a lua do lugar. O trem é de ferro e você não avisou que estava passando pelo meu coração só de visita ...verso de alguma canção.

Uma jovem clara, cabelo tingido em amarelo em trajes inadequados para o vento frio atende as poucas mesas. Ela usa um short claro onde é possível avistar as figuras de  joaninhas da calcinha. A blusa negra  não alcança o umbigo. Desprovidos de corpete, os seios sacodem ao rebojo das águas. Venta frio. Ar de chuva.

Um senhor negro a corteja. Paga lanche, um misto e brejas. Parece eufórico. Usa tênis, calça jeans e camiseta. Vez em quando grava um áudio no celular. A depender da canção, a moça simula uns passos. Faz charme. Espia de soslaio para se saber notada. 

A lua em quarto crescente reflete no rio. A sofrência troa em elevado volume. Quem é de dormir, dorme. Quem não é flutua entre os pisos da embarcação. Os conhecidos do trecho confraternizam.

Uma trupe parece parte da tripulação. Misturam refrigerante com algo mais porrada: pinga ou conhaque. A outra turma checou as passagens. Eu dei carteirada. Cego não tá nem vendo. Mas, enxerga na escuridão, acredita o poeta.  As luzes ficam apagadas no redário.

O céu é puro breu. Pontos de luz distantes sinalizam a cidade. Uma embarcação desponta ao léu. Uma grande, outra miúda. O vento ressoa no oco do ouvido. A sofrência insiste. Uma assombração. Reclama um coracão jogado de cima do muro.

A jovem da quitanda da nave inicia os serviços. Ataca uma cerveja barata. Uma lata alcunhada de periguete. Alguns tripulantes fazem a segunda voz do Pablo. Talvez seja efeito do conhaque. Um manga do outro. Ri..zomba..quizomba...

Após uma overdose de Pablo, alguém reclama Zé Ramalho. Ufa...Chão de Giz. Único tiro curto a gente pinta o sete em exíguo tempo. Em outro extremo do terceiro piso um jovem esquálido não aparta do aparelho de celular.

A canção de Rossi domina a atmosfera. A Raposa e as Uvas. As luzes da cidade soam mais próximas. Noutro momento distantes... garçom, aqui, nesta mesa de bar....as estrelas do céu parecem mais perto.

Agora, nada mais, nada menos que Dalziza. A mulher que não tem coração. A destruidora dos corações dos peões do trecho.”Me iludiu pra roubar o meu dinheiro/Só pra depois ela me deixar na mão”, Julio Nascimento a entoa.

Leidiane rivaliza em maldade com a Dalziza.  Leidiane gastava o dinheiro que Nascimento ganhava no garimpo com outros homens no cabaré.  Apesar da judiaria, ele reclama a presença da musa e jura a ela perdão pela maldade que cometera: “Lidiane, Leidiane, meu amor/Leidiane, eu te quero, you my love/Leidiane, eu te peço pra você voltar/Ah volte meu bem que eu sei que vou te perdoar”.

“Bebo, eu bebo mesmo. Eu boto é pra beber. Ah, como os amigos eu bebo com prazer”, sugere a canção. Em algumas quebradas e momentos é a única possibilidade de transcendência. “bebo, eu bebo mesmo”....