O Baixo Amazonas consta na agenda desenvolvimentista como estratégico na exportação de commodities do Mato Grosso. O projeto é consolidar a região com um corredor de exportação
Auricélia Arapyun, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós
Arapiuns (CITA), Ivete Bastos e Edilson Silveira, presidenta e vice-presidente
do Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de
Santarém (STTR Santarém) e Maria José, presidenta da Tapajoara (uma espécie de
central das associações da Resex do Arapiuns)
estão ameaçadas de morte por defenderem o direito a Consulta Prévia,
Livre e Informada (CPLI) no território da Reserva Extrativista Tapajós e
Arapiuns, onde a exploração ilegal de
madeira é o estopim do conflito. O áudio circulou no dia 03.
Reportagem do site Amazônia Real esclarece que a ameaça foi distribuída
em áudio nas redes sociais pelo extrativista e pastor conhecido como Eldo, por
ironia, filiado à Igreja da Paz, onde ele afirma que “Eu falei pra ela que se
ela não cumprisse com a palavra dela, eu ia meter um projétil no miolo dela pra
ela respeitar”.
A mesma reportagem informa que que a ameaça é dirigida à Maria José
Caetano Maitapu, indígena do povo Maitapu do Alto Rio Tapajós e atual
presidente da Associação Tapajoara. Uma espécie de central das associações da
Reserva Extrativista Arapiuns, que agrupa 85 entidades. Em seguida ele cita as
demais dirigentes, a exemplo de Ivete do STTR.
Ivete é uma experimentada liderança sindical e ex-vereadora pelo PT
em Santarém. Por dez anos viveu sob
escolta policial por conta de combater a soja na região. Maria Joel, igualmente
dirigente sindical doutro extremo do estado, o sudeste, em Rondon do Pará, vive
o mesmo drama de Bastos. Maria assumiu a luta do esposo, José Dutra, morto em
2000, e vive sob escolta policial por conta de ameaças de morte.
A defesa pela reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos no
Pará tem sido uma história de mortes e impunidades, a exemplo do que ocorreu
com Dilma Ferreira, ativista do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB),
executada em um assentamento na cidade de Tucuruí, em 2019, junto com o esposo
e um amigo. Bem como o caso de Maria do Espírito Santo, assassinada em 2011, no
assentamento agroextrativista Praia Alta Piranheira, na cidade de Nova Ipixuna,
no sudeste do Pará, junto com o esposo, José Cláudio.
Ivete ao longo de suas jornadas tem sido uma voz potente contra os
grandes projetos agendados para a região do Baixo Amazonas, que ameaçam a reprodução
da sociodiversidade local, a exemplo da expansão da soja e as grandes obras de
infraestrutura que desejam consolidar o Baixo Amazonas como um corredor de exportação
de grãos do Mato Grosso.
Complexos portuários, modal de transporte (rodovia, hidrovia e
ferrovia) e complexos hidroelétricos constam na agenda organizada a partir do
Projeto Arco Norte, que coloca em xeque a complexa territorialidade da região,
onde constam territórios indígenas, diversas modalidades de assentamentos
rurais, territórios quilombolas e um mosaico de unidades de conservação.
Favorecer grandes corporações no processo de revisão de plano diretor do município tem sido um recurso usado, como registrado nos casos de Itaituba e Santarém. Em Santarém, os poderes Legislativo e Executivo não respeitaram o processo da consulta popular, que ocorreu no ano de 2017.
A exploração ilegal de madeira é o motivador do conflito interno,
que registra até a invasão de dissidentes da região do Maró ao STTR de Santarém.
A conjuntura envolve empresas, extrativistas cooptados por interesses alheio,
igrejas neopentecostais e o governo (Icmbio), que quando da gestão do ex
presidente da República, permitiu a exploração do Ipê, antes catalogado na lista
de espécie ameaçada de extinção e aprovou um plano de manejo para a região. A questão foi judicializada em 2020 contra o
Icmbio pelo CITA e o STTR pela suspensão do plano de manejo.
A Resex Tapajós Arapiuns criada em 1998 faz divisa com os municípios
de Santarém (66%) e Aveiro (34%), e possui uma população estimada em 310.000,
distribuída no território de 647.610 hectares. A iniciativa emerge na década de
1980, justo para enfrentar a exploração das madeireiras Amazonex e a Santa
Izabel, conforme informa o Plano de Manejo, organizado pelo Icmbio.
A Consulta Livre - O recurso da
CPLI faz parte do arcabouço da Convenção 169, da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que coloca em primeiro plano os sujeitos que possam ser
impactados por grandes empreendimentos.
O Brasil, na condição de Estado nacional, aderiu à Convenção 169 da
OIT de Direitos Humanos, em Genebra, em 25 de julho de 2002, mediante
o Decreto Legislativo nº. 143, de 20 de junho de 2002, que entrou em
vigência em julho de 2003, e que foi promulgado pelo Decreto n. 5.051, de 19 de
abril de 2004.
A Convenção garante aos povos o direito de ser e de estar em seu
lugar, conforme os valores por eles reconhecidos, onde o território possui
centralidade para a efetivação da sua reprodução econômica, política, cultural
e social, a partir da autodeterminação. Territórios constantemente ameaçados
por conjunto de projetos de obras de infraestrutura, exploração ilegal de
madeira, ouro, tráfico de drogas, dentre outras atividades.
O professor Carlos Marés, estudioso do tema, esclarece que os povos
tradicionais entendem o protocolo como normas internas elaboradas livremente
que estabelecem as formas e procedimentos como chegar a uma decisão quando o
Estado os confrontar. A jornalista Verena Glass organizou um livro sobre o
tema, que pode ser baixado AQUI