Gume é um riomar de mulheres. É a filha, a mãe e avó em pororoca de encontros e desencontros em prosa poética de elevado grau de concentração.
“As
mulheres são como as águas, quando se juntam, ninguém as detém”. A frase é mais
ou menos neste rumo. É palavra de ordem recorrente em coletivos de mulheres das
bandas das Amazônias, a exemplo do Baixo Amazonas, o oeste paraense.
É
terra de Monique Malcher, filha de Santarém. Hoje, largada no mundo. A doutorar-se
em Antropologia pelas bandas do Sul. A terra
de Malcher é encharcada pelas águas dos rios Tapajós e Amazonas. O primeiro
dono de águas azuladas/verdes. Ainda não estou convencido da cor exata. Já com
relação ao segundo, não resta dúvida, é barrento o tom. Tom das mágoas deixadas
na trilha da escritora e artista plástica pelo patriarcado.
O
pai é violência. Os homens rasos. Apesar das águas de mágoas, a poesia resiste,
ainda que alcancem o pescoço. Ameacem de morte. Flor de Gume, livro indicado
para o Prêmio Jabuti é poesia e ternura em elevado grau de concentração: “quem
arriscou a vida e crenças para atravessar as águas, os rios encantados das
histórias da minha infância, não foi um homem, mas uma mulher, que tinha nome
doce, mas sentia o amargor da miséria. Dulce”. Fração
do conto O Barco e as cartografias da esperança.
As
águas grandes não respeitam barreiras. Afrontam as margens que as comprimem. Provocam
erosões. Ainda que o rio seja um mar de lágrimas. O riomar da prosa poética de
Malcher é um mundo de mulheres: a filha, a mãe e a avó. A senhorinha de Ponta
de Pedras, que nunca mais voltou a reencontrar. É encontro de amores com as
mulheres aguerridas com quem se deparou.
Em
Suas sandálias me cabem? A encruza de Malcher se manifesta: “Eu cresci
acreditando que as mulheres não poderiam me dar amor, que eu mesma não era o
suficiente para o funcionamento da minha existência. Era urgente que os homens
me amassem, aos moldes do amor que meu pai me dava, com seus excessos e
controles. Conforme o tempo devorava os dias e me sentia estática, meu corpo
não agia da mesma forma. Ele foi rompendo no meu estomago uma urgência infinita”.
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contos ou seriam gotas de lágrimas, amor e suor? Dão corpo ao livro de Malcher divido em três seções:
i) os nomes escritos nas árvores, os umbigos enterrados no chão, ii) Quando os
lábios roxos gritam em caixas de leis herméticas e, iii) O reflorestar do
corpo, o abandonar das pragas.
Jarid Arraes, responsável pela edição do
livro, igualmente escritora, em orelha da obra, adverte: “Flor do Gume é um
livro para pele cortadas. Literatura como mergulhar as pernas nos rios do Pará
e ouvir palavras que contam meninas presas em infâncias machucadas, mães e
mulheres que crescem como plantas de verde profundo, apesar da realidade de
violência, e avós que nutrem raízes, que aplicam ervas restauradoras no corpo
ferido”.
A mãe, a filha e a avó se entendem.
Desentendem-se. As mulheres quando se juntam são como as águas....
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