quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Caso Dezinho: execução de dirigente sindical de Rondon do Pará soma duas décadas de impunidade

20 anos depois  da execução de José Dutra da Costa, polícia prende em MG o intermediário no assassinato, Rogério de Oliveira Dias. É o único envolvido do assassinato que está preso. 


Rogerio Oliveira - intermediário na execução de Dezinho, preso em MG nesta semana

No próximo dia 21, o assassinato do dirigente José Dutra da Costa soma 20 anos. “Dezinho”, como era conhecido o dirigente sindical do município de Rondon do Pará, no sudeste do estado, foi morto na porta da própria casa, aos 43 anos, a mando do grileiro de terras e dono de serrarias Décio José Barroso Nunes, vulgo “Delsão’.

Somente duas décadas depois do ocorrido o intermediário da empreita, Rogério de Oliveira Dias foi preso em Belo Horizonte.   Estabelecer uma cadeia de mediadores dos crimes de encomenda é uma estratégia usada pelos consórcios de fazendeiros do estado, com ramificações em todo o país, esclarece vasta bibliografia e documentos que denunciam tais episódios.  

Nestes casos via de regra ocorre queima de arquivo dos intermediários. E, desta forma, nunca se alcança o responsável pela encomenda do crime.

No episódio de Dezinho, o pistoleiro foi preso imediatamente por conta da vítima ter entrado em luta corporal com o pistoleiro Wellington de Jesus Silva, baiano de apenas 19 anos, que veio a ser preso por populares e quase linchado. Fato que não ocorreu por conta da intervenção da viúva, dona Maria Joel. 

Com a execução de Dezinho, dona Joel veio a assumir a direção do sindicato, e tal o esposo assassinado, passou a sofrer ameaças de morte. 

 

Dezinho (ao centro, de bigode, ao lado de outros dirigentes da Fetagri de Marabá/PA). Foto: arquivo da família 

O açougueiro Ygoismar Mariano Silva, primo do pistoleiro é outro elo da rede de um crime anunciado desde 1996, quando as ameaças foram denunciadas ao então secretário de Segurança do Estado, Paulo Sette Câmara, esclarecem relatos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Fetagri e da família de Dezinho, que espera que o intermediário denuncie a encomenda do crime, apesar de todo o tempo do fato ocorrido. 15 mil teria sido o pagamento pelo crime.  

A morosidade e a parcialidade do judiciário nublam o rosário de execuções de ativistas da reforma agrária, direitos humanos e do meio ambiente no Pará. O estado é líder absoluto no país em assassinatos de camponeses desde a década dos anos de 1980, quando da criação da União Democrática Ruralista (UDR), o braço armado dos ruralistas, que teve no atual governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o principal expoente e animador.

Uma luta maior que a morte

Três votos impediram que Dezinho ocupasse uma cadeira na Câmara Municipal em Rondon, sob a legenda do Partido dos Trabalhadores (PT), nas eleições de 2000. Foi o mais votado candidato do PT.  Três tiros de revólver calibre 38 o retiraram da luta pela reforma agrária para sempre.

Dezinho estava à frente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) de Rondon há oito anos quando de sua morte.  O nome de Dezinho sempre constou entre as lideranças que incomodavam os “donos” de terras, por isso, sempre fez parte de listas das lideranças sindicais que deveriam ser caladas.


Manifestação em Rondon do Pará, após a soltura de Dezinho de prisão arbitrária por conta de entrevista em rádio local, onde defendeu a reforma agrária e denunciou grilagens de terras. Foto: arquivo da família. 

Em 2002 a CPT, a SDDH, a Fetagri, e demais entidades de apoio à luta pela reforma agrária das regiões sul e sudeste paraense encaminharam documentação denunciando a existência de lista de marcados para morrer às instituições estaduais e federais ligadas à problemática da reforma agrária. Em 2000 a lista era composta por dezesseis nomes.

O discurso das autoridades estaduais e federais presentes na região obedece o mesmo mote: "prometemos empenho na investigação, prisão e condenação dos envolvidos... para isso estamos fazendo todo os esforços possíveis". O tal do empenho foi encerrado com a suspensão das investigações e a soltura do principal acusado de mando da execução de Dezinho.

Tulipa Negra, o grilo que motivou o crime

Dados sistematizados pela CPT de Marabá sinalizam que no mês de junho de 2000, 150 famílias organizadas por Dezinho ocuparam a Fazenda Tulipa Negra, área de 3 mil hectares, que pertenceria ao fazendeiro Kyume Mendes Lopes. O título da fazenda teria sido expedido pelo Governo do Estado em 1918. No entanto, o documento expedido pelo Estado possuía uma área maior, 44 mil hectares. A Tulipa Negra seria um desmembramento justo desta área.

 

Dezinho à direita de cavanhaque, junto do dona Maria Joel e familiares. Foto: arquivo da família. 

Desde outubro Dezinho estava convencido da falsificação do título, posto que o Estado do Pará não titulava terras no ano de 1918, em áreas no que hoje é o território de Rondon do Pará. Em resumo, a área em disputa e vizinhança foram/são terras griladas.

No rosário de suspeita de grilagem, representavam a santa trindade que mandava em Rondon do Pará o fazendeiro Delsão com a “propriedade"  situada no Rio Ouro, Olávio Rocha, com a propriedade Boi Bom Lote 96, e Josélio Barros, com a fazenda Serra Morena.  Todas as propriedades são próximas à área Tulipa Negra, conta denúncia dos movimentos de reforma agrária da região, na época do assassinato do sindicalista.

Em pesquisa realizada pela CPT de Marabá no Instituto de Terras do Pará (Iterpa), após a morte de Dezinho, constatou-se que o título de propriedade maior, o de 44 mil hectares foi oficialmente declarado falso pelo Iterpa em 1978.

Além disso, prossegue documento da CPT e da Fetagri, tomou-se conhecimento que o extinto Getat (Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins), em 1983 havia discriminado os títulos do Estado do Pará referente à área onde se localiza a Tulipa Negra (Gleba Água Azul), sem validade.

A luta pela terra no estado do Pará encarna uma saga de crimes de toda ordem: grilagem de terra, execuções de trabalhadores rurais e sindicalistas, assessores e religiosos, coerção pública e privada, morosidade e parcialidade do judiciário, córregos que desaguam no vasto riomar de impunidade.

Manifestações de artistas sobre o caso. Veja AQUI

Familiares, pesquisadores e amigos das pessoas que tombaram na luta pela terra no Pará esperam lançar até o ano que vem obra que recupera parte de uma vasta história de impunidade no estado, Luta Pela Terra na Amazônia: Mortos na Luta pela Terra. Vivos na Luta Pela Terra é o nome provisório do livro. 

Massacre de Eldorado: morre em Belém coronel Pantoja, um dos comandantes da chacina de sem terra no Pará

É o terceiro da cúpula que protagonizou o Massacre de Eldorado dos Carajás  a morrer


Coronel Pantoja - Foto: imagem de internet


Sangue, sangue, sangue...a narrativa sobre a luta pela terra em solo brasilis é uma narrativa de sangue. Não se trata se sangue de qualquer um. Trata-se de sangue dos colocados em condições de subalternização, e daqueles a eles alinhados: religiosos, advogados, e outras modalidades de mediadores.  

A tragédia da concentração da terra no pais é encharcada de sangue de indígenas, campesinos e quilombolas. História marcada pela parcialidade da Justiça, pela coerção pública (“puliças”) e privada (pistolagem ou “firmas de segurança”), pela apropriação do Estado por frações de classes. Violência institucionalizada desde a pisada inaugural do colonizador primeiro.

Mortes aos borbotões. Naturalizadas em sua maioria, como se fosse o tempero essencial do processo de avanço do capital. Em resumo, uma violência estrutural. Violências simbólicas e físicas, a se reproduzirem e atualizarem nos dias atuais.

Neste rol a perder de vista, quando do avanço das políticas neoliberais dos vindouros anos da década de 1990, dois massacres de campesinos colocaram, mais uma vez, a Amazônia e a luta pela terra no centro do debate político nacional e mundial.

Eram anos do governo do professor Fernando Henrique Cardoso, num agosto de 1995, em Corumbiara, em Rondônia, “puliças”, jagunços e camponeses protagonizaram um tiroteio, que resultou em número incerto de mortos, que oscila entre 10 a 16, entre eles uma criança de nove anos e dois policiais.  Os camponeses alegam que mais de 100 pessoas foram executadas.

17 de abril de 1996, na Curva do S, no município de Eldorado dos Carajás, no estado do Pará, durante o governo do médico Almir Gabriel (PSDB), e do secretariado de segurança de Paulo Sette Câmara, 155 PMs, sob o comando major José Maria Pereira de Oliveira e do coronel Mário Colares Pantoja assassinaram 19 trabalhadores sem terra filiados ao MST.

Em comunicado publicado no site da CPT, Carlos Guedes, um dos advogados do caso na época, assim detalha os requintes de crueldade adotados contra os 19 sem terra:

Altamiro Ricardo da Silva recebeu dois tiros na cabeça e um na perna. Antônio Costa Dias, um tiro no tórax. Raimundo Lopes Pereira foi vitimado com três tiros: dois na cabeça e um no peito. Leonardo Batista de Almeida foi atingido por uma bala na testa. Graciano Olímpio de Souza, dois tiros, sendo um na nuca e outro no peito. A necropsia no corpo de José Ribamar Alves de Souza mostrou que ele recebeu dois tiros e um deles, na cabeça, foi à queima-roupa. Ao atirarem em Manoel Gomes de Souza, os autores queriam matar o rapaz. A prova são os três tiros disparados que atingiram a testa e o abdômen, regiões altamente letais. Lourival da Costa Santana foi atingido no coração. Antônio Alves da Cruz levou um tiro no peito e teve ferimentos com arma branca. O laudo apontou como causa morte uma hemorragia interna e externa com explosão do coração e do pulmão esquerdo por instrumento corto contundente. Abílio Alves Rabelo morreu com três tiros, dois no pescoço e um na coxa direita. João Carneiro da Silva teve morte por esmagamento do crânio, indicando ter sido ele vítima de extrema violência e crueldade. Ao prestar depoimento, Luiz Wanderley Ribeiro da Silva revelou que viu um policial militar atacar João Carneiro com um pau, que foi introduzido na cabeça da vítima, partindo-a e expondo os seus miolos. Antonio, conhecido apenas como “Irmão”, morreu com um tiro na nuca. João Alves da Silva levou dois tiros: um na cabeça, por trás, e um na canela direita. A trajetória do projétil que o atingiu na região temporal fez um percurso de cima para baixo e de trás para diante, indicando ter sido ele alvejado quando se encontrava no chão. Robson Vitor Sobrinho levou quatro tiros – dois pelas costas e à queima-roupa, na altura do tórax, um no braço e outro no rosto – enquanto estava no chão. Amâncio Rodrigues dos Santos recebeu três tiros, sendo um na cabeça, um na parte pélvica e um na região axilar. Valdemir Pereira da Silva levou um tiro no peito. Dois tiros atingiram o peito e um a região axilar direita de Joaquim Pereira Veras. A trajetória de entrada do projétil na axila mostra que a vítima encontrava-se num plano inferior ao agente que disparava a arma de fogo. João Rodrigues Araújo foi atingido por um tiro no braço direito e morreu devido a hemorragia pelo seccionamento da artéria femural esquerda pelo uso de arma branca.

 

Sem informar a causa da morte, na noite de ontem, 11, a mídia de Belém anunciou a morte do coronel Pantoja, que estava internado no hospital da Unimed, e portava tornozeleira eletrônica.  

16 anos separaram a condenação e prisão de Pantoja e Oliveira, que só ocorreu em 2012, com condenação de 280 anos para ambos. Pantoja cumpriu quatro anos de reclusão, quando recorreu por prisão domiciliar alegando problemas de saúde.

Dos quatro principais protagonistas do Massacre de Eldorado de Carajás, Almir Gabriel morreu em 2013, aos 80 anos, por falência múltipla dos órgãos.  Paulo Sette Câmara, que recebera medalha de honra ao mérito do Conselho de Segurança do Estado (Consep), em fevereiro de 2019, faleceu de Covid em maio deste ano, aos 84 anos.

Terá o Consep considerado o Massacre de Eldorado em sua ficha funcional para a concessão da medalha?

O império da lei um dia alcançará o coração do Pará?

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Santarém: pautas comuns e trabalho de base consagram iniciativa de chapas coletivas

 Mulheres indígenas e quilombolas e jovens protagonizam o fazer político em região marcada por interesses de grandes corporações. 


Em poema Cecília Meirelles adverte: “A vida só é possível reinventada! ”. Em tempos eclipsados pelo obscurantismo, urge a vida reinventar.  Já a canção Cio da Terra, autoria de Milton Nascimento e Chico Buarque, defende: “Debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo para que todos se fartem de pão”. 

Quão necessário faz-se o se fartar de pão, ternura, delicadeza em dias tão brutais. Dias e noites de desalentos. Perdas de entes queridos pela pandemia. Dias e noites de desencantamento fomentado por mentiras, disseminação do ódio em rede, de ignorâncias celebradas em ruas, defendidas em como fossem verdades únicas.  

Reinventar a vida, debulhar cada bago do trigo, fecundar a terra é o que têm feito as duas chapas coletivas do Psol da cidade de Santarém, que pleiteiam assento no Legislativo eivado de representantes do poder oligárquico e corporativo que ameaçam as terras ancestrais de indígenas, quilombolas e campesinos.

As chapas coletivas nascem do chão, do cuidado coletivo, para além dos vícios do personalismo e tantos outros, como as tretas, que tanto favorecem interesses capitais. Dolores, dólares....

Na cidade de Santarém, a trama da revisão do plano diretor é o exemplo mais vivo, quando o interesse privado se sobrepôs sobre ao interesse público e coletivo.

As chapas psolistas da cidade de Santarém, - bela cidade cotejada pela pujança dos rios Amazonas e Tapajós - brotam do chão da necessidade coletiva em travar o bom combate em defesa do bem comum. Bem comum daqueles sujeitos que historicamente têm arcado com toda com o ônus da festa dos palácios.

A chapa das mulheres é composta por indígenas e quilombolas.  Achapa dos jovens defende o Bem Viver. Ambas possuem os pés fincados na rica sociodiversidade que compõe o território do município.

É com elas que sigo em marcha, a reinventar a vida, debulhar o trigo, tocar o tambor, celebrar e lutar com as bandeiras nas ruas, a alegria, a solidariedade, porque a vida só é possível reinventada, o que ela deseja da gente é coragem.   

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Trabalho escravo: 39 pessoas são resgatadas em garimpo no sudoeste do Pará

 O caso ocorreu no garimpo de Pau Rosa, em Jacareacanga/PA


Trabalhadores reunidos pela equipe de fiscalização 

Os trabalhadores foram resgatados no Garimpo do Pau Rosa, localizado no município de Jacareacanga, a 310 quilômetros de Itaituba, no Pará. A fiscalização constatou que os 39 trabalhadores estavam submetidos à condição análoga à de escravos, mantidos em condições degradantes de trabalho e de vida. Leia mais no site do MPT