quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Nos bailes da vida, Angelina, a filha de Juazeiro, soma sete décadas de existência

Em Marabá desde o fim dos anos de 1970, a  educadora militou  Escola Liberdade, na Escola Paulo Freire, MEB, SINTEPP e Cepasp

Arquivo da família

Figura de Barca (Carranca) é feita pra espantar maus espíritos, ensinam os antigos filhos nascidos às margens do Velho Chico, na ilharga da Bahia, lá pras bandas de Juazeiro. Figura de monstro. Cara de dragão, cavalo ou leão. Arte do Mestre Guarani.

Carranca na proa e a fé em Bom Jesus da Lapa protegem no navegar. O enfrentar os rios da vida, as ameaças, as guerras, as nuvens autoritárias. Espantar o Negro D´água, o Caboco D água e o Minhocão. Os encantados do rio.

O rio é a vida do lugar.  Pai e mãe de famílias a perder de vista a renca de filhos. O pescador João e dona Pedrina não desmentem a prosa. A bulinar sob a lua e o céu de estrelas fizeram uns 10 barrigudinhos.  

Do mote de menino a Angelina é a quarta. Em andanças em oposição à correnteza do rio formou-se em Engenheira Agrônoma.  Só quem nasceu na algibeira do aperreio sabe o quanto é motivo de festejo ver um filho formar.

E quando a menina/o é rebarbada/o e faz duas faculdades então...lá na outra margem do rio Angelina cismou em fazer Biologia. Petrolina/Juazeiro, Juazeiro/Petrolina. A ponte. O vapor. Vai e vem. Todas duas umas coisas lindas.  

Anos de 1970. Anos de ditadura. A copa do mundo de futebol transformada em pingente de oficial. Euclides já disse: “O Nordestino é antes de tudo um forte”. Sertões. Preá. Calango. Trecho.  Migrar por dias melhores é sina de parente.

Angelina correu Piauí. Defendeu-se em função no Incra e na Secretaria de Agricultura. Em 1978, Copa do Mundo de Futebol da Argentina, se aprochegou com Raimundinho para nunca mais se apartar.   

Idas e vindas. Vazantes e cheias. A vida. O rio. O mar. A poeira. A estrada. Marabá. Amazônia. Rodovia. Distante lugar. Meio do mundo. Meio do mato. Lugar de vida. Lugar de morte. Outro rio. Castanha. Onça. Ouro de tolo. Raul. Encontros. Desencontros.  A fronteira é faculdade sem parede.

Nas lonjuras de casa Ana Luiza foi a amizade primeira. Amizade no trecho é valendo. Valentia.  Os laços foram feitos na Escola da Igreja Batista. Em Nova Ipixuna, na época um puxadinho de Marabá, sucedeu o casório oficioso. Em Ipixuna Raimundinho fazia um troco em atividade de topografia.

Em 1981 veio ao mundo o rebento primeiro, João, dois anos adiante apeou o Thiago.  E, em seguida caiu no colo da família a Das Neves, juntinha com a Jane. Anos de 1980.  Aridez na selva. Anos de violações contra indígenas e camponeses. Naturalização de mortes. Mortes aos montes. Impunes em sua maioria.

Anos de peleja no Movimento de Educação de Base (MEB), outras amizades, a Jaide, Júlia Furtado, Nagila e tantas outras. Nestes tempos forjaram o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), e em definitivo sentou praça nas fileiras da educação. Embrenhou-se em lutas pela educação, moradia, e coisa e taus, Laranjeiras, Liberdade. A fronteira é faculdade sem parede.


Na atividade

O Nordestino antes de tudo é um forte. Depois de anos de escola cismou em cursar Matemática. Ainda hoje, prestes a somar sete décadas de existência, mantém vínculo com a escola. O jeito de falar da Bahia carrega até hoje. Aquele jeito desaperreado.  Sem agonia. “Raiiiiii....cadê tu?”

Lindo caminhar se faz no caminho. Angelina pelejou na Escola Liberdade e na Escola Paulo Freire. Enfrentou junto com outras professoras a perseguição de prefeitos por militar no PT. Tempos idos. Ao lado Julia Furtado, Maria Vieira e Jaide labutou por mais de década na sub sede do Sintepp.

A fronteira é terra de migrantes. Outro dia a filha de Juazeiro foi reconhecida como cidadã marabaense.

Na Bahia, com os familiares

“Peixinho”, o professor e poeta João Martins é o único irmão que tem como vizinho em terras distantes do Velho Chico. Dinalva, outra parente, habita o Peba faz mais de 20 anos.  Jailson (Caião), um sobrinho, pelos idos do começo dos anos 2000 aportou em Marabá. Nas encruzas da vida fez uma opção equivocada, e encontra-se noutro plano. 

Tenho dito, a fronteira é faculdade sem parede. Em casa de Angelina nunca faltou um lugar para armar a rede, um gole de pinga, um prato de comida, prosa, amizade.

As Brigadas Populares e atividades na Comuna Cepasp animam os seus dias de militante, e três netos, os momentos de afeto. 

Em casa de Angelina e Raimundinho é bem vindo o peão do trecho, o moribundo, o poeta, o cantor, o contador de causo, o doutor em porra nenhuma. Sabença de quem enfrenta a correnteza desfavorável dos rios da vida com a força das carrancas do Velho Chico, a fé em Bom Jesus da Lapa e a solidariedade dos pares. Axé!!!

 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Mulheres Amazônidas: indígenas e quilombolas protagonizam chapa coletiva em Santarém-PA.

 A defesa do território e os direitos da mulher são as principais  bandeiras da chapa coletiva Mulheres Amazônidas 

À esquerda, Alessandra Caripuna, ao centro Claudiane Lírio (cabeça da chapa),  à direita Tati Picanço, e sentada Luana Kumaruara,

Imagina ser mulher num país que possui cravado em seu DNA o gene do machismo. Imagina ser negra ou indígena num país desavergonhadamente racista e feminicida.  Como se diz pelas paragens do Pará, PENSE em ser mulher, negra ou indígena, com filhos, por consequência, fazer parte da classe trabalhadora, e se meter em Política...

Já calculou quantos obstáculos, barreiras e outros infortúnios a enfrentar no conjunto da sociedade, e muitas das vezes no seio da própria família quando se exerce a consciência de classe e investe em construir muralhas em defesa de seus direitos num ambiente minado em suas raízes por profundas desigualdades e um Estado autoritário e violento?

Agora, querida/o tente visualizar quatro mulheres, sendo duas negras e duas indígenas, no interior da Amazônia, a se rebarbar numa candidatura coletiva com vistas a exercer a vereança em uma quebrada marcada por uma agenda desenvolvimentista que ameaça a existência dos seus territórios ancestrais?

Pense nas pelejas das meninas filiadas ao PSOL, cuja agenda reside em defesa de seus territórios e outros direitos em viver de forma plena em uma arena política controlada/hegemonizada por homens brancos, muitos deles provenientes do Sul do país, “homens de negócios” da cadeia do agronegócio, e outras iniciativas à cadeia relacionadas, como a construção de obras de infraestrutura, consultorias, etc?

É desafio para mais de metro, e quando a gente conta a prosa, até o burro do carroceiro chora.  As meninas do Brasil moram em Santarém, cidade irrigada pelos caudalosos rios Amazonas e o Tapajós. A água de um é barrenta, enquanto a outra carrega em azul. Terra de sociedades complexas dos ancestrais indígenas, e em seguida, do povo negro.

Os sinais da presença ancestral constam em todo canto. Apesar das tentativas de apagamento. Aldeia é considerado um dos bairros mais antigos, e com maior extensão territorial da cidade. Lembre-se: Santarém é uma grande sítio arqueológico.  Território indígena. 

O bairro é uma das expressões da presença ancestral, bem como o pujante artesanato produzido a partir dos mais diferentes suportes: cabaças, miçangas, fibras naturais, escamas de peixe, o próprio peixe. Nas feiras, óleos e outras essências são facilmente acessados. Sabença milenar. Já que estamos em tempo de Círio, a maniçoba é cria nativa. É coisa de índio. 

À beira dos rios, muitas das embarcações resultam da engenharia da sabedoria do caboclo em selecionar a madeira mais adequada.  Tem ciência!.  Ligue-se, para o festejo, roda de carimbó, a dança circular, que celebra a igualdade, as riquezas naturais, a sabença do povo antigo, a lua e o amor.

Terra de encantados, como o muiraquitã. Terra do bravo povo mundurucu, que recentemente teve a luta de uma de suas guerreiras laureadas com o prêmio internacional de defesa dos direitos humanos, Alessandra Korap.

O Baixo Amazonas é terra de cabanos, onde a comunidade de Cuipiranga é considerada por especialistas como a derradeira frente de resistência a ser sufocada.

É deste rico solo/rios/florestas  que brotam as meninas do Brasil combativo. A Alessandra Caripuna é filha da comunidade quilombola de Pacoval, município de Alenquer. Formada em Administração é uma das principais referências femininas do movimento negro em Santarém. Caripuna é mãe de  Zinquê. 

No campo da educação atuou na Coordenação de Educação e Diversidade Etnico-Racial, da Secretaria Municipal. Nesta frente mandava a letra na formação para as equipes escolares, visando a construção de uma educação anti racista.

Mulher é bicho danado. Bate o tambor, canta e roda a saía. Caripuna faz parte da coordenação da Semana da Consciência Negra em Santarém desde 2011, em momentos de “repouso” (entenda a ironia) ocupa o front como comerciante da grife Afro Negrices Caripuna, e a partir dela anima desde 2017 a Feira de Afroempreendedores Kitanda Preta em Santarém Pará. 

Como reconhecimento de suas pelejas em 2018 foi homenageada pelos acadêmicos negros da UFOPA, onde batizaram o coletivo como “Negro Alessandra Caripuna”. Uma espécie de centro acadêmico.

A UFOPA é considerada a universidade do Brasil com o maior contingente de negros e indígenas, numa relação que não é nenhum rio de rosas.

O movimento estudantil serviu de berço para os primeiros passos políticos de Tati Picanço,  que em seguida integrou o Grupo de Consciência Indígena (GCI), onde é ativa até os dias de hoje, com trabalho junto às mulheres indígenas e no fortalecimento do departamento de mulheres do CITA. . 

A estudante de Antropologia da UFOPA faz parte da Frente em Defesa da Amazônia, e colaborou na fundação do coletivo feminista “Rosas de Liberdade”.  Picanço é do povo Caribe. A mãe de três mulheres combate a violência doméstica e atua pela humanização do parto. 

Luana Kumaruara é liderança indígena no Baixo Tapajós. Mãe de Yara e Kauê. Por três anos atuou no Conselho Distrital Saúde Indígena Guamá Tocantins - CONDISI DSEI GUATOC. Milita junto ao Departamento de Mulheres do CITA (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns).  Na Universidade Federal do Pará (UFPA) cursa o mestrado em Antropologia, e participa do projeto Mãe D´Água, que propõe organizar vigilância do território Kumaruara.

Na produção de conhecimento sobre o seu povo integra o grupo de pesquisadoras Amazônidas "Cartografando Saberes", composto por mulheres indígenas e negras intelectuais e integra ainda  a ABIA (Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges). 

Assim como a Caripuna, ela foi homenageada por colegas que nomearam o Centro Acadêmico de Antropologia da Ufopa como Luana Kumaruara, por ela ser a primeira indígena a se formar no curso.

“Nós somos mulheres preparadas e decididas, e estamos aqui por uma democracia popular. Eu acredito que a Bancada de Mulheres – Vozes Amazônidas é uma virada de chave. Nós mulheres somos a nova estética política, viemos para ocupar o nosso lugar. Surara!”, defende, Luana Kumaruara.

O poeta entoaria, “mulher tem nome de flor”, a cabeça da chapa tem flor no sobrenome. Trata-se da Claudiane Lírio. A estudante de Ciência e Tecnologia da UFOPA integra a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), por cinco anos fez parte Conselho Municipal de Saúde, e é ativista há mais de duas décadas. 

Lírio defende que nesta encruzilhada civilizatória em que vivemos é o momento adequado para os povos originários, e em particular as mulheres tomarem assento na política. Com relação ao começo do debate sobre formação da chapa coletiva, as ativistas explicam que o conjunto de movimentos já vinha refletindo sobre a possibilidade, e que ela se concretizou a partir de uma prosa sobre o tema. 

A chapa das Mulheres Amazônidas não é a única a ser apresentada pelo Psol, noutro campo, a chapa do Bem Viver, tem a mesma perspectiva.  Com relação de mulheres  do campo popular no legislativo de Santarém, em 2012 a trabalhadora rural Ivete Bastos (PT) exerceu uma legislatura.  Bastos é dirigente do Sindicado de Trabalhadores Rurais. 

Como diz a canção de  Bárbara Zidome; " 

Toda mulher já nasce sabendo o que quer/Nem toda mulher é menina/Encara esse mundo de frente/Valente ou então Valentina. 

Com informações da chapa Mulheres Amazônidas

Você pode doar de segunda a sexta, através da conta da bancada: 
Banco do Brasil- 
Ag- 0130-9 C/C 114.448-0 ou 
C/P 510.114-3
Claudiana Sousa Lírio. 
Cnpj: 38.774.073/0001-03