sexta-feira, 27 de março de 2020

Crimes da Mineração em Barcarena/PA - UFPA/NAEA disponibiliza livro


Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real

Recursos naturais em abundância, energia barata e subsidiada, cessão de terras públicas, frágil controle social, renúncia fiscal, farta mão de obra barata e de baixa escolaridade, ineficiência no monitoramento e na fiscalização ambiental (cumplicidade?), além de os generosos financiamentos públicos são alguns dos fatores que concorrem para a presença de grandes empreendimentos na Amazônia, onde o setor público financia o saque privado.  

Há pelos uns 30 anos o município de Barcarena, ao norte do Pará, coleciona processos de expropriação e crimes de toda ordem por conta da instalação de um complexo industrial da cadeia do alumínio – Albras-Alunorte-, bem como da francesa Imerys, que explora o caulim.

Tempos em que o controle acionário era exercido pela mineradora Vale, quando a mesma ainda atendia pela alcunha de CVRD, antes de ser entregue ao capital especulativo no ano de 1997, mesmo ano da instalação da Lei Kandir, que amplia o faturamento das empresas por conta da isenção fiscal pelo não recolhimento do ICMS, o que fere de morte os estados exportadores de commodities.  

Sobre os crimes que se sucedem em diferentes da mineração por todo o Brasil, já em 2010, o coletivo Justiça nos Trilhos, alertava para a eminência de rompimentos das barragens de rejeitos.

Com reconhecimento nacional e internacional de mais de 30 anos de atuação, o Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA), da UFPA, acaba de disponibilizar o Dossiê Desastres e Crimes Ambientais da Mineração em Barcarena.  O documento foi lançado em janeiro, em Belém. 

A apresentação do livro esclarece que o mesmo resulta além das dinâmicas que regem a produção acadêmica, da necessidade em subsidias os movimentos sociais do município no enfreNtamento com as grandes corporações. 

Aqui reside uma ironia: o complexo Albras-Alunorte, hoje é controlado pela norueguesa Norsk Hidro, cujo país é/era o país que mais contribuía com o Fundo Amazônia.

O dossiê agrupa 20 artigos articulados em quatro seções: I – Desastres socioambientais provocados pela mineração; II – Barcarena: sucessão de desastres socioambientais; III – Barcarena: sucessão de outros desastres socioambientais e IV – Mariana e Brumadinho: desastres e crimes da mineração em MG. 
A obra que pode ser baixada gratuitamente, conta com contribuição de pesquisadores de várias partes do país, onde podemos realçar Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Amazonas e Maranhão. 

Interessante o cotejamento que faz com relação aos projetos portuários. Os mesmos integram a cadeia de commodities na Amazônia, e representam um dos itens de logística do projeto Arco Norte, que pretende além de portos, a edificação de modal de transportes (rodovia, hidrovia e ferrovia) e edificação de inúmeras hidroelétricas de diferentes tamanhos.

A energia é um dos principais insumos da cadeia do alumínio. Na década de 1980, a hidroelétrica de Tucuruí, no sudeste do Pará, foi erguida no bojo do Programa Grande Carajás, com a finalidade de atender a demanda de Barcarena e São Luís, no caso, a estadunidense Alcoa. Energia subsidiada pela sociedade nacional.

Um dos artigos dá relevo ao caso de disputa territorial entre comunidades tradicionais de São Luís, na peleja contra o grande capital na comunidade de Cajueiro. Sublinhe-se ainda a seção dedicada aos crimes ocorridos pela Vale em Minas Gerais, Mariana e Brumadinho.  

A experimentada professora Edna Castro e um egresso do NAEA, Eunápio do Carmo assinam a organização da obra.
Baixe a obra AQUI

terça-feira, 24 de março de 2020

Planalto Santareno: notas sobre um visita em Ipaupixuna

Foto: caminho para Paupixuna
Cazula é sobrenome de ascendência Italiana e lusa, conta dona Irani, que vem a ser a mãe de Leandro, este professor de Geografia da UFOPA.  Os ancestrais da família baixaram em terra brasilis ao apagar das luzes do século de XIX, cuja missão consistia em substituir o braço escravo de África na cultura do café em solo paulista. 

Dava-se assim a origem ao colonato, como explica José de Souza Martins, em  Cativeiro da Terra. Tão explorados, quanto aqueles, os migrantes europeus ajudaram a operar a máquina da cadeia do café, esta responsável pelo processo de “modernização” do país.

Martins dispara que a racionalidade do trabalho do colono continuou a ser a mesma realizada pelo escravo, mudando somente a forma de organização social do trabalho, do trabalho coletivo do eito, para o trabalho familiar.

A migração subsidiada pelo Estado colaborou na conformação na nova mão de obra, e consequentemente, no cálculo capitalista da produção cafeeira, que antes residia no tempo de vida do escravo, este considerado como capital fixo na contabilidade da época. O escravo integrava o patrimônio. O Museu do Migrante, localizado em São Paulo, evidencia parcela da história.

Irani baixou Santarém outro dia. Leandro a levou para conhecer o povo Munduruku do planalto.  Visita mediada pelo cacique Manoel da aldeia Ipaupixuna. Ela faz fronteira com o território de remanescentes de quilombolas do Tiningu.  Aproximadamente, uns 40km de lonjura da sede do município. 

O planalto sofre influência do mundo das águas do rio Amazonas e do Tapajós. Ali abundam igarapés, furos e rios, e o formoso Lago do Maicá, objeto de disputa e saques de diferentes frentes. Açaí, pescado, floresta secundária ajudam na composição da várzea.

A missão consistia em levar uns canos para dá vazão à água do poço da comunidade, que irá alimentar um roçado. No caminho apanhamos uma boia para o almoço. Um cadinho de carne. A recepção para a dona Irani foi a melhor possível.

A senhora assaltou acerola no meio do caminho, degustou da refeição produzida pela indígena Graciene, provou da pupunha, iguaria que não conhecia. Trocou prosa, tomou café.  Os distantes mundos não pareciam estranhos.

Talvez aproximados pela dor e agruras pretéritas, soavam antigos parentes.  Não foi possível provar do açaí, nesta época do ano, rareia. Nas aldeias e quilombos, o tempo passa desaperreado. As crianças correm desinibidas pelo chão de terra, despreocupadas com a dinâmica dos ponteiros dos relógios dos não índios.