Seminário promoveu mesas de debates, oficina e lançamento de livros nos dias 30 e 31 de maio
Os cabelos grisalhos em
desalinho evidenciam inúmeras batalhas contra as violências disparadas pelo
Consórcio Norte Energia, responsável pela construção da hidroelétrica de Belo
Monte, no rio Xingu, sudoeste paraense, entre os municípios de Altamira e
Vitória do Xingu.
Auditório da Unidade Rondon/Ufopa. Foto: organização do evento.
Durante o processo de
reassentamento bateu o pé, recusou o valor que a empresa desejava oferecer pela
sua casa. Exigiu também casa para dois filhos, e que fosse perto da dela. E que
o local de moradia não ficasse longe do centro da cidade. A batalha pessoal é
uma das muitas pelejas em que se envolve a vigorosa senhora que soma 70 anos, Gracinda
Magalhães.
No primeiro plano, D Gracinda. Ao fundo, professor Gilberto Marques/UFPA, Letícia Ferraro/ FGV e a Dra Andréa Leão, do curso de Economia da UFOPA. Foto: coordenação do evento.
Ela é uma entre milhares
de pessoas que foram expropriadas por conta da implantação da usina na Volta
Grande do Xingu. Entre os dias 30 e 31, Magalhaes foi ponta de lança nas denúncias
contra o consórcio Norte Energia, durante o seminário Grandes Projetos na
Amazônia: de Belo Monte a Teles-Pires-Tapajós, realizado pelos cursos de Gestão
Pública e Desenvolvimento Regional e Ciências Econômicas da Universidade
Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A casa da funcionária
pública da área da saúde sucumbiu para ceder território ao consórcio. Como ela,
pescadores, camponeses do Beiradão (beira de rio), indígenas, extrativistas, oleiros
tiveram suas vidas colocadas de ponta cabeça. “Mas,
que a casa, fica sepultada a nossa história de mais de 30 anos no lugar, nossos
laços de amizade, e um desgaste emocional que tem matado muitos moradores da
região, acometidos por profunda tristeza e depressão” dispara Magalhães, na
noite do dia 31, no auditório da unidade Rondon da UFOPA.
Gracinda integrou a
mesa de encerramento dedicada ao diálogo com a sociedade civil sobre Belo Monte
e a agenda de grandes projetos para a região do Baixo Amazonas. Toda ela foi
composta por mulheres, onde Maria Francineide representou o Conselho de
Ribeirinhos do Xingu e Alessandra Korap, o povo mundurucu da região do Tapajós.
Da esquerda para a direita: D. Grancinda, profª Socorro Pena, Maria Francineide a Alessandra Munduruku. Foto: organização do evento.
A mesa, em certa
medida, materializa o necessário exercício de diálogo entre os diferentes
saberes que integram a região. Nesta direção a universidade pública cumpre o
seu papel na promoção de debates com a sociedade, num momento em que vive um
ataque constante do Executivo nacional, marcado por cortes no orçamento, demonização
do conhecimento, aversão à razão e à cultura, e ameaça à sua autonomia.
Conjuntura em que as
representações dos setores mais retrógrados do Congresso empreendem desregulamentar
as proteções dos territórios ancestrais e os direitos trabalhistas, e o ministro
do meio ambiente fomenta um desmanche na pasta, com vistas a fragilizar o já
delicado processo de licenciamento ambiental para atender interesses de grandes
corporações de mineração, construção e do agronegócio.
Assim como Magalhães, a
indígena que é estudante do Curso de Direito da UFOPA, tem sido protagonista na
defesa dos territórios dos povos originários. Por motivo de saúde a
representante quilombola do município de Oriximiná, Claudinete de Souza não
pode comparecer. A professora do curso de Gestão Pública da UFOPA, Socorro Pena,
mediou o debate.
A discente de Direito,
bem como os quase 900 alunos indígenas e quilombolas da UFOPA possuem a sua
permanência ameaçada na instituição, por conta dos cortes de bolsas que apoiam
a permanência na universidade. A vaquinha na internet tem sido um expediente
usado por alguns discentes para angariar recursos.
Querelas
na Amazônia
O reassentamento das
famílias é considerado como um dos problemas mais graves embutidos no processo
que envolve a implantação de grandes obras na Amazônia, em particular construção
de usinas hidroelétricas. Mesmo a Comissão Mundial de Barragens, organizada
pelo Banco Mundial, reconhece o problema.
Ainda hoje, no
município de Tucuruí, sudeste do Pará, famílias filiadas ao Movimento de
Atingidos por Barragens (MAB) reivindicam compensações. A usina foi erguida na
década de 1980, no rio Tocantins, para atender plantas industriais da cadeia de
alumínio nos municípios de São Luís, no Maranhão, da Alcoa, e em Barcarena,
Albrás/Alunorte da norueguesa Norsk Hidro, responsável por vários crimes
ambientais na região.
Belo
Monte
“A casa que a empresa
empurrou a gente é de péssima qualidade. Nem atar uma rede é possível por conta
da estrutura, que não aguenta. Os reassentamentos não possuem unidade de saúde,
árvores, saneamento básico e nem água. Os carros pipas é que atendem a
população. Alguns reassentamentos ficam bem longe do centro, e as pessoas não
possuem condições para pagar o transporte” denuncia Magalhães. Ao todo a cidade
de Altamira possui cinco reassentamentos.
O controle da malária
foi o único condicionante que a empresa cumpriu a contendo. A explicação dada
pelos pesquisadores da FGV e pela representante do conselho de saúde, recai
sobre a participação da sociedade.
Com relação à questão
indígena o painel de especialistas de várias universidades do Brasil e do
mundo, organizado para analisar a instalação do empreendimento, alertou que a
usina representa um ameaça de genocídio para os povos xinguanos. A desagregação
de aldeias tem sido um dos desdobramentos após a instalação de Belo Monte. Movidos
em acessar recursos do consórcio, o número de aldeias saltou de 12 antes da
construção da hidroelétrica, para 80 nos dias atuais.
Para a representante do
Conselho Ribeirinho do Xingu, Maria Francineide, Belo Monte é uma câncer sem
cura, e todos os dias descortina um problema novo. “A Norte Energia destruiu
nossa casa, nossa vida, nosso rio. Deixou nosso povo doente. Hoje o nosso rio
fede. Todos os nossos direitos não foram respeitados. Muita gente morreu de dor
ao ver a casa ser tombada. Vocês aqui do Tapajós não podem deixar acontecer
aqui, o que fizeram com o Xingu”, realça a ribeirinha.
Maria Francineide, do Conselho de Ribeirinho do Xingu. Foto: organização do evento
Com relação ao reassentamento,
ela destaca que “a Norte Energia só reconheceu o patriarca ou a matriarca da
família, deixando os agregados de fora, quando a realidade das famílias locais é
marcada por esta característica”. O Conselho Ribeirinho, criado em 2016, tem
organizado rodas de conversas com os atingidos na busca do retorno aos seus
territórios. Para tanto, promoveram ações até em Brasília.
Baixo
Amazonas
O governo federal planeja
erguer 39 hidroelétricas e 100 pequenas centrais hidroelétricas na região do
Tapajós, alerta Karap ao iniciar a sua fala.
A geração de energia, o modal de transportes (rodovia, hidrovias e
ferrovias), comunicação são os principais eixos de desenvolvimento definidos do
projeto da Iniciativa de Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), onde o
Brasil possui protagonismo.
Tais prioridades
possuem rebatimento no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), onde o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o principal financiador.
No caso do Baixo
Amazonas, os projetos estão descritos no documento Arco Norte, que visa tornar
a região num grande corredor de exportação de commodities. Soja e minério, em
particular. Além do modal de transporte,
usinas de energia, a construção de portos e de estações de transbordo de grãos
integra o cardápio que fere de morte os territórios dos povos originários.
Planejamento de logística no projeto Arco Norte, que visa dinamizar um corredor de exportação no Baixo Amazonas.
Além de territórios
indígenas e quilombolas, projetos de assentamento da reforma agrária, a região
é tributária de importante mosaico de unidades de conservação, que soma 33 no
total. As áreas de conservação foram
reconhecidas após a execução da missionária estadunidense Dorothy Stang, em fevereiro
de 2005, no município de Anapu. Como sempre, a ação do Estado tem sido reativa
ante as tragédias que abalam a região.
Em defesa de seus
territórios, a representante mundurucu alerta que a estratégia de defesa do
solo sagrado tem sido a autodemarcação do território indígena, iniciada no ano
de 2015. “Com a colaboração de pesquisadores da UFOPA e de outras
universidades, ficamos dias na mata fechada, nossos guerreiros e mulheres a
demarcar a nossa terra. O processo ainda não terminou. E sempre enfrentamos as
ameaças de madeireiros e garimpeiros” conta Alessandra, que esteve em Paris
recentemente, denunciando os riscos que pairam sobre a Amazônia.
Alessandra Munduruku. Foto: organização do evento.
Ela conta que sequer
foram recebidos por representantes da empresa EDF, responsável pela construção
de hidroelétricas Teles-Pires, na fronteira dos estados do Pará e Matogrosso. “Aqui
no Brasil o governo abre as portas. Lá, nem fomos recebidos”, lembra Korap.
Resumo
do seminário
Na tarde do dia 31 pesquisadores
da FGV Leticia Ferraro e Kena Cahves realizaram oficina sobre monitoramento de
desenvolvimento em territórios que recebem grandes projetos. A fundação dedicou
18 meses no acompanhamento de algumas condicionantes que deveriam ter sido
cumpridas pela Norte Energia.
Além dos já consagrados
problemas que norteiam a instalação de grandes projetos na região, como a
especulação imobiliária, a grilagem de terras, a migração, o incremento de uso
de álcool e drogas, prostituição e o aumento de gravidez na adolescência, as
pesquisadoras evidenciam o que chamam de epidemia do trânsito. Por conta de
certa dinamização da economia local no boom da obra, ocorreu o aumento do uso
de motos, e por consequência, o aumento de acidentes, e um certo caos na
cidade.
Elas alertam que além
das fontes clássicas de dados, a exemplo do Datasus, IBGE, Secretaria de
Tesouro da União, Instituto Nacional de Estudos e Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é interessante o diálogo com
as secretarias municipais. Como exemplo, citam o caso registrado no município
de Juruti, onde realizaram parceria com a secretaria de saúde. Na cidade também
situada no Baixo Amazonas, a mineradora Alcoa explora bauxita desde os anos
iniciais da década de 2000.
Sandra Karolline Pontes,
egressa do curso de Gestão Pública, e em fase de conclusão de dissertação no
Instituto de Ciências da Sociedade (ICS) da Ufopa, apresentou parte de sua
pesquisa durante a oficina. A discente vem pesquisando o reassentamento em
Altamira desde o TCC.
Sandra Pontes- egressa do Curso de Gestão Pública. Foto: organização do evento
Na mesa de abertura
além de palestras das pesquisadoras da FGV,
o professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do
Pará (UFOPA), Gilberto Marques, fez o lançamento da obra Amazônia: riqueza, degradação
e saque, recém publicada pela editora Expressão Popular.
Professor Gilberto Marques, do curso de Economia da UFPA/Foto: organização do evento
Encerramento do seminário/Foto: organização do evento
Socorro Pena, uma das
mediadoras do seminário, organizado com a participação dos discentes dos cursos de Gestão Pública e
Economia (turmas GP 2018, CE 2018 e 2019), alerta que a iniciativa terá
desdobramentos, com a promoção de intercambio com os pares da UFPA do Campus do
município de Altamira e a FGV.