Manifesto das Brigadas Populares do Pará inventaria os três anos de luta dos camponeses acampados em Canaã dos Carajás
Nos
acampamentos de ocupações de terras no campo encontramos pessoas e
famílias naturais de diversos Estados,
de crianças a idosos, de diversos credos e religiões, com as mais diversas
experiências e trajetórias, na sua maioria carregam a marca deixada pela
opressão, dominação, espoliação e exploração.
Acampados(as)
são pessoas, em boa parte, que não sabem
lidar com a realidade que se desafiaram a enfrentar mas decidiram diante das
dificuldades que estão passando. Dificuldades por dificuldades optaram por
encarar as do campo, depois de desiludidos com a possibilidade de se resolverem
na cidade, é o que relatam muitos(as) acampados(as).
Encontramos
pessoas endurecidas pelas injustiças que sempre sofreram, mergulhadas em
eternos conflitos consigo e com o mundo, sem terem oportunidades para pelo
menos sonharem com novas possibilidades, por que sempre lhes foram negadas.
Encontramos também pessoas leves, amáveis e sonhadoras. O importante é que tem
algo muito forte que faz a liga entre muitas das pessoas e famílias diferentes
entre si nestes acampamentos, para além da vontade de conseguir a terra, se faz
presente o espírito de solidariedade, a persistência e a esperança.
Em
inúmeros acampamentos de pessoas e famílias no município de Canaã dos Carajás
encontramos as diversas situações já citadas, com expressivo espírito de solidariedade, persistência e
esperança.
ACAMPAMENTO
PLANALTO SERRA DOURADA
Umas
cinco pessoas entenderam que diante da crise que atingia as pessoas pobres da
Canaã a saída era ocupar terras improdutivas existente no município. Saíram a
procura, e com pouco tempo de andança depararam com vasta área que desde o ano
de 2000 tinha sido apropriada pela Vale, as margens da VS-40.
Em
pouco tempo de conversas ao pé de ouvido arregimentaram umas 70 pessoas, entre
homens e mulheres, que se colocaram a disposição para ocupar uma terra para
trabalhar. Conseguiram um caminhão, e na madrugada do dia 14 de junho de 2015
partiram para o local. Além das pessoas que foram no caminhão, também foram
pessoas de motocicletas.
No
outro dia fizeram contatos com famílias da vila Serra Dourada, que de imediato
se colocaram dispostas a fortalecerem a luta e verem seus sonhos realizados. Em
pouco tempo muitos barracos formavam o acampamento. Com a notícia chegando à
cidade muitas pessoas se deslocavam rumo ao acampamento a procura de uma
oportunidade.
Uma
comissão constituída, já com apoio do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais de Canaã, tratou de fazer o cadastro das famílias e estabelecer o número
máximo de famílias no acampamento, que foi acordado em 350. Como as famílias
chegavam em grupos a preocupação foi em formar uma coordenação com
representantes dos grupos para facilitar os trabalhos organizativos no
acampamento.
O
sindicato, de imediato fez contato com a Comissão Pastoral da Terra - CPT e com
o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular - CEPASP, para
contribuírem na defesa jurídica e no processo organizativo do acampamento,
considerando as dificuldades que estariam por vir.
No
dia dezesseis a CPT já estava trabalhando em defesa das famílias diante de uma
liminar de despejo. Os advogados da CPT conseguiram argumentar e convencer o
juiz de que a competência para tal situação deveria ser da Vara Agrária, para
onde foi transferido o processo.
ATAQUES
DA EMPRESA E AS MOBILIZAÇÕES
Dentro
de pouco tempo as famílias resolveram dividir a área pretendida em lotes de 25
hectares, considerar a área do acampamento em um lote 50 hectares. Em volta do
acampamento foram demarcados pequenos lotes em áreas correspondentes a meio
hectare, para as famílias do acampamento fazerem suas plantações de culturas
temporárias e hortaliças.
A
Vale, junto ao juiz da Comarca de Canaã, conseguiu 42 liminares de despejos
contra famílias que ocuparam os lotes fora do acampamento, aumentando assim o
trabalho dos advogados.
Diante
da resistência das famílias a Vale acionou outros dispositivos: helicópteros
sobrevoando toda a área ocupada, guardas armados rondando o acampamento e
transitando na área, policia com oficial de justiça e funcionários da empresa
ameaçando famílias e fotografando as pessoas e suas áreas.
O
prefeito junto com representantes da empresa usaram a mídia local, fiéis
serviçais (rádio e televisão) e carros de som nas ruas, para destratar e
desmoralizar as famílias acampadas, colocando a sociedade local contra o
movimento.
A
saída para dialogar com a sociedade e contrapor a empresa, inicialmente foi
elaborar notas e realizara manifestações pelas ruas da cidade mostrando a
realidade dos fatos, desmontando as mentiras da Vale e seus aliados. Outra
alternativa foi ocupar por várias vezes as rodovias que dão acesso a seus
projetos.
A
penúltima ocupação se deu no final do mês de novembro de 2017, quando o
movimento ocupou a rodovia que dá acesso ao projeto S11D e o ramal ferroviário.
Esta ocupação teve com saldo o acordo par suspensão do despejo das famílias do
acampamento Planalto Serra Dourada e abertura de acordo para todas as áreas
ocupadas.
DOS
AVANÇOS
Durante
os três anos, que completam neste 14 de junho, muitos foram os avanços
individuais e coletivos alcançados pelos trabalhadores e trabalhadoras
acampadas, vamos citar alguns: 1. A formação de politica organizativa
acontecida com as manifestações, as audiência e ocupação do Fórum, a ocupação
no INCRA, ocupação da prefeitura, participação em encontros com
trabalhadores(as) de outras organizações, em Parauapebas, Marabá, Açailândia,
Belém, Brasília, Rio de Janeiro e Recife; 2. Produção de vídeos e informativos
escritos, com apoio do CEPASP, CPT, STTRC e Brigadas Populares; 3. Muitas
famílias terem se fixado no acampamento e nas terras; 4. A significativa
produção agrícola e criação de animais; 5. Experiências de comercialização em
feiras populares; 6. A integração dos diversos acampamentos em lutas
unificadas; 7. Compreenderam que é necessário lutar e que é possível enfrentar
a opressão da Vale e acabar com o latifúndio no município; 8. Que é possível
(re)construir a Canaã do povo, que foi tomada pela Vale; 9. Que é a agricultura
que move a economia local, e não a mineração; 10. E que a mineração é a
tragédia com degradação ambiental e social.
Hoje
são em torno de 700 famílias morando em acampamentos, na sua maioria produzindo
e melhorando as condições da população pobre e da classe média da cidade, com a
oferta de produtos diretamente das roças a preços menores que do mercado local.
As
famílias demonstram que estão preparadas para continuarem resistindo,
produzindo, comercializando, e para conquistar em definitivo as terras que
ocupamos.
Viva
a luta dos(as) trabalhadores(as) acampados(as)!
Viva
o Acampamento Planalto serra Dourada!
Viva
a revolução agrária!
Canaã dos Carajás, 14 de junho de
2018.
BRIGADAS
POPULARES - PARÁ