quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Belo Monte - consórcio não cumpre acordo com indígenas

O Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal que execute com urgência o acordo extrajudicial assinado pela Norte Energia S.A com os índios que ocuparam os canteiros de obras de Belo Monte. Eles reinvindicavam que a empresa cumprisse as condições socioambientais da licença da usina e aceitaram sair dos canteiros depois que a empresa assinou acordo, em 17 de outubro de 2012, durante audiência de conciliação ordenada pela Justiça. Leia mais em MPF

Manaus sediará Intercom

Um dos temas debatidos durante a reunião de diretoria da Intercom, ocorrida em São Paulo, foi sobre os preparativos do 36º Congresso Nacional, que acontecerá de 4 a 8 de setembro na cidade de Manaus, no coração da Amazônia. Juntamente com os demais diretores da entidade, a Vice-Presidente da Intercom, Marialva Barbosa, analisou e fez ajustes na programação prévia do evento, a qual deve ser futuramente divulgada. Leia mais AQUI

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Amazônia é “Coisas de Negro”


Rodas de Carimbó contam uma parte da (re) existência cultural no Distrito de Icoaraci
Lilian Campelo e Rogério Almeida*

 Panorâmica do salão do Coisas de Negro - Foto - Lilian Campelo


 Panorâmica do salão do Coisas de Negro - Foto - Lilian Campelo
A arte milenar da cerâmica marajoara produzida no bairro do Paracuri proporcionou uma visibilidade além rio-mar ao distrito de Icoaraci. Em tupi-guarani o nome significa Mãe de todas as águas. Assim como outras regiões da cidade de Belém, a baía do Guajará circunda o lugar, ainda repleto de furos, igarapés e rios. O rio Paracuri é um deles, assim como o Maguari, o igarapé Livramento, e tantos outros, de onde é retirada a argila, - cada vez mais rara-, para a produção da cerâmica.
É tempo de chuva na Amazônia. A ausência de saneamento básico impede o acesso dos consumidores do artesanato até o centro produtor. Limite que é sanado com quiosques de venda na orla central do bairro. Além da arte marajoara e tapajônica, músicos de samba, rock, pop e carimbó ajudam a compor a cena cultural do lugar. 
20 quilômetros separam o centro da capital do Pará do bairro. A esburacada e mal sinalizada rodovia Augusto Montenegro é a principal via que leva ao bucólico logradouro apelidado de “Vila Sorriso”. Edificações ligadas à Igreja Católica marcam o espaço da orla, repleta de restaurantes e vendedores de coco.
Já a abandonada Biblioteca Municipal Avertano Rocha é um resquício dos gloriosos anos do ciclo da borracha.  O chalé integra o portfolio da arquitetura do século XIX do município. 

O hiato social tem  incrementado a violência ao redor. Em novembro de 2011 a chacina de seis adolescentes sem passagem pela polícia comoveu o distrito. Alguns suspeitos estão presos. Mas, o caso continua uma incógnita.
O cais que recebe a produção de hortifrutigranjeiros e o pescado é o mesmo de onde é possível embarcar pra o arquipélago do Marajó, e ilhas mais próximas, como a de Cotijuba, que durante muito tempo abrigou o presídio do Estado. Uma viagem de menos de sessenta minutos de barco separa o distrito da ilha. A energia recentemente implantada trouxe mais conforto às pousadas, e incentivou a especulação imobiliária.  No mesmo cais no mês de outubro ocorre a romaria fluvial que celebra Nossa Senhora de Nazaré.
Após vários processos históricos, desde os tempos das sesmarias, o distrito de Icoaraci foi instituído juridicamente na década de 1940. Vez em quando alguns setores do comércio e da política local ensaiam um movimento separatista de Belém. Enquanto isso não ocorre, na Av. Dr. Lopo de Castro, nº 1081, a cada domingo, há 13 anos, o Espaço Cultural Coisas de Negro celebra a cultura de matriz afroindígena com as rodas de carimbó.
A percussão é a coluna dorsal da manifestação de matriz afroindígena. Assim como o tambor de crioula do Maranhão, três tambores (curimbó) compõem o nipe percussivo ajudado por maracás. Cabe ao curimbó maior a marcação, enquanto os dois menores solam. Ao contrário da manifestação maranhense, no carimbó existem instrumentos de harmonia, como flauta transversal e banjo. Os grupos mais pop´s agrupam violão ou guitarra e baixo.
Homens e mulheres dançam em movimento circular. Cabe ao homem o galanteio. Na manifestação maranhense cabe às mulheres a dança, e aos homens a música e o canto. As vestes são similares. As mulheres sempre dançam de saia. A camisa de chitão florido é comum na indumentária dos homens nas duas manifestações.
A matriz rural é o elemento comum das atrações culturais nos dois estados. A região do Marajó e do Salgado (município de Marapanim em particular) são as referências de grupos de carimbó no Pará. Já no Maranhão a manifestação é encontrada nos bairros da periferia de São Luís, e em inúmeras áreas em várias regiões do estado marcadas por remanescentes de quilombo. Na periferia de Belém, no bairro da Terra Firme, migrantes maranhenses à Rua dos Pretos mobilizam-se em torno do tambor de crioula.

Espaço Cultural Coisas de Negro – espaço de (re) existência
Os apêndices da história deixam claro o preconceito e a criminalização das manifestações culturais de matriz africana. Códigos de posturas de algumas cidades proibiam as rodas de capoeira e samba. Era coisa de malandro. Para (re) existir o samba ganhou o abrigo em terreiros de umbanda e candomblé, como no caso da Tia Ciata e apelou para o sincretismo. A visão obtusa de antes tem sido oxigenada em dias atuais por alguns segmentos neopentecostais.
 
Assim como os ancestrais, homens e mulheres negras ou não celebram a cada noite de domingo o carimbó. A casa do Coisas de Negro é modesta. O sobrado recentemente passou por uma reforma. A ornamentação faz referência às culturas africana e amazônica.
A seleção em prêmio do edital de Culturas Populares Mestre Humberto de Maracanã (cantos de bumba-meu-boi do Maranhão), promovido pelo Ministério da Cultura realizado em 2008 possibilitou a reforma. O projeto foi contemplado na categoria Grupos Tradicionais Informais. A iniciativa contou com a ajuda da jornalista e produtora cultural Luciane Bessa, lembra o proprietário do espaço, Raimundo Piedade da Silva, mais conhecido como Nego Ray. Um senhor de meia idade de estatura mediana.  
O Coisas de Negro – entre o rústico e o haiteck.  O espaço cultural  apresenta um ambiente rústico. Peças de cerâmica, raízes de plantas secas, sementes e fotografias dos grupos de carimbó impressas em lona de caminhão adornam as paredes com textura de argila.
 
Nos rituais de domingo, na parede acima do palco filmes sobre cultura popular e curtas-metragens produzidos no Pará são exibidos. O documentário Salve Verequete, falecido mestre do carimbó, não deixa de ser exibido. O cineasta Luiz Arnaldo assina o registro sobre a trajetória de um dos protagonistas da arte popular do Estado. O negro esguio morreu doente e pobre. Somente no fim da vida contou com uma ajuda pecuniária da prefeitura de Belém. Para sobreviver vendia churrasquinho. A sina de Verequete é comum entre os artífices do gênero. A mesma trilha teve o mestre Bento.
Internet, carimbó e cidadania
Coisas de Negro - Espaço de Transmissão da Internet - Foto- Lilian Campelo
 
Talvez nenhum mestre tenha imaginado que as rodas de carimbó ganhariam o mundo. Hoje elas são transmitidas ao vivo via internet. O Carimbó.Net também contou com a participação de Luciane Bessa.O empreendimento que começou no espaço cultural, hoje é projeto de extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), através do Edital Ações Colaborativas para a Cidadania Digital, lançado em 2009. 
A iniciativa proporcionou ao Espaço Coisas de Negro a oportunidade de ministrar oficinas de confecção e percussão de instrumentos para jovens, além de trabalhar com software livre e gravação de CD. Os frutos desse projeto podem ser acessados nas redes sociais.

Nego Ray relembra a experiência que o projeto possibilitou ao visitar uma comunidade quilombola Laranjituba, localizada no município de Moju, norte do Estado. “Tivemos a felicidade de gravar a voz de um cidadão de 87 anos de idade, Mestre Jorge que canta carimbó. Nós levamos todo nosso equipamento de som. Conseguimos captar o som dele e reproduzimos na hora o CD. Já tínhamos feito a capa e entregamos para ele,” conta emocionado. 

Ray sublinha que o Mestre Jorge ao ouvir a sua música sendo tocada pela primeira vez parecia criança dançando. A equipe ficou maravilhada com aquilo. Acompanhando o mestre vendo todo o processo e se ouvindo, foi muito bacana, arremata.

Coisas de Negro – os primeiros passos

No início o espaço cultural era um bar. O proprietário explica que o local existe há 21 anos. E que desde o início das rodas de carimbó passou a ser denominado de espaço cultural. O repertório musical era composto de voz e violão ao vivo sempre as sextas-feiras. E a execução de vinis.

Ray relata que as rodas de carimbó começaram com a apresentação do grupo ‘Curuperê’. Ele recorda que um grupo de pessoas ligadas à música o procurou. Eles tinham interesse em apresentar o trabalho que era voltado ao carimbó. Fui convidado a participar. E assim começamos a trabalhar em cima do repertório autoral.

A partir daí outros grupos parafolclórico começaram a se apresentar no espaço. A iniciativa trouxe resultados. Outros locais também começaram a promover as rodas de carimbó. Até então a divulgação do carimbó era restrita a períodos festivos.  “Antes as apresentações do carimbó ficavam confinadas às festividades da quadra junina. Com essa nossa atitude de fazer as rodas aos domingos, as pessoas começaram a aceitar mais o ritmo regional. Hoje a dança aparece até no horário nobre da televisão, mas foi necessário que alguém, não só a gente, mas as pessoas que nunca deixaram de acreditar que um dia essa música iria chegar onde está começando a chegar. Bem como a teimosia dos grandes mestres que não estão mais aqui” afirma Nego Ray.

Hibridismo cultural é Coisa de Negro

“Não há conflito entre o regional e o ‘de fora’, pelo contrário, há um encontro que proporciona uma nova expressão cultural. O hibridismo, longe de ser visto como uma deturpação da cultura popular é considerado enriquecedor das práticas culturais por esse segmento que conheceu o carimbó por meio do Mundé”.
 
 Roda de Carimbó no Coisas de Negro - Foto - Lilian Campelo
 
Esta frase, estampada em lona, ornamenta uma das paredes do Espaço Coisas de Negro. Quem entra rapidamente percebe que a energia do local congrega diversos campos culturais. Nego Ray explica, “Uma coisa que a gente percebe aqui é a mudança de comportamento das pessoas. As que são voltadas para outras tendências musicais, quando adentram no “Coisas de Negro” começam a se integrar. As meninas do rock que  já vêm aqui e vestem as suas saias.”.
O banjo é um dos instrumentos de harmonia da roda de carimbó - Foto - Lilian Campelo
 
O jornalista Ismael Machado sugeriu ao Nego Ray o projeto Coisas do Rock. Na época estiveram no palco as bandas, Arcano 19, Cravo Carbono e Norman Bates. “Retornamos agora, tem um ou dois anos com apresentações de grupos de rock. No dia 2 de fevereiro teremos The Smiths Cover e Los Hermanos Cover. Além dessa apresentação, antes teremos no dia primeiro de fevereiro o Buscapé Blues, com uma apresentação de música autoral” explica Ray.  

O curimbó central faz a marcação da roda de carimbó - Foto - Lilian Campelo
 
O espaço cultural sempre esteve aberto a outros ritmos e estilos, mas não é só o local que congrega outras influências musicais. O grupo de carimbó Mundé Qultural é prova dessa efervescência contemporânea. Utilizando instrumentos como a guitarra, o baixo e percuteria, este último criado pelo próprio grupo é um conjunto de instrumentos como: prato, banjo, alfaia, pandeiro e caixa de bateria.

O grupo mescla experimentações sonoras envolvendo o popular e o contemporâneo. Nego Ray fala que eles deram uma nova roupagem à música ‘Moleque do Paracuri’ da banda Novos Camaleões, “Fizemos um arranjo bem legal, uma pitada regional com uma linguagem rock ‘n roll”. A mesma linha segue o grupo Lauvaite  Penoso. Algo que lembra a turma que envenenou a cena cultural do Recife na década de 1990, isto para não falar de Raul Seixas, Mutantes e a Tropicália.

Hoje, o Espaço Coisas de Negro abriga as mais diversas tendências e experimentações sonoras. Para Nego Ray a procura das pessoas pelo espaço denota uma carência de locais para a música autoral. “O que eu vejo hoje no ‘Coisas de Negro’ era o que um tempo atrás acontecia no teatro Waldemar Henrique. O teatro abria as portas para que as pessoas pudessem fazer as suas experiências musicais”.

Trio Chamote – direto da costela do Coisas de Negro
O ensaio começou umas 7hs da noite. A batida leve na baqueta e o contar do “1, 2, 3, e...” marca mais um recomeço da música que está sendo ensaiada. O local é no Espaço Cultura Coisas de Negro e o celular grava o áudio do ensaio. O ritmo é o lundu. Também de matriz africana. Ao contrário do carimbó a sonoridade é marcada pela suavidade e a cadência em pausas leves e fortes marcadas pelo batuque. No caso é tocado no bumbo da bateria. A dança é um ritual de sedução.    

O ambiente ‘Coisas de Negro’ inspira musicalidade e o espaço também contribui para o surgimento de novas parcerias, a partir de encontros e vivências com pessoas e grupos musicais plurais, como a diversidade do Trio Chamote.

Composto por Silvio Barbosa (sopro), Luizinho Lins (banjo) e Charles Matos (bateria), eles utilizam o espaço para ensaiar as cinco músicas já criadas. O trio irá se apresentar oficialmente no Teatro Waldemar Henrique na abertura do show do guitarrista Pio Lobato. Data a confirmar.

Chamote e Coisas de Negro
O Trio ainda é novo, os músicos é que são velhos conhecidos do ambiente, desde os tempos do nascimento das rodas de carimbó. Todos moram em Icoaraci. O nome do Trio vem de um dos processos de produção artesanal da cerâmica. Chamote é o nome dado aos restos de cacos de peças antigas da cerâmica marajoara, que são aproveitadas e misturadas ao barro natural para a criação de novas peças.

É desta realidade cotidiana e de vivências que os músicos criaram o estilo do trio. Charles, autodidata com 22 anos entre baquetas e pratos explica o som que produzem: “O Chamote surgiu de um sonho antigo de trabalhar a música regional folclórica inserindo uma roupagem contemporânea, com efeitos sonoros e linguagem jazzística, que consiste na improvisação musical”.  

Luizinho explica que o Espaço Coisas de Negro também ajudou a construir o Chamote “Aqui a gente busca conceito, tem as rodas de carimbó, todo esse ambiente ajuda a compor”.

A construção do conceito musical do Chamote partiu de algumas coincidências. Todos os integrantes possuem pesquisas distintas sobre os instrumentos que tocam e ritmos amazônicos, contempladas com bolsa de estudo no Instituto de Artes do Pará (IAP). O  horizonte de trabalhar com ritmos regionais mesclando uma pegada mais contemporânea foi o que os uniu.

O espaço Coisas de Negro foi determinante para o encontro e a realização do projeto, como afirma Silvio, “Talvez se não fosse o ‘Coisas de Negro’ o Chamote não iria se formar. Os ensaios no espaço, a convivência nas rodas de carimbó e a troca de impressões com o Ray ajudaram a cimentar a ideia” pondera o músico.

Luizinho confirma, “Se eu estivesse em outro espaço, talvez eu estaria tocando com outro grupo, e só tocando, não estaria fazendo experimentação sonora”.

Para o artista a relação que se dá no espaço é de solidariedade, “Quando o Ray cede o espaço para gente ensaiar não é necessário uma assinatura em papel, e toda essa formalidade, as relações são baseadas no aperto de mão”.

Cultura popular como patrimônio imaterial do Brasil
O Tambor de Crioula, o primo do Maranhão já foi reconhecido pelo Ministério da Cultura como patrimônio imaterial do Brasil. No Pará um coletivo realiza uma campanha para a concessão da mesma chancela ao carimbó.  Autores e intelectuais atuam em frentes diferentes.

Uns tratam da burocracia, enquanto outros organizam memorial sobre os grupos e nomes relevantes de mestres do ritmo, onde flutuam Verequete, Lucindo,  Dico, Cizico  e Bento, entre outros. E organizam eventos dentro e fora do estado.

A cada domingo além do Coisas de Negro, os ancestrais são festejados por percussionistas nas manhãs da Praça da República, no Centro de Belém. Ali entre mangueiras, e próximo ao cheio de pompa e circunstâncias Teatro da Paz, não raro os músicos entoam a canção mais popular do gênero: “Chama Verequete! Velejar. Velejar”.
Lilian Campelo é jornalista. A folkcomunicação foi o tema de  trabalho de conclusão de curso. Rogério Almeida é autor do livro Pororoca pequena - marolinhas sobre a(s) Amazônia (s) de cá.  

 

 


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Pequena memória sobre o trecho II


Rua do Ouro, centro do município de Tucumã, sul do Pará. O nome da rua justifica um dos emblemas do lugar, a mineração. Na década de 1980 a febre do ouro provocou o fluxo de vários monomotores ao município.

Não há nada de nobre no logradouro. Os botecos são simples. Alguns com estrutura de madeira. Ali ficam uns puteiros. Nada atraentes.

Quase vinte e três horas num dia de semana. Tudo pacato. Uma jovem loira toma cerveja com um senhor que sinaliza embriaguez. Ela conta da viagem aos EUA. Ele ouve sem atenção. Tenta curar o porre num prato de sopa. Combinam o serviço. Tomo duas cervejas com o parceiro de viagem. E vamos embora.

Rua à cima uma placa divertida chama atenção: Churrasco do Maranhão com o signo de um japonês gordinho. Três jovens atendem no lugar: Érica, Leila e Renata. A primeira é mais encorpada. Negra do Maranhão.

A dona de riso largo tem uma bunda farta. A segunda é a menor. Tem feição indígena. Simpática. Já terceira é mediana. Cabelos longos e parece a mais jovem do grupo. O sutiã aperta os seios que transbordam da camiseta. A cada noite uma saraivada de cantadas.  Experimentamos o churrasco antes de dormir.

A Rua do Ouro fica perto da rodoviária erguida pela Vale, que explora níquel na fronteira com Ourilândia do Norte e outras cidades.  Calçar ruas, garantir algumas edificações, bancar festival disso ou daquilo constitui como agenda da corporação como estratégia de relação com a comunidade e de comunicação. E ainda barganha com o artificio de “responsabilidade social”.  

Informantes indicam que no pico da obra era comum o deslocamento de jovens das cidades da redondeza no incremento do serviço sexual. A divisória das principais avenidas das cidades servia como butiques de carne humana. A força do capital a tudo subordina?

Na região, após a exploração do ouro sucedeu a madeireira. Nos dias atuais existem produtores de cacau e pecuária leiteira. Os colonos, alguns com mais de vinte anos de vínculo com a terra podem ser tratados de médios produtores. Alguns possuem mais de 200 cabeças no rebanho, um carro adequado para o deslocamento nas estradas de terra, camionetes com tração.    

Explosões nos fornos da fábrica obrigaram a mineradora a suspender a operação. A recuperação é demorada. E nos bastidores a tendência é que a Vale deseja se desvencilhar do empreendimento. 

Assim como outros projetos da corporação no Pará, o projeto Onça Puma, adquirido da empresa canadense Canico Resource Corp tende a pressionar territórios já definidos como projetos de assentamentos, modalidades de reservas ambientais e áreas indígenas.

Os atropelos nos processos de licenciamento obrigaram a mediação do Ministério Público Federal (MPF). A instituição tem sido a principal no cenário jurídico nas pelejas para a efetivação dos direitos violados das comunidades atingidas.

Projetos de grande envergadura provocam a desagregação e turbinam as disputas internas na comunidade. Mesmo entre os representantes de deus isso tem ocorrido: pastores e padres cooptados em algumas localidades advogam em favor da empresa. Ajudam a azeitar “as negociações” entre as famílias impactadas e a mineradora.

Aos que de alguma forma tensionam e encaminham denúncias a tática muda. Passa pela tentativa de cooptação, persuasão ou oferta de mimos e ainda o isolamento.  

Chove no trecho que de vez em quando tem a rodovia tomada por boiadas. Os hotéis mais bacanas erguidos para abrigar o staff da empresa e das terceirizadas estão vazios por conta da suspensão do projeto.

Desde o ano passado uns projetos de reassentamento foram efetivados, como o União, fruto da negociação da área conhecida como Campos Altos.  A assessoria jurídica ficou por conta da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a técnica a cargo da ONG Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp).

O processo ainda não encerrou. Algumas famílias ainda aguardam negociações. Mas, alguns locais já parecem fantasmas, como a Vila Minerasul, no município de São Félix do Xingu.

E o diapasão da expropriação do capital segue o mesmo desde os tempos de Cabral.

Solidariedade a Lúcio Flávio Pinto


Lúcio Flávio Pinto sofreu recentemente mais um revés jurídico. Desta feita contra a família que tem o direito de repetir a programação da TV Globo no Pará, a família Maiorana.  

Pinto foi condenado a indenizar a família por conta de um artigo que publicou sobre o patriarca já falecido. O rei da quitanda. Veja aqui artigo de LFP sobre a condenação

Entre os inúmeros prêmios que recebeu ano pasado, consta o Nacional de Direitos Humanos, este por aclamação dos jurados. Nesta ocasião publiquei um pequeno artigo que foi replicado no Observatório da Imprensa.

O indico aqui para leitura como um gesto de solidariedade ao jornalista de maior estatura sobre temáticas amazônicas. Leia aqui a Peleja de LFP

Pequena memória sobre o trecho I


O trecho é por excelência o espaço da desordem, da ilegalidade e da esperteza? Mesmo boteco sem atrativos na Cidade Velha, cidade de Marabá, sudeste paraense prenhe de maranhense.

A tinta do cabelo de uma pessoa do sexo masculino destoa das rugas do rosto. O traje é roto com pretensão a elegante. A fala estridente enche o ambiente. Fala em voz alta, como se quisesse que todos soubessem do cargo que ocupa como assessor de deputado.

O sujeito foi comunicador num programa policial da cidade. Desfilava nas praças com carros pegos no Detran como fiel depositário. O pequeno espaço enche. Perto do meio dia.  Um vereador processado por compra de votos na última eleição aumenta o escrete de “espertos”.  Todos fazem galhofa com a possibilidade de prisão do mesmo.

Eles comentam o “mensalinho” pago pelo prefeito da cidade. R$ 40 mil reais seria o mimo pago pelo chefe do executivo para ter projetos e contas aprovadas. Maurino Magalhães, um pentecostal deixou a cidade em frangalhos. Praticamente saiu fugido do município. Fornecedores e barnabés passaram o fim de ano à míngua.

O assessor não cessa em falar. Conta de tramoias e esquemas. E que se faz necessário uma articulação para garantir a coordenação da UFPA de Marabá. “A intenção do deputado é ganhar essa direção”, dispara o tagarela.

Ele liga para uma emissora de rádio. Pede que mandem abraços para o deputado e seus pares. Informa que o mesmo visita uma vila. Na loteria, num desses recursos de propaganda interna, uma TV exibia a face do ilustre parlamentar da Câmara Federal.

Ele é de verniz conservador. Certa vez embriagado numa feira agropecuária vociferou contra o MST. Intimou que os fazendeiros organizassem milícias e a defesa das propriedades. E mesmo que matassem os sem terra, caso fosse necessário.

Não conheço ninguém do espaço. Sempre fico só. Opção para facilitar deslocamento ou ficar um pouco mais.  Tomo a derradeira cerveja. Belisco uns pedaços de carne de porco. Fico a fitar as moças que passam. Preferência pelas rechonchudas. Renascentista coração.
Vou espiar o rio Tocantins, que nesta época do ano toma a cidade. Respiro fundo. E sigo para o ponto de ônibus. Pego uma espiga de milho verde. Matuto sobre as incertezas.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Pequena memória sobre o trecho


Cor cinza. Automática ponto 45 no cós. O negro de meia idade exibe a arma para o colega também policial num boteco desprovido de atrativos na Cidade Velha, no município de Marabá.
Nestes dias o rio Tocantins expulsa as pessoas das casas das baixadas.

Risonhos, os policiais da PM tramelavam feitos e desfeitos. O sol era escaldante e exigia mais cerveja. A conversa não cessava. “Fui da Vale. Um dia passei no concurso da PM e deixei a empresa. Maior burrice que fiz”, avaliou o PM da pistola.
 

Meu caro, ainda cheguei a receber várias cartas da empresa sugerindo que voltasse, optei pela estabilidade. E estou aqui fudido”, fala em tom melancólico o PM prestes a aposentar. Conforme ele, tudo na vida piorou ainda por conta de ter participado da chacina de Eldorado dos Carajás.  Foram mais de 10 anos sem promoção.   

O amigo dele não exibe arma nenhuma. Apenas reclama o fato de estar na burocracia por conta de ter executado uma pessoa em Piçarra. Não tarda chega mais um PM. Todos estão de folga. O derradeiro tem patente, é subtenente.

Assim como alguns garimpeiros contam vantagens disso e daquilo. Falam com orgulho dos abusos cometidos. As chantagens protagonizadas, dos espancamentos e das mulheres. A infidelidade é festejada como se fosse uma medalha por grande feito alcançado.