sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Xingu - O Diário de Ismael Machado

Verão de 42 é um dos meus filmes preferidos. Vi a primeira vez numa madrugada insone, ainda bem novinho. Há um tempinho comprei o livro num sebo.tirando a edição capenga o livro é ótimo. Pra quem não conhece, é a historia de um garoto entrando na adolescência e se apaixonando por uma mulher mais velha, casada com um soldado. É 42, lembrem-se, segunda guerra. O final do livro é um dos melhores que já li na vida.

Falo de Verão de 42 porque acabei lendo quase um quarto dele na sala de espera do aeroporto. O vôo atrasou quase três horas. Praticamente não dormimos, bruno carachesti e eu. A viagem é para Altamira. Belo Monte mais uma vez.

É minha quinta ou sexta vez por essas bandas. Sou um crítico contumaz da obra. E me sinto felizardo por testemunhar essa historia se desenrolando, embora o final já seja previsível. Conseguir hotel é coisa complicada atualmente. Quase todos lotados. Caros.
 
Dormimos apenas duas horas. Há que se fazer de tudo ainda. A manhã será voltada à produção. Com um problema. Pouca grana. Fazer reportagem é caro. Repórteres sabem disso. Enfim, a Cesar o que é de Cesar.

A primeira parada é ir em busca de dom Erwin, o bispo do Xingu. Um dos homens que mais admiro nesse estado. Recentemente vi uma imagem antiga dele, ao chão, sendo espancado. Dom Erwin não está. Sigo atrás de Antonia Melo, guerreira contra a usina. Sou recebido por uma missionária e por Elena, braço direito de Antonia, que está em salvador. Deparo-me com padre Amaro. Trocamos um forte abraço e ele me diz que nunca mais fui a Anapu. É verdade. Há uns dois, três anos, não volto ao município. Padre Amaro está de saída, mas aproveito para entrevistá-lo.
 
As coisas parecem complicadas. A idéia é ir a uma aldeia. Conseguir o transporte está difícil. Caros demais. Na verdade, nossa grana é que está curta, embora não tenha sido por falta de aviso.

Vamos à prefeitura e a mandatária está em campanha. A manhã se esvai rapidamente no calor da cidade. Vamos à Casa do Índio. Indicação de Elena. Encontro a irmã de Marinho, o índio da aldeia paquiçamba. Jurunas. Ela me apresenta o cacique Manoel juruna. Desconfiado, reluta em nos levar. Mas aceita.

Marcamos para o inicio da tarde.

Andamos pela orla, sentamos um pouco. Saber se conseguiremos um preço camarada é o que nos aflige. O taxista indicado por Elena topa ir. O preço não é barato, mas valerá a pena cada centavo, descobriremos mais tarde.

Pela orla, resolvemos dar uma consultada em barcos. Quem sabe não conseguimos pelo menos chegar a algumas famílias ribeirinhas a serem atingidas pelas conseqüências da barragem. Barganhamos e conseguimos que uma voadeira nos leve a uma pequena comunidade, cerca de 40 minutos rio acima.
 
Bruno se encanta com o rio Xingu. É uma beleza assombrosa mesmo.

O barqueiro vira meu personagem. Limões e limonadas. Há que se aproveitar de tudo. Na comunidade, chamada Paratizinho, o que me chama a atenção é um casal. Manoel, conhecido como Caçula e a mulher dele. Humildes a não mais poder. 30 anos vivendo naquele mesmo local. Sabe que terão de sair mas ir para onde, se aos 82 anos, sem uma das pernas, Caçula percebe que nada mais poderá fazer¿

A força da grana. A força do poder. Dilma roussef não sabe de Manoel. Nem saberá.

A volta me deixa mais tranqüilo. Já tenho pelo menos três personagens. Boas fotos. Com a grana curta, almoçamos um PF do tipo que Bruno diz só servir para encher barriga. E tome refrigerante para ajudar a descer.

O taxista nos liga e nos encontra depois. Vamos ao encontro do cacique. Ele enche o porta malas de coisas, incluindo um botijão de gás. Senta ao meu lado. Faço perguntas. Depois nos calamos. Cochilo. Lembro do MP4, ponho, mas meia hora depois acaba a bateria. Faço imagens com minha pequena filmadora.

Espanto-me com a quantidade de máquinas pesadas cavando a terra, rompendo a floresta. A certeza da irreversibilidade da obra me vem cristalina. A estrada que nos leva foi aberta recentemente.
Nem o cacique a conhece.

Vemos arvores gigantescas. Algumas ao chão. Restos de queimadas, desmatamento. Adentramos por mais de duas horas numa estrada irregular. O rallye da aldeia, comentaria depois Reginaldo, o taxista. O carro dele tem um mês. E já enfrenta esses percalços.

O cacique vai se tornando mais aberto e menos desconfiado. Solta algumas risadas.

Vejo um mogno. Ipês. E árvores calcinadas.

Bruno fotografa ensandecido quase tudo o que vê. Passamos por um cabaré, que anuncia strip-tease. Isso no meio da floresta, a margem da estrada, próximo a um dos canteiros de obras. É coisa de Bye Bye Brasil.

Na aldeia, um pequeno punhado de casas de madeira, palha e alvenaria, há o contraste. Enquanto em Paratizinho o rio vai inundar tudo, ali é o contrário. O rio irá secar. Os peixes começaram a rarear. Um grupo de índios adolescentes chega com mais de cinco tracajás.
Reginaldo apanha uns ovos.

Faço imagens e entrevistas. Olho o rio, belo como sempre.

A preocupação é com a volta. Atravessar aqueles caminhos no escuro não é um bom programa.
Por isso as entrevistas não são demoradas. Mas a tarefa é cumprida. Comemos algumas bananas, enquanto José das araras, um índio de 65 anos, diz que sem o rio nada de vida para eles. O rio é o principio e o fim.

Lembro do final do filme Xingu.

A volta é poeirenta, mas com um sol absurdamente bonito sendo admirado. Reginaldo pisa fundo.

Fazemos fotos. Tentamos registrar algo para uma posteridade que nem sei direito qual Reginaldo liga o som. Fagner, Belchior e Zé Geraldo se revezam. Zé ramalho também. Estamos cansados e o sono bate à porta.

Meu corpo pede arrego. Um banho para tirar toda a poeira. Desabo na cama. Mas é um sono sem sonhos. Como a dos moradores do Xingu.

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