quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Lúcio Flávio Pinto analisa o Pororoca pequena


 
Texto produzido pelo jornalista para a orelha do livro
 
Com a imposição da obrigatoriedade do diploma de curso superior de comunicação para o exercício da profissão de jornalista, a academia se instalou nas redações da imprensa brasileira. Não foi por acaso que esse ato insólito foi adotado pela junta militar durante o mais negro período da república brasileira, em maio de 1969, logo depois do famigerado Ato Institucional nº 5, o AI-5, demiúrgo da liberdade de pensamento.
Agora, de forma natural, o caminho é salutarmente inverso: jornalistas, cada vez mais insatisfeitos, tomam o rumo da academia. Querem aprimorar seu conhecimento. Querem, sobretudo, ter régua e compasso: um método de pensar e analisar para dotar de alguma perenidade, significância e inteligibilidade o que escrevem. Esperam absorver a contribuição do pensamento organizado e sistemático, legado de gerações. Ou, como dizem os acadêmicos, conquistar um marco teórico.
 
Felizmente essa nova relação tem sido proveitosa, enriquecendo as partes envolvidas: os trabalhos acadêmicos se tornaram mais atraentes e o jornalismo, mais rigoroso. Isso tudo, apesar da crise da imprensa. Ou talvez por ela mesmo, se acreditamos no princípio teleológico dos gregos, que punham suas crises sobre o palco e aprendiam se divertindo ou tendo prazer estético.
 
Rogério Almeida integra esse processo migratório do saber. Cheio de experiência vivida, de ver com os olhos, sofrer com a alma e sublimar pela inteligência, agora pondera e processa essa vivência no ambiente socrático. Certamente o novo cenário não aquietará suas angústias nem sufocará suas dúvidas. Talvez ele perceba, como alguns outros, que o tal do marco teórico empobrece a realidade da qual ele tem sido testemunha e protagonista. A solução não estará no abandono de material empírico posto à onfandade e desabrigado de uma boa explicação. O mais recomendável é malhar sobre a bigorna das teorias e encontrar uma que seja mais adequada. Na falta do produto, forjar aço explicativo de melhor têmpera. A Amazônia merece esse esforço - e o compensa.
 
Particularmente, é nesse estado de espírito em que me vejo quando os casos que vi e vejo, sobretudo de conflito, me surgem desafiadores quando os aproximo do referencial analítico disponível. O conceito de camponês é lençol curto para tanta matéria. O assentamento da reforma agrária parece antediluviano, como um gringo encardido no verde vago mundo. Há matéria viva e incandescente, como a deste livro, à espera do instrumento que lhe dê forma universal e densidade local, como na grande literatura. E o que é a saga amazônica mais do que a grande literatura em busca angustiante de autor?
Lúcio Flávio Pinto
 

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